
Querem aproveitar a vida consumindo-a como uma deliciosa sobremesa. CRÉDITOS: Divulgação
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Depois dos sessenta nada esquenta
21-03-2025 às 09h44
Rita Prates*
- Clélia fez sessenta e nove anos e se negou a morar com o filho quando o marido morreu há quinze anos.
Está com a saúde em dia, adora a sua casa acolhedora e luminosa, como a cabeça dela, moderna e aberta às novidades. Quando se aposentou investiu em cursos de pintura, de memória e escreveu poesias.
O que mais gostou foram as aulas de dança, onde conheceu um jovem que lhe ensinou novos passos, que a segurou com firmeza na cintura enquanto rodopiavam pela pista e que lhe despertou o desejo adormecido de fazer amor.
– Fui amada? Não. Desejada? Também não. Paparicada? Sim, com muito carinho pelo jovem professor de dança, disse Clélia com um ar safado.
- Valeram os dez anos juntos. Ele me fez sentir de novo o sabor da juventude. Dançávamos, frequentávamos os melhores restaurantes e assistíamos shows e teatros. Nas viagens o meu divertido companheiro agia como um filho dedicado. Era hilário ouvir os comentários de como era afetuoso comigo, então trocávamos olhares e dávamos boas gargalhadas. Eu lhe forneci o que precisava, estudos, carro e uma academia de dança. Foi uma troca justa e deliciosa, diz ela revirando os olhos azuis cheios de prazerosas recordações.
Ultimamente se dedica a assistir séries e ler clássicos. Tem várias paqueras virtuais e afirma não ter mais fôlego para romances duradouros. Prefere viver sozinha, adora encher a casa de amigos para jogar baralho e bater longos papos. Quando pinta algo mais sério diz na lata que não quer dividir dores nem remédios, só aceita beber um bom vinho, comer bem e dançar até a festa acabar.
…
- Ele aos setenta anos se separou, porém continua casado para evitar a partilha dos bens. Sua ex se diverte com aulas de dança e de viagens de cruzeiro. Ela continua sensual, mas o rosto se tornou de boneca, onde a idade tenta se esconder atrás dos montes de botox e preenchimentos.
João ainda se sente jovem e com apetite para novas aventuras. Já que se viu livre não quer compartilhar as suas angústias com mulheres maduras, pois acha que elas só vão acrescentar mais problemas familiares na sua mala abarrotada de bichos de sete cabeças.
Depois de aventuras pelos bares e encontros infrutíferos resolveu investir no sugar baby. Escolheu no site uma garota vistosa, tipo perigosa e fora dos padrões para dar uma sacudida na sua vida monótona. Meticuloso, fez um contrato de um ano com a moça, no qual se compromete a pagar os estudos da jovem. Ela concordou e, em contrapartida, lhe dá afagos e gozo uma vez por semana em um quarto de luxo de um hotel.
– Nada mal para um velhote assanhado e esperto, diz ele com um olhar travesso ao encarar os amigos pasmos.
– Eu como um sugar daddy dou a minha linda sugar baby o que combinamos, assim posso desfrutar de sua sensual companhia. – Sair com a minha pantera de braço dado pela rua nem em sonho. Quero apenas me divertir e garantir a minha liberdade. Olha para os amigos boquiabertos e propõe um brinde ao sugar sexo e aos prazeres que o dinheiro dá.
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- Marta tem setenta e quatro anos, aparenta muito menos. Tem um jeito matreiro de sorrir que cativa as pessoas. Atenta a tudo e a todos nada lhe escapa quando quer saber de algo ou sobre alguém. Participa só do que é de graça. Curte a ginástica na praça, as danças de salão para terceira idade, mas tocar no bloco com a moçada é o que lhe dá maior prazer. Não perde nenhum ensaio e se viu aprisionada em casa quando a pandemia surgiu.
Mesmo sendo católica fervorosa gosta de filmes com cenas quentes de sexo, e se diverte com as piadas picantes enviadas para o seu celular. Carente de humanos, sente falta dos encontros com as amigas para tomarem umas e colocarem os assuntos em dia, inclusive sobre os paqueras de aplicativos. Considera esses momentos uma ótima opção econômica e divertida para praticarem terapia de grupo.
É surpreendente quando ela conta que faz uma geral na casa no dia anterior a ida da faxineira. Ao perceber os olhares de surpresa, ela alega que tem um porquê. O objetivo é a dona Maria acabar mais cedo e se sentar com ela para contar as fofocas e os barracos que acontecem na sua comunidade.
A quarta-feira é um dia sagrado para Marta, pois vivencia avidamente os causos inusitados narrados pela amiga faxineira. Pergunta pelos fulanos e pelos sicranos como se os conhecessem pessoalmente. Alegra-se com as notícias boas e sofre com algum infortúnio dos moradores. Satisfeita, acrescenta mais um pedaço das histórias na sua colcha de retalhos, e finaliza com pequenos nós os casos das pessoas que nunca viu, mas que habitam na sua mente como os fantasmas conhecidos.
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- Paula foi o primeiro amor de Paulo. Ele era um cara boa pinta, fazia parte da aeronáutica e gostava de surfar. O pai de Paula era do exército e transformou a casa em uma sucursal do quartel. Muita disciplina e pouca liberdade. Apaixonado a pediu em casamento. Apesar de amar Paulo, ela disse não, queria ser livre e poder voar.
Paulo pediu baixa da aeronáutica e encontrou nos braços de Bela uma mulher muito mais velha do que ele o amor maduro. Bela exalava juventude quando ria, quando cantava e quando fazia sexo, muito sexo. Ela aos quarenta e sete e ele com vinte e dois anos viveram juntos em plena harmonia durante quatro décadas. Ela pintora de sucesso, dinâmica e divertida, ele ousado e próspero empresário do surf.
Quando Bela faleceu Paulo ficou só e sem rumo. Não sabia como se relacionar depois dos sessenta anos. Só teve dois amores em sua vida, uma não o quis e a outra o amou até o último suspiro. Nos aplicativos de paqueras encontrou mulheres que não lhe despertaram paixão, apenas ilusão.
Seguiu o coração e procurou por Paula nas mídias sociais. Ele a encontrou abraçada a filha em momentos diversos, porém sem nenhum vestígio de presença masculina. O coração batia aflito no peito quando enviou uma mensagem de amizade. A resposta demorou mais de quinze dias, e depois meses de conversas para Paula aceitar encontrá-lo pessoalmente.
Ela estava divorciada de um marido agressivo, que a espancava e maltratava a filha. Traumatizada não queria mais nenhum relacionamento. Com muito jeito e carinho conseguiu convencer Paula que o amor não se perde com o tempo.
Encontrei-os de mãos dadas vindo em minha direção. Sorriam enamorados e exalavam amor na troca de olhares. Contaram-me que adoram viajar, curtir caminhadas pela praia e programar o que fazer pelos próximos quinze dias. Não desperdiçam o tempo projetando o futuro. Querem aproveitar a vida consumindo-a como uma deliciosa sobremesa, saboreando-a com suspiros de satisfação até alcançar o momento mágico de sublime prazer.
* Rita Prates é escritora, é mestre em Administração, professora de graduação e de pós-graduação em Gestão, autora do blog vidasemcontos