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Uma viagem especial

Sinto-me um produto empacotado sem muita chance de movimentar, sendo transportado por horas que se tornam longas, cansativas e entediantes.

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24-08-2024 às 09h:00

Cléo Zocrato*

Era para ser uma simples viagem por aplicativo que se tornou algo especial.

Em uma fria manhã de julho, desembarquei na rodoviária de São Paulo.

Esta cidade nunca me atraiu, aceitei o convite de um amigo querido, que me presenteou com a participação em seu evento.

Aceitei e parti para esta cidade nada acolhedora, segundo os relatos que colhi pela vida.

Escolhi viajar à noite, descansaria dormindo e não teria os incômodos de passar horas no mesmo lugar, com ar condicionado e os desconfortos que todas as viagens me causam.

Não gosto muito de viajar, especialmente de ônibus.

Sinto-me um produto empacotado sem muita chance de movimentar, sendo transportado por horas que se tornam longas, cansativas e entediantes.

Dormia e acordava a todo momento, na esperança de que o sono fizesse com que as horas passassem mais rápidas.

Finalmente cheguei, sã e salva.

Logo fui em busca de um carro chamado por aplicativo, a fim de chegar ao destino em segurança.

Ao fazer o pedido da corrida não me atentei à "localização" e confirmei um Hotel do outro lado da rodoviária.

Várias pessoas aguardavam os carros que logo chegavam, o que não acontecia comigo, que tinha as corridas canceladas.

Após o terceiro cancelamento e não entendendo nada, comecei a trocar mensagens com o quarto motorista que se dirigia ao local em que eu "não estava".

Enviei mensagem pedindo a ele que não cancelasse a tão desejada viagem, pois outros cancelaram. Eu não entendia a razão.

Assim que chegou ao local, me enviou mensagem perguntando onde estava, fui respondendo também tentando encontrá-lo, até que finalmente ele perguntou onde eu estava, quando respondi ele entendeu que a localização estava errada.

Me escreveu dizendo, entendeu porque os outros cancelaram. “Aguarde que irei até você”.

Até descobrir o erro passou um tempo, que gerou em mim ansiedade e nele, estresse, indignação e raiva.

Precisou dar uma grande volta até chegar onde eu estava.

Quando chegou, apanhou minha bagagem e demos início à melhor viagem de Uber que já fiz.

Iniciamos a conversa com meu pedido de desculpas, ele ouviu e em desabafo furioso, porém educado, foi relatando o quanto aquele "incidente" havia afetado seu humor e lhe causado prejuízo por perda de tempo e obviamente financeira. Poderia ter feito duas viagens e se cancelasse teria ainda mais prejuízo porque teria a multa referente ao cancelamento.

Mesmo me sentindo muito mal por ter lhe causado prejuízo, estimulei seu desabafo, reconhecendo a importância daquele relato.

Como uma simples distração pode gerar tantos problemas?

Nossa conversa foi evoluindo, dando lugar a outros relatos acolhidos de forma paciente e amorosa.

Tornando a conversa mais leve e agradável, por libertar histórias que aprisionadas adoecem nosso corpo e nossa alma. 

Em pouco tempo já nos sentíamos "amigos de infância".

Seu humor já era outro e eu, já sem culpa, ouvia seus relatos com prazer. Melhorando e se sentindo à vontade relatou outra situação que havia ocorrido recentemente, onde houve abuso por parte de uma passageira e ele não se manifestou, poupando-a de uma reação agressiva devido à raiva que ela lhe causou.

Raiva que ficou remoendo, provocando até aquele momento mal estar. Ao vivenciar novamente uma situação ruim provocada por mim, acessei aquela lembrança, podendo diluir a outra que estava armazenada, ansiando por liberdade.

Foi bom falar sobre o que segurou por dias e precisava sair.

A importância de resolver nossas insatisfações na hora que ela se dá ficou clara e logo passamos a compartilhar histórias em que não nos posicionamos quando deveríamos, e quanto mal nos fizeram.

Ao chegar em meu destino, já nos sentíamos confortáveis, ele sem raiva, eu sem culpa.

Dei a ele meu contato e um abraço que selou uma amizade. Combinamos um chá e uma prosa em meu Jardim, quando visitar minha cidade.

Eu aprendi a prestar atenção na localização quando pedir um carro, ele a se posicionar quando insatisfeito, assim se deu nosso encontro.

*Cléo Zocrato é empresária e artista plástica

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