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Uma noite no vapor Benjamim Guimarães

Uma noite no vapor Benjamim Guimarães

O vapor BG está fora do leito do Rio São Francisco, sobre “fogueiras”, à espera da reforma sob a responsabilidade do prefeito de Pirapora, Alex Cesar (PTB), desde 2021.

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23-05-2024 às 09h00

Bento Batista*

Quando pernoitamos no navio vapor Benjamim Guimarães, em Pirapora (MG), no final da década de 1960, nem de leve passava por nossa cabeça um pouco da história dessa histórica embarcação. Hoje sabemos que o BG foi construído nos Estados Unidos, em 1913. Há, portanto, 111 anos.

A famosa embarcação navegou do Rio Mississipi à Bacia Amazônica até chegar a Pirapora por meio do Rio São Francisco, onde foi restaurada pela Franave – Companhia de Navegação do São Francisco.

O BG é uma referência de navegação. Foi muito utilizado no transporte de cargas e passageiros no trecho entre Pirapora e Juazeiro, na Bahia. Mas naquela noite do ano de 1969, ali pernoitamos, eu na condição de repórter do “O Jornal de Montes Claros”, responsável pela cobertura de Esportes, o time do Casimiro de Abreu e a comissão técnica, com o técnico João Melo à frente.

Fomos de Montes Claros a Pirapora de ônibus. O lateral esquerdo Marcelino, ex-Atlético Mineiro, brincalhão como ele só, fazia a maior bagunça dentro do ônibus e dava gargalhadas. Famoso por ser bem dotado, ele sacava da “mangueira” e saía batendo-a no encosto de braço das poltronas, assustando quem dormitava. E tome gargalhadas do Marcelino.

Naquela época, a estrada Montes Claros a Pirapora nem asfaltada era. O ônibus levantava poeira e no meio da noite ouvíamos os cascalhos saltarem debaixo da engrenagem. Saímos de Montes Claros à tardinha e em Pirapora fomos direto para o BG, que estava ali ancorado fazia muito tempo devido a algum problema de manutenção.

Depois de acomodados no BG, fomos todos dar um giro pela cidade. Claro que o nosso destino era o Bambuzinho, um barzinho que não mais existe, foi queimado em incêndio, como diz Nílton Antunes Figueira, que além de fotógrafo é escritor e vive lá, em Pirapora.

O barzinho ficava à beira do Rio São Francisco. Além de ser um lugar agradável, coberto de folhas de coqueiro e paredes de bambu, o lugar proporcionava bela vista do rio. Uma lua cheia ajudava a compor o cenário típico para se viver a dois, apaixonadamente.

De novo, Marcelino foi atração no Bambuzinho, onde encontrou alguém para com ele dançar, separadamente. Ele ria e sacudia o corpo, principalmente as partes de baixo, o que chamava a atenção dos circunstantes, mas o craque, como se diz, “estava nem aí”. Queria mesmo é se divertir, mostrando as suas qualidades de jogador, quer dizer, dançarino experiente.

Na época, antes de ir jogar no Cassimiro de Abreu, Marcelino era bajulado pela direção do Atlético. Quando acontecia um desentendimento com a diretoria, ele rumava para Montes Claros e os diretores vinham buscá-lo às pressas, quando o Galo tinha uma partida importante.

Naquela noite fazia frio. A umidade do Rio São Francisco seria a responsável pelo frio de doer os ossos. Nada que não pudesse ser resolvido após sorver algumas caipirinhas. Não recordo se Marcelino ou outro jogador ali presente bebia, mas o repórter “que vos fala”, naquela época bebia caipirinha. Hoje, não. A não ser um vinho tinto, seco, procedente da Espanha ou do Chile. Até da Argentina. “Los hermanos” produzem bons vinhos. E churrascos também. A carne argentina é deliciosa. O gado pisoteia os Pampas e talvez isto influa de modo especial no sabor da carne.

A parte não tão boa aconteceu depois que retornamos às acomodações do navio vapor. O fato de ser uma embarcação antiga justificava o surgimento de várias frestas. De madrugada, quando o tempo parece quedar, um vento gelado entrava na cabine onde eu dormia e não havia cobertor que esquentasse o corpo. Tanto por causa do frio como devido à excitação de ir curtir a praia do rio, passei a madrugada inteira torcendo a favor do nascer do sol.

Quando amanheceu, foi um alívio. Depois do café, com os jogadores concentrados até a hora do jogo, peguei os meus paninhos e fui para a praia. Diferentemente da noite, o dia prometia muito sol e calor. Sentado se podia ver o desfile de biquíni. Dentro d’água, eu me metia debaixo das duchas, até a hora do almoço.

E o jogo? O leitor aficionado em futebol pode perguntar, com toda razão. Respondo, para terminar: sabe que nem me lembro? Na verdade, o que eu queria mesmo é exaltar a beleza de Pirapora e a eficiência do navio vapor, que aos 111 anos ainda está aí para servir a gregos, troianos e a todos nós que gostamos de incursionar ao passado a fim de buscar uma história para contar.

P.S.: O vapor Benjamim Guimarães está fora do leito do Rio São Francisco, sobre “fogueiras”, à espera do término da reforma sob a responsabilidade do prefeito de Pirapora, Alex Cesar (PTB), desde 2021. A população está incomodada com isso. E o vapor é um símbolo para a Marinha Brasileira.

*Jornalista e escritor

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