Português (Brasil)

A ONU e as PMs

E, para não ocorrer precipitações, a própria PM ensina a se trabalhar com fatos e não com versões, o que sugere buscar-se a origem da notícia, ou seja, o sítio da ONU.

Compartilhe este conteúdo:

09-10-2024 às 09h:15

Amauri Meireles*

A mídia, em geral, a partir de 31 de maio passado, difundiu a notícia de que o Conselho da ONU, atendendo proposta da Dinamarca, teria recomendado, ao Brasil, a extinção das Polícias Militares (PMs).

Conhecendo essa instituição secular de proteção da sociedade, particularmente a de Minas Gerais, patrimônio do povo mineiro, e desconhecendo as razões que teriam levado aquele órgão a se intrometer em nossas questões internas, num primeiro momento, no impulso, a recomendação foi tida como inconveniente, inoportuna, inconsequente, intempestiva, irresponsável até. Certamente, um enquadramento recíproco muito forte, muito severo com ambas instituições: a ONU e as PMs.  

E, para não ocorrer precipitações, a própria PM ensina a se trabalhar com fatos e não com versões, o que sugere buscar-se a origem da notícia, ou seja, o sítio da ONU. Pesquisando-se, chega-se ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH - www.ohchr.org).

À medida que se aprofunda na pesquisa, constata-se, cristalinamente, que a extravagante notícia não foi um furo, mas, uma estrondosa barrigada (no jornalismo, é a divulgação de uma notícia falsa como sendo um furo de reportagem). É que, em momento algum, o representante da Dinamarca sugere a extinção das PMs e, por via de consequência, o Conselho da ONU também não o fez. Aliás, nem se fazia presente, pois os trabalhos eram dirigidos pelo ACNUDH.

Na verdade, alguém traduziu erradamente trecho do relatório do ACNUDH e, efeito dominó, foi derrubando quem repercutiu a notícia falsa.

Esse relatório, “Universal Periodic Review – UPR” – é o ápice de uma metodologia utilizada pelo Alto Comissariado para identificar a real situação em que estão os Direitos Humanos, nos países da ONU, seguindo-se recomendações (isso, recomendações, não são sugestões) para correções.

O primeiro relatório, referente ao Brasil, foi produzido em 2008 e apresentou 15 (quinze) recomendações. O segundo foi divulgado na 13ª Sessão de 30 de maio, em Genebra, Suíça, com a presença da ministra Maria do Rosário, chefiando uma delegação de 40 (quarenta) membros. Embora não tenha ficado claro se e quantos eram da área da segurança, o fato é que esse grupo trouxe, como dever de casa, 170 (cento e setenta) “recomendações” para o Brasil.

Para chegar a esse relatório, o ACNUDH envia ao país um Relator Especial, um observador, que coleta informações de instituições públicas e privadas, apresentando sínteses periódicas, que se juntam a comunicações enviadas para a sede de várias fontes, incluídas as dos mal intencionados.

O relator especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, Philip Alston, apresentou, em 26 de maio de 2010, o andamento de cada recomendação anteriormente encaminhada, de onde extraímos:

4. “In the longer term the Government should work towards abolishing the separate system of military police. This recommendation has not been implemented, although it is presently being discussed by officials”.

5. “The federal Government should implement more effective measures to tie state funding to compliance with measures aimed at reducing the incidence of extrajudicial executions by police. This recommendation has not been implemented”, ou seja, em tradução livre: 

4. A longo prazo, o Governo deve trabalhar para acabar com o sistema independente de polícias militares. Esta recomendação não foi implementada, embora esteja atualmente sendo discutida por funcionários.

5. O Governo Federal deve implementar medidas mais eficazes para vincular financiamento estatal ao cumprimento das medidas destinadas a reduzir a incidência de execuções extrajudiciais pela polícia. Essa recomendação não foi implementada.

O surpreendente é que essas duas observações aparecem fundidas nas Conclusões do UPR, como sendo uma recomendação proposta pela Dinamarca e acatada pelo ACNUDH: 119.60.

Constatou-se que a manifestação da Dinamarca é: “Work towards abolishing the separate system of military police by implementing more effective measures to tie State funding to compliance with measures aimed at reducing the incidence of extrajudicial executions by the police (Denmark)”. Ou seja:

“Trabalhar para abolir o sistema independente de polícia militar implementando medidas mais efetivas para assegurar financiamento estatal para cumprimento de medidas destinadas à redução da incidência de execuções extrajudiciais pela polícia (Dinamarca)”.

Interessante observar, ainda, que esse relatório enfoca, quase na totalidade, questões específicas do eixo Rio-São Paulo, o que, em absoluto, não representa a realidade, em outros Estados, da insegurança gerada pela criminalidade violenta.

Ratificando a observação de desconhecimento de nossa ampla e diversificada realidade social, veja-se a recomendação da Austrália: 119.62. “That other state governments consider implementing similar "programs to Rio de Janeiro’s UPP Police Pacifying Unit (Austrália)”, isto é, que outros governos estaduais considerem implementação de programas similares às UPP do Rio de Janeiro. Ora, UPP integra um específico esforço do Estado do RJ para ocupar espaços peculiares, então controlados por marginais, em razão de distopia estatal (ausência ou funcionamento anômalo de órgãos sociais). São realidades culturais distintas, dentro do território brasileiro.

Enfim, a questão, aqui, ficou restrita à supressão gradual do que chamaram trabalho independente das polícias militares (seria ausência de interação entre os organismos policiais?).

Obviamente, tal colocação deve ter sido feita por não saberem que, no Brasil, o espectro institucional contempla as polícias Administrativas (inúmeras), a Ostensiva (a PM), a Judiciária (a Polícia Civil), a de Socorrimento Público (Corpo de Bombeiros Militar - CBM) e a Penal (com a Custódia e Ressocialização de apenados).

As chamadas Polícias Militares são mais conhecidas pelo que fazem, sendo que o próprio nome induz a isso. Na verdade, elas são as forças públicas estaduais, instituições seculares que exercem atividades civis de proteção social e de garantia do funcionamento dos poderes estaduais constituídos.

Vale dizer, em breve síntese, são garantidoras da ordem social, realizando, conforme a variação dessa ordem, operações sucessivas e justapostas de polícia ostensiva (operações de policiamento ostensivo, de choque, de restauração, etc.).

O que, admite-se, não é muito bem compreendido aqui dentro (imagine-se lá fora?!...). 

Conforme as conclusões do relatório do ACNUDH, as 170 (cento e setenta) recomendações serão examinadas pelo Brasil, que irá fornecer respostas em devido tempo, mas não depois da XXI sessão do Conselho de Direitos Humanos, o mais tardar em setembro de 2012. Hum!... Exaustiva tarefa para a ministra Maria do Rosário.

Quanto à recomendação 60, sugiro que a ministra trabalhe para mudar cognomes para nomes que, efetivamente, identifiquem as instituições e acabem com o entendimento equivocado de que há, nos Estados, apenas duas polícias e “fazendo a mesma coisa”: Polícia Militar para Força Estadual e Polícia Civil (todas, exceto as PMs e os CBMs, são civis) para Polícia Judiciária Estadual.

Certamente, o relator e o Alto Comissariado entenderão porque as polícias no Brasil são independentes e, desse modo, devem continuar sendo oportuno um órgão de coordenação de esforços interativos.

Evidentemente, se nossos casmurros assim compreenderem, antes!...

*Coronel Reformado da PMMG, foi Comandante da Região Metropolitana de BH

Compartilhe este conteúdo:

 

Synergyco

 

RBN