Pela dignidade na política
A política consiste, em termos democráticos, na arte do diálogo. Divergir, no plano ideológico, faz parte do jogo democrático e pode ensejar autocrítica.
09-10-2024 ás 08h:50
Mário Lúcio Quintão Soares*
Gosto de debater assuntos políticos, no sentido dialógico, pautado no respeito mútuo.
No exercício da práxis política, posso e devo utilizar de argumentos racionais bem fundamentados, para convencer ou contradizer meu interlocutor.
Divergir, no plano ideológico, faz parte do jogo democrático e pode ensejar autocrítica.
Entretanto, o que se percebe, hoje, no âmbito das eleições municipais, é um ambiente de hostilidade de facções políticas.
Lamentavelmente, algumas pessoas se julgam donas da verdade e agridem os que divergem de suas convicções.
O espaço público mais usado é o das redes sociais, cenário de ofensas, “fake News” e argumentos irracionais.
Nestes tempos sombrios, o pau quebra, com insultos impublicáveis.
Em face do cenário dantesco que macula o pleito, chamo à reflexão os leitores desta crônica para que haja o resgate da dignidade na política.
A dignidade humana consiste em um tema que Hannah Arendt, intelectual judia perseguida pelo nazismo, disseminou ao longo de toda sua obra.
A partir do fenômeno de governos autocratas, tais como o nazismo, na Alemanha, e o fascismo, na Itália, Arendt torna-se uma instigante pensadora da política.
Ela deduz que não obstante do caráter universal que a tradição ocidental atribuía à dignidade do homem, esta só é real, só adentra o plano da efetividade e resguarda o respeito aos indivíduos, quando estes integram uma comunidade pela qual compartilhem de responsabilidade.
De acordo com o pensamento de Arendt, as autocracias representaram uma verdadeira ruptura em face da tradição de pensamento e do conjunto de valores ocidentais.
A dignidade humana deve ser compreendida como atributo essencial para a estrutura instituída para a recepção e preservação dos direitos fundamentais assegurados nos diversos textos constitucionais.
Nessa linha de argumentação, os direitos humanos, inerentes à dignidade de cada pessoa, devem ser observados como um conjunto articulado, interconexo e interdependente de direitos individuais, políticos, econômicos, sociais e culturais, estribados, para além da ideia da universalidade, no princípio da indivisibilidade — condição indispensável para a construção de uma cidadania demarcada pela pluralidade e diversidade.
Os direitos humanos envolvem, pois, todos os aspectos da experiência de uma sociedade democrática: a pessoal, a comunitária e a institucional.
A promoção dos direitos humanos representa, portanto, a plena dimensão de suas exigências, pois requer a intervenção ativa dos agentes estatais e de toda sociedade, encarregados de sua tutela.
Ou seja, qualquer violação de direitos humanos caracteriza-se como crime contra a humanidade, pelo que se deve coibir coercitivamente o discurso de ódio, que desagrega a sociedade democrática.
Em termos de agenda, algumas iniciativas devem ser tomadas pelas comunidades para acentuar o resgate da dignidade na política.
A primeira delas seria de estimular a participação do cidadão comum na vida pública. Há necessidade de se conscientizar o indivíduo na perspectiva de que o engajamento ideológico se faz essencial para a transformação da sociedade.
A segunda consiste em impulsionar a construção de mecanismos de participação popular que contribuam com a democratização do Estado e o fortalecimento do controle social e da gestão participativa.
A terceira contempla a democratização das estruturas anacrônicas dos partidos políticos, mediante renovação dos quadros partidários, em busca de argamassas que estabeleçam os pressupostos de uma sociedade mais justa e solidária.
* Mário Lúcio Quintão Soares é advogado militante e professor universitário. Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG