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Jogo do “tigrinho e vape”

Jogo do “tigrinho e vape”

Tenho grandes críticas tanto à esquerda quanto à direita no Brasil, mas aqui vou focar nas críticas que tenho à direita, porque creio que nesta pauta é o que mais interessa.

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13-10-24 às 08h:28

Karla Rebeca de Queiroz Rangel*

Nosso congresso representa alguns. Isso é conhecido. Cada parlamentar é eleito para representar o povo de algum lugar. Porém, é verdade que o nosso congresso representa o povo? A questão é pesada, mas insisto nela. Nosso congresso está sim representando alguém, mas nos cabe perguntar: quando há um esforço para trazer impostos sobre o consumo do brasileiro, e para legalizar o vape, ou para legalizar sem regularizar o jogo do tigrinho ou as bets, a quem está servindo esse parlamentar sem rosto?

Minha sugestão é que não ao povo. Não se preocupe, caro leitor, vou trazer minhas razões e você será livre para concordar ou discordar do que eu trago. Ao contrário do que alguns dizem, ainda temos liberdade de expressão, e não serei eu a cercear sua discordância. Dados os avisos, sigamos para o texto.

Em 2024, o brasileiro acorda pela manhã para ver nas notícias um parlamento que aprova leis suspeitamente vantajosas para entes privados específicos ou desnecessárias por completo, muitas vezes durante a madrugada, quando ninguém está com a TV ligada na TV câmara ou TV senado. Tudo bem, já se tornou normal, mas você sabe o que é lobby? Pois deveria saber.

Lobby significa o que parece, política realizada de modo particular, nos lobbys da câmara, dos hotéis, nas casas, em qualquer lugar, menos em público. O lobby costuma ser o meio pelo qual grandes empresas defendem seus interesses na política, sem abrir a boca em público para dizer o que realmente desejam.

Quando falamos da existência de bancadas parlamentares como a bancada do agronegócio e a bancada das armas, estamos dizendo que normalizamos que grupos inteiros de parlamentares se dediquem quase exclusivamente a defender os interesses privados de (normalmente) grandes empresários, seja do agronegócio, seja das armas. Essa misteriosa conexão com grandes empresários não ocorre por coincidência ou boas intenções dos parlamentares envolvidos, mas por pura negociata. Dizem, com algum fundo de verdade, que a verdadeira política ocorre em jantares secretos, com convidados exclusivos, e não no parlatório do parlamento. Só isso deveria bastar para indignar nós que somos idealistas em nossa imaginação política, e imaginamos que nos discursos longos do parlamento, o parlamentar está buscando NOS OUVIR e agradar. Não a um ente privado invisível que praticou lobby de maneira profissional.

Tenho grandes críticas tanto à esquerda quanto à direita no Brasil, mas aqui vou focar nas críticas que tenho à direita, porque creio que nesta pauta é o que mais interessa. Vou resumir em poucas palavras: a direita não defende o pequeno empresário. Se fala na importância do empresário para gerar os empregos no Brasil, mas não se vê ação parlamentar para beneficiar os pequenos empresários que geram a maior parte dos empregos no Brasil. Qualquer pequeno empresário pode dizer: é caro ser empresário no Brasil, muitos impostos, poucas vantagens, e você quase sempre está negativo no banco. A não ser que você dê a sorte de entrar numa empreitada armada para o sucesso, a maioria das áreas padece.

Nas cidades grandes, vemos negócios e negócios fechando todos os dias, nossos comércios cada vez mais desfalcados, e quem diz defender os interesses desses grupos, não só não defende, como finge defender e convence. A direita segue, tal como a esquerda e o centro, continua a ser eleita ainda que não cumpra sua função para com seu verdadeiro público-alvo: o povo.

Falo de público-alvo porque se tudo na relação com o parlamentar hoje se assemelha a uma transação e a política é como um produto que se vende, que ela ao menos seja vendida para nós, já pagamos com nosso voto, já sustentamos esses homens e mulheres sem ética na posição em que se encontram.

Agora, criticando as esquerdas: a fome ainda é uma questão no Brasil. Sempre me lembro disso, porque há pessoas tentando empurrar pautas progressistas extremamente avançadas, quando ainda não nos livramos de problemas básicos. O que importa mais ao travesti, que os seus pronomes sejam respeitados ou que a sua vida seja protegida? Eu sei, não é como se precisássemos escolher, mas num contexto em que as pautas do povo são limitadas e ainda não resolvemos nossos primeiros problemas, por que alguns agem como se estivéssemos no primeiro mundo e trazem pautas que nosso povo não pode comer?

Agora, ao centro, o problema é mais óbvio: o centro não escolheu nada. Eles escolhem a quem oferecer mais. Não estou necessariamente falando de dinheiro, mas de poder no geral, o poder que o dinheiro das emendas traz, mas também o poder que contatos políticos com líderes, cargos em ministérios, trazem. Esse poder.

Em resumo, ninguém está trabalhando pelo povo, não com a eficiência e a dedicação necessária, e esse se torna o ambiente perfeito para o lobby. Nosso federalismo se tornou mais dividido do que nunca com a ascensão do orçamento secreto e da divisão do orçamento da união com os parlamentares para que eles distribuam não para onde o dinheiro é necessário, mas para onde esse dinheiro vai angariar mais votos, e até para que o dinheiro suma suspeitamente enquanto alguém fica mais rico. Com o parlamentar seguro em sua posição, o lobby pode ser facilitado.

O legislador em 2024 é surdo, e é claro que ele tem autonomia para decidir o que fazer com o poder que o povo depositou nele após ser eleito, os acadêmicos já decidiram isso. A vontade imediata do povo não deve ser necessariamente realizada, porque o povo às vezes quer coisas estranhas, a democracia não pode ser usada para acabar com a democracia, por exemplo. Mas o legislador precisa sim, pelo menos, escutar o que o povo pensa. Para que uma vontade de longo prazo possa ser realizada, é preciso acompanhar para onde vai nossa cultura, de maneira que a ação parlamentar continue legítima e coerente com a cultura e vontade do nosso povo.

Com isso, encerro esse texto.

*Karla Rebeca de Queiroz Bacharela em Ciências do Estado, Mestra e Doutoranda em Direito pela FDUFMG. Integrante do Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares.

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