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O papel da propaganda eleitoral

O papel da propaganda eleitoral

Política – e a segundo turno vem aí para Belo Horizonte - a comunicação como médium das razões e emoções na representação popular. O que importa é a publicidade eleitoral

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08-10-2024 às 08h:58

Lucas Carvalho*

O reino da política sempre foi um campo de incógnitas. É o que lecionou Paulo Bonavides quando escreveu que a ciência política é indiscutivelmente aquela onde as incertezas mais angustiam o estudioso.

Nesse campo, em que forças como liberdade e poder, realismo e romantismo, e, em especial, razão e emoção convivem conflituosamente. Por isso, é consenso reconhecer que a principal preocupação do eleitor não costuma partir puramente de escolhas lógicas, como propostas, programas, ideologias, projetos e planos de governo. Disso, todos sabem.

Fato é que toda disputa eleitoral segue uma inevitável lei natural da vida pública: não votamos simplesmente no melhor candidato, mas essencialmente naquele que mais simpatizamos, numa escolha baseada em reflexões críticas, mas também impulsos passionais, conforme é comum nas escolhas humanas.

Essa eterna busca do eleitor metafórico pelo tal do “voto consciente”, assim, esbarra na realidade de que a teoria desenvolvida há milênios por Sócrates, num modelo de aristocracia formada exclusivamente por sábios, e criticada pelo seu desapego com a opinião popular não sobrevive hoje aos principais preceitos dos estados modernos e de suas democracias de massas. Modelo que obedece a pressupostos semelhantes da publicidade, em especial para uma sociedade afetada pelo problema de formar mais consumidores do que cidadãos. Desse modo, o comum nas democracias contemporâneas, em verdade, é o voto no candidato mais carismático (seja por sua desenvoltura, elegância, simpatia, ou até mesmo beleza).

Em síntese, nas campanhas eleitorais, é o carisma do candidato que importa, mais que suas qualidades técnicas. E o carisma não se confunde com simpatia ou cordialidade, mas sobretudo identificação com o eleitorado, o que pode atrair, inclusive, tipos bastante polêmicos, desde que seu perfil se aproxime dos desejos (conscientes e inconscientes) do eleitor, seja por buscar melhorias para sociedade, ou, o que não é raro atualmente, representar o descontentamento com tudo e todos enquanto cidadão desencantado com a vida pública.

Ao pensar que devemos votar numa razão instrumental, esquecemos que buscamos em um representante qualidades que, para governar, dependem de toda uma série de fatores que exigem, antes de tudo, capacidades típicas de um líder, como habilidade para diálogo, para formar articulações, construir negociações, ceder a concessões, e, se necessário, trair aliados e reatar com inimigos políticos, além de estar permanente disposto para o contato e, se necessário, enfrentamento com a comunidade que o elegeu.

Contudo, talvez justamente por esse recalque sebastianista por um “voto consciente” e da ignorância quanto às verdadeiras qualidades preferidas para a escolha de um candidato, é que deixamos de reparar o quanto o eleitorado brasileiro pouco avalia o impacto dos aspectos imagéticos, semióticos, mas também emocionais e afetivos que determinam suas escolhas eleitorais, muito embora essas características, disputa após disputa, acabarem na boca do povo, passando de pessoa a pessoa até integrar o imaginário cultural nacional e o nosso folclore político.

O que importa em termos de campanhas, sem dúvidas, é enfim a publicidade eleitoral. Assim, se expor, se promover, convencer e conquistar corações e mentes (por corações e mentes, digo votos), é o que define os rumos da campanha. Nesse sentido, a propaganda política é, talvez, o triunfo ou o calcanhar de Aquiles das democracias recentes.

Esses atributos típicos do político como figura popular e não “técnica” são esquecidos quando pensamos nas suas funções assim que eleito, como, por exemplo, ser responsável pela definição de políticas públicas.

Em seu sentido gerencial, essa prática depende mais de uma racionalidade de meios e fins, procedimentos e avaliações nem sempre populares para os candidatos (mas destacados no currículo de uma nova leva de políticos da atual geração como diferencial, num esforço para responder essa crise).

 A escolha das políticas pública é tarefa eminentemente política, mas seus métodos e procedimentos, no exercício público, é delegada a seus principais auxiliares (secretários, assistentes, colaboradores, servidores), formados nas escolas de administração e gestão pública, local no qual os gestores podem, como em um laboratório, testar propostas e soluções sugeridas pelos políticos e analisar sua viabilidade, exequibilidade, efetividade e eficácia com certo grau de independência.

A eles faltam a sensibilidade inerente ao político, mas sua racionalidade formada por anos de estudos não ignora seu propósito principal: planejar, monitorar, executar, fiscalizar, coordenar, e avaliar as políticas públicas, produzindo resultados que servirão de inspiração para próximas políticas e, ao cabo, para o sucesso ou fracasso dos eleitos.

Nessa característica da democracia moderna reside a essência da propaganda eleitoral, para apresentar o candidato não apenas como produto, mas como espelho do seu povo, algo que em termos de representação política, é traduzido em votos e independe do corpo técnico que o assessorará.

E aqui entramos na história das propagandas eleitorais, seu passado, presente e atualidade.

Seja você aquela pessoa que “nem se interessa por política”, ou mesmo que você seja um aficionado pela política com “P” maiúsculo, daqueles que acompanham o noticiário, engajam direta ou indiretamente em campanhas eleitorais e na vida partidária, ou até mesmo, por amor (ou ódio) ao debate se sujeitam ao risco de agressão física ou verbal ao discutir polêmicas em mesas de bar e em redes sociais em questões inegociáveis para ambas as partes, é inegável que invariavelmente você vai desenvolver um ou outro afeto íntimo por pérolas da publicidade política, do marketing eleitoral, das campanhas publicitárias ou, simplesmente, da propaganda eleitoral, afinal, qualquer publicidade não tenta só circular informação, mas penetrar desejos e crenças na mente do público, como citou Leo Burnett. E, em política, nada mais comum que se identificar com o ditado de que “muitas coisas pequenas foram transformadas em grandes pelo tipo certo de publicidade.”, como definiu Mark Twain. Em publicidade e em política, tais máximas não são muito distantes.

Pensar em propaganda eleitoral talvez seja mais difícil que vender qualquer outro tipo de “produto”, pois seus métodos são os mais interessantes e difíceis da literatura moderna, como arriscou dizer Aldous Huxley, famoso escritor e utopista. Afinal, para resumir o papel da publicidade eleitoral, vale a máxima de William Feather, pois “todo homem é, na realidade, 2: o homem que ele é e o homem que ele quer ser”. Na política, o eleitor busca exatamente essa representação siamesa, alguém com quem ele se identifique, assim como alguém cuja influência ele gostaria de ter para mudar as coisas ao seu redor.

Retorno ao âmago da questão sobre publicidade e política: em ambos os casos, o apelo não é à razão, mas à emoção. No Brasil, como em geral com as coisas que afetam tanto a mente como o coração, a propaganda eleitoral causa sentimentos diversos, entre o desprezo e o fascínio.

Como tudo voltado para as massas e que promove um dos temas mais polêmicos do país, (além do futebol e religião), a propagada eleitoral se torna paixão nacional a cada campanha. Mesmo que seus próprios postulados e princípios políticos não apoiem a mensagem divulgada, uma boa peça publicitária grudará na sua mente como chiclete, como toda boa publicidade deve operar. Com isso, são afetados os cidadãos mais críticos, que não deixam de ser expostos à mensagem, bem como os mais alienados, que dependem apenas de um bom jogo de imagens para ser convencido daquilo que se propaga.

Faz parte da nossa história, marca a nossa identidade de época, nossos ritmos e expressões culturais e nossa própria politicidade o belo matrimônio entre propaganda e política no Brasil. A propaganda eleitoral é, assim, uma de nossas maneiras de fazer política e aproximar pessoas de ideias, movimentos e candidatos, servindo como um exemplar registro histórico de cada época. Sobre isso, a crônica é vasta, assunto para uma próxima coluna.

* Lucas Carvalho Bacharel em Direito pela UFMG e mestre em Direito Político pela mesma instituição. Advogado e Especialista em políticas e gestão da saúde na Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais

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