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Uma mineira na China

Comparando essas duas realidades, me parece que o Brasil continua preso em sua condição de eterno país do futuro, enquanto a China já está construindo e vivendo o futuro.

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21-08-2024 às 09h:36

Alice Castelani de Oliveira*

Neste ano, no dia 15 de agosto, celebramos os 50 anos das relações diplomáticas entre Brasil e China, uma parceria estabelecida em 1974 que alcançou marcos significativos. Entre eles, destacam-se o lançamento do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS) em 1988, a consolidação do Brasil como o maior fornecedor de alimentos para a China, e a afirmação da China como o principal parceiro econômico do Brasil, com exportações brasileiras para o país asiático somando cerca de US$104 bilhões em 2023, enquanto o Brasil importou mais de US$50 bilhões em produtos chineses. Neste ano simbólico, tive o privilégio de viajar para a China, período em que realizei um curso sobre diplomacia chinesa, governança global e cooperação internacional entre os países BRICS na Fudan University, em Shanghai.

Na oportunidade, passei um mês na China, onde a maior parte do tempo fiquei em Shanghai, a segunda maior cidade do país, com mais de 25 milhões de habitantes. Além disso, visitei as cidades de Hangzhou e Yìwu, na província de Zhejiang, e as cidades de Nanjing e Suzhou, na província de Jiangsu. Hangzhou e Nanjing são capitais provinciais, já Suzhou e Yìwu são cidades economicamente importantes em suas respectivas províncias: Suzhou com as principais indústrias de ferro e aço, além da fabricação de equipamentos de TI, eletrônicos e produtos têxteis; e Yìwu com a manufatura e o comércio, sendo, hoje,  o maior centro comercial atacadista do mundo. Dessa experiência, o que mais me impressionou foi ver de perto o esforço chinês para desenvolver cidades mais sustentáveis e a infraestrutura do país.

Como resultado da diminuição do uso de petróleo e carvão, a concentração de poluentes em cidades chinesas diminuiu significativamente, com os incentivos para a aquisição de carros elétricos e a adoção de ônibus elétricos no transporte público desempenhando um papel central nesse progresso. Além do impacto ambiental positivo, os carros elétricos tornaram o trânsito nas cidades mais silencioso, reduzindo a poluição sonora. O país também investe em fontes alternativas de energia, como solar e eólica, e no desenvolvimento de redes de transmissão e distribuição. Naturalmente, o desenvolvimento da infraestrutura do país teve um papel central para possibilitar esse avanço em direção a construção de cidades mais sustentáveis. Nos últimos anos, a China investiu na construção de uma vasta rede de rodovias, portos e ferrovias de alta velocidade com trem-bala, além de ter investido também na construção de aeroportos modernos e no sistema de transporte urbano, incluindo ônibus elétricos e metrôs.

Isso é resultado de uma política pautada nas ideias de conectividade e mobilidade, com foco no desenvolvimento sustentável. Ao observar pessoalmente o desenvolvimento chinês, a pergunta que me vem à mente é: O que aconteceu com o Brasil? Entre 1930 e 1980, o país tinha uma economia dinâmica e passava por transformações estruturais que o aproximavam do que a China é atualmente, enquanto a China enfrentava um contexto de instabilidade interna e pressões externas. Vale destacar que o primeiro carro elétrico da América Latina foi criado em 1969 por um brasileiro, que lançou o primeiro protótipo do Gurgel Itaipu, nome em homenagem a Usina Hidrelétrica de Itaipu, em 1979 na cidade de São Paulo, porém, com a reabertura das importações em 1990, a empresa não sobreviveu. Hoje, apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, o Brasil permanece estagnado em termos de desenvolvimento, sobretudo em infraestrutura. Isso é evidente pelo fato de que, apesar de sua extensão territorial, o país continua a depender de um modelo de transporte pouco diversificado e muitas cidades ainda carecem de sistemas de transporte público que incluam, além dos ônibus, uma rede de metrôs.

Comparando essas duas realidades, me parece que o Brasil continua preso em sua condição de eterno país do futuro, enquanto a China já está construindo e vivendo o futuro. Diante desse fato, acredito que, a despeito das questões ideológicas, o desenvolvimento chinês acelerado, no mínimo, deveria despertar certa curiosidade, nos motivando a buscar entender como é possível alcançar um nível tão alto de desenvolvimento, que tem impacto na melhoria das condições de vida da população, em um curto espaço de tempo. Talvez esse exercício possa nos ajudar a reencontrar o caminho para o futuro do qual parece que nos desviamos.

*Alice Castelani de Oliveira é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestra em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) e bacharel em Ciências do Estado pela UFMG. Hoje, é membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e integrante dos grupos: Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico (IBECAP), Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares; Global IR and Brazil BRaS; e Rede Interinstitucional de Pesquisa em Instituições Internacionais (RIPPERP). Contato: alicecastelani@gmail.com

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