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Modal hidroviário é a questão

Modal hidroviário é a questão

Cabe ressaltar que as conexões estratégicas dessa modalidade de transporte podem impactar positivamente na já anunciada retomada de nossa indústria naval, hoje, amplamente debatida pelo “cluster” naval do Rio de Janeiro, de Vitória no Espírito Santo

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08-10-2024 às 08h:51

Nicácio Satiro de Araujo*

Quis o destino que eu, marinheiro, fosse agraciado com o honroso privilégio de ser o primeiro Comandante da Capitania Fluvial de Minas Gerais (CFMG) com sede em Belo Horizonte, tendo inclusive a partir desse privilégio enfrentado o desafio de direcionar minha pesquisa acadêmica, quando na Escola de Guerra Naval (ESG), em que cursava o C-PEM, Curso de Política e Estratégia Marítimas, para questões relacionadas às águas interiores, águas doces, que em nosso território representa um rico mosaico de artérias que nos faz, o Brasil, com seus rios, represas, lagos e aquíferos, um dos maiores detentores de reservas de água doce do planeta. Aqui ressalto que quando à frente da garbosa Capitania Fluvial, confirmei as palavras do ilustre chefe naval, Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, por ocasião da instalação da CFMG, as quais foram: “Minas Gerais a caixa d’água do Brasil”.

Em decorrência dessa marcante experiência de vida, tive o privilégio de participar, em Brasília, do seminário “Diálogos Hidroviáveis”, um dos principais eventos técnicos sobre a navegação interior no Brasil, que tem como objetivo discutir políticas públicas, concessões e inovações com abrangência na sustentabilidade e no multiúso dos rios brasileiros. Nesse contexto, debateu-se a questão premente das hidrovias no Brasil. Em pauta estava a discussão dos modelos de concessão de alguns rios e a estruturação de projetos de navegação, com a meta de transformar rios brasileiros em hidrovias seguras e, ambientalmente, sustentáveis, oferecendo maior previsibilidade e competitividade ao transporte hidroviário interior. Esse é um caminho conveniente para que o país supere a vulnerável e excessiva dependência do transporte rodoviário de cargas, que tem significado um elevado custo econômico, ambiental e social – por exemplo os acidentes de trânsito com vítimas fatais, expressos nas estatísticas que revelam o quão elevado ônus representa a dependência desse modal de transporte.

Seminários como esse são essenciais para fortalecer a comunicação entre os diversos atores do setor e promover um planejamento estratégico, que considere as potencialidades e os desafios do transporte hidroviário. O Brasil dispõe de todas as condições para consolidar suas hidrovias como um modal de destaque no cenário logístico nacional e internacional, garantindo, desse modo, desenvolvimento econômico, com responsabilidade ambiental e social. É, ou deveria ser, de conhecimento de todos o fato, jurídico e legal fundamentado, de ser o Comandante da Marinha do Brasil a Autoridade Marítima em relação às chamadas águas salgadas, representando sua autoridade em relação a nossa rica e ainda pouco explorada, Amazônia Azul. Todavia, nunca é por demais lembrar de ser o Comandante da Marinha, também, a autoridade em relação às águas interiores, conforme a Lei nº 9.537, de 11 setembro de 1997, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional.

Bem verdade, viver a Marinha do Brasil, gigantescos desafios estratégicos em relação ao fato de ser o Brasil um país essencialmente atlântico, com 95% de seu comércio exterior sendo feito por via marítima e com vastas reservas de gás, petróleo e minerais inexplorados. Entretanto, essa realidade não pode nos levar a descuidar do grande desafio, que também se traduz em grande oportunidade, para a Marinha do Brasil, que é a viabilização do uso das águas interiores, notadamente nossas hidrovias, como fator de alavancagem do desenvolvimento econômico sustentável. A Marinha do Brasil historicamente, por meio dos Centros de Instrução no Rio de Janeiro e em Belém, tem se dedicado a formação de recursos humanos para a Marinha Mercante, que pode e deve estar à altura dos desafios apontados durante o evento “Diálogos Hidroviáveis”.

Cabe ressaltar que as conexões estratégicas dessa modalidade de transporte podem impactar positivamente na já anunciada retomada de nossa indústria naval, hoje, amplamente debatida pelo cluster naval do Rio de Janeiro, de Vitória no Espírito Santo e em Santa Catarina. Também de frisar-se que navios dependem fundamentalmente de aço; aço depende de minério de ferro; minério de ferro é a base da economia mineira e de sua siderurgia. Aqui não poderia deixar de sugerir a leitura do livro “Do diamante ao aço” do consagrado jornalista e escritor mineiro, Américo Antunes, para entendermos com clareza que esse debate acena prospectivamente para a recuperação das potencialidades da siderurgia mineira como base para as políticas públicas e projetos estratégicos da Marinha do Brasil quer seja em relação à Marinha de Guerra como à Marinha Mercante.

Em síntese, o transporte hidroviário interior, bem como a navegação de cabotagem, cuja recuperação consta do projeto “BR do Mar”, ambos impulsionados por políticas públicas efetivas e pela colaboração dos setores público e privado, com a necessária presença e respaldo de nossa Marinha, é efetivamente um elemento estratégico para o desenvolvimento sustentável do Brasil.

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