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Uai! Marinha em Minas?

Um pouco da história da relação entre Minas Gerais e a Marinha do Brasil será conhecida neste artigo. São ligações históricas de Minas Gerais da Marinha com a Força Naval.

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23-08-2024 às 08h:57

Silvio Aderne Neto*

No dia 11 de dezembro de 2026, a Marinha do Brasil (MB) completará cem anos de presença oficial no Estado de Minas Gerais. Em 1926, o Decreto do então Presidente da República do Brasil, o mineiro de Viçosa, Arthur Bernardes, criou a Capitania dos Portos de Minas Gerais, na cidade de Pirapora, como um reconhecimento da importância econômica para o país do crescimento da navegação no Rio São Francisco.

Ao longo dos anos, essa Capitania teve diversas outras designações, mas atendendo a um antigo anseio da sociedade mineira, em 5 de dezembro de 2018, a MB criou, em Belo Horizonte, a Capitania Fluvial de Minas Gerais (CFMG). Subordinada ao Comando do 1° Distrito Naval, no Rio de Janeiro, essa Organização Militar (OM) passou a centralizar as ações da MB no Estado, tendo, a partir de 27 de agosto de 2019, uma Delegacia Fluvial subordinada em Pirapora e, a partir de 20 de janeiro de 2020, uma Delegacia Fluvial em Furnas, localizada no município de São José da Barra.

Apesar dessa crescente presença da MB no Estado e do grande interesse do povo mineiro pelas atividades náuticas, ainda é muito comum escutar, seja em Minas Gerais, seja fora das fronteiras do Estado, a seguinte pergunta: Se Minas Gerais não tem mar, qual a necessidade da Marinha existir no Estado? Este artigo se propõe, justamente, a tentar responder este questionamento, bem como trazer à baila fatos históricos, pouco divulgados, que reforçam essa “improvável” relação entre o montanhoso e mediterrâneo Estado de Minas Gerais, com seus mais de trezentos anos e a Marinha, mais antiga Força Armada do País.

Considerando que em 11 de dezembro de 2026 estaremos celebrando o centenário da presença oficial da Marinha em terras alterosas, vamos destacar neste artigo algumas das ligações históricas de Minas Gerais da Marinha com a Força Naval. Primeiramente cabe destacar que o processo de integração da região de Minas Gerais ao restante do Brasil, entre os séculos XVI e XVIII, exigiu dos seus primeiros desbravadores um misto de coragem, determinação, espírito de aventura, resiliência e desprendimento, que pode ser comparado aos princípios que nortearam a epopeia dos grandes descobrimentos marítimos portugueses.

Elencaremos alguns exemplos de contribuições dos filhos de Minas, alguns muito conhecidos, outros nem tanto, ao processo evolutivo da MB. Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira e Horta, foi uma figura de proa no Brasil do Primeiro Reinado e Regências. Mais conhecido como o Marquês de Barbacena, teve um papel decisivo e de grande importância por ocasião da formação da 1ª Esquadra da Armada Imperial brasileira, durante a Guerra de Independência do Brasil.

O Marquês de Barbacena nasceu em Mariana, em 1772. Sua experiência  profissional à sua aliada sólida amizade com o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada, seria vital para Caldeira Brant desempenhar, a partir de sua ida para Londres em 1821, um papel primordial na contratação de oficiais e praças europeus, na sua grande maioria do Reino Unido, para a formação da Esquadra da Armada Imperial do Brasil. Foi O Marquês de Barbacena quem sugeriu o nome do escocês Lord Thomas Cochrane para chefiar a 1a Esquadra do Brasil independente, mercê de suas qualidades como chefe naval, adquiridas nas Guerras Napoleônicas e no processo de independência do Chile.

Outro mineiro ilustre que teve sua história relacionada com a Marinha foi o político liberal deputado e senador do século XIX Theóphilo Benedito Ottoni. Nascido em 1807, o mineiro do Serro, Theóphilo Ottoni foi aluno da Escola Naval, na década de 1920, primeiro colocado da turma, antes de decidir abandonar a carreira para dedicar-se ao Jornalismo e, na sequência, dedicar-se à política. Republicano, liberal e abolicionista por convicção, Theóphilo Ottoni seria o principal artífice da Revolução Liberal de 1842, que culminou com a Batalha de Santa Luzia contra as forças do Império comandadas por Caxias em agosto daquele ano. Anos depois, em 1847, mostrando sua face visionária de empreendedor e desbravador, se embrenharia pelo então inóspito vale do rio Mucuri para criar, em 1851, a Companhia de Comércio e Navegação do Vale do Mucuri, primeira firma a emitir ações de Sociedade Anônima no País, cujo objetivo era explorar a região para organizar o transporte fluvial e terrestre, ligando o nordeste de MG ao litoral da Bahia, utilizando os vales dos rios Todos os Santos e Mucuri. Inspirado por seus ideais liberais decidiu, em sete de setembro de 1853, fundar a cidade de Filadélfia, que em 1878, alterou sua denominação para Teófilo Otoni, em homenagem ao seu fundador.

Em todo esse processo de colonização e desenvolvimento do vale do Mucuri, cumpre destacar que Theóphilo Ottoni contou com o imprescindível apoio de seu irmão mais novo, natural do Serro, nascido em 1811, o engenheiro formado na Marinha, onde seguiu carreira até ser reformado como Capitão-Tenente, Cristiano Benedito Otoni. Ele foi responsável por construir a primeira estrada carroçável do Brasil, com 170 km de extensão, em 1853, entre Santa Clara (atual Nanuque) e Filadélfia. Mais tarde seria cognominado “O pai das estradas de ferro do Brasil”

Também de grande importância para a Marinha no século XIX, o mineiro de Congonhas de Sabará, hoje Nova Lima, nascido em 1797, Joaquim Candido Soares de Meirelles, médico-cirurgião com doutorado pela Universidade de Paris, que seria, posteriormente, alçado, em 1968, à posição de Patrono do Corpo de Saúde da Marinha, pelo papel pioneiro que desenvolveu como médico da instituição entre 1849 e 1868. Hoje, Soares de Meirelles é o nome de um dos Navios de Assistência Hospitalar da Marinha na Amazônia. Destacou-se ainda como fundador da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e Patrono da Cadeira n° 1, da Academia Nacional de Medicina.                                     

Não podemos nos olvidar que a exploração do Rio São Francisco e seus afluentes, da cachoeira de Pirapora até a sua foz no Atlântico, marco na navegação fluvial do País no século XIX foi uma determinação pessoal do Imperador Pedro II. Os trabalhos de campo foram desenvolvidos entre 1850 e 1854 pelo engenheiro alemão, naturalizado brasileiro e mineiro, por opção e coração, Henrique Halfeld, o fundador de Juiz de Fora. O Atlas do São Francisco foi divulgado, publicamente, em 1858. O hercúleo trabalho de Halfeld inspirou, em 1867, o lendário diplomata, tradutor, escritor, aventureiro e, para alguns, espião britânico, Richard Burton, que realizou, em quatro meses, uma famosa expedição de canoa desde Sabará, no Rio das Velhas, à foz do São Francisco. Posteriormente, em 1878, o São Francisco voltaria ao foco do Imperador Pedro Il que determinou a criação de uma Comissão Hidráulica com a participação, dentre outros, do Engenheiro Teodoro Fernandes Sampaio, para ampliar as informações sobre a navegabilidade e potencialidades do Velho Chico, desta vez subindo o rio da sua foz no Atlântico até a cachoeira de Pirapora.                   

Quem poderia imaginar que, dentre todos os Estados da Federação, Minas Gerais só teria menos Ministros/Comandantes da Marinha do que Rio de Janeiro e Bahia? Sim, foram nove Ministros ao longo da história e se considerarmos que o português Antônio Paulino Limpo de Abreu, o Visconde de Abaeté, teve toda a sua trajetória política associada à então Província de Minas Gerais, da qual inclusive foi Presidente, em 1833, o número total chegaria a dez. Coube ao mineiro de Diamantina Bento Barroso Pereira, a honra de ser o primeiro nascido no Estado a ocupar o honroso cargo de Ministro da Marinha, mesmo que interinamente, em 1832, durante a Regência; mais tarde seria Senador por Pernambuco. Anos depois, em 1848, já no 2o Reinado, o advogado, magistrado e político Joaquim  Antão Fernandes Leão, nascido em Conselheiro Lafaiete, seria o segundo mineiro a ocupar o cargo.                                                                                                                      Entre dezembro de 1858 e agosto de 1859, o Visconde de Abaeté, magistrado, diplomata e político da mais alta estirpe ocupou a pasta da Marinha juntamente ao distinto cargo de Primeiro Ministro do Império.

Continuando no 2° Reinado, um mineiro ilustre se destacou como Ministro da Marinha: Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, nascido em 1836, em Ouro Preto. Ocupante do cargo entre agosto de 1866 e julho de 1868, período de intensa participação da Marinha na Guerra do Paraguai, foi o autor, em 1894, da seminal obra A Marinha de Outrora: subsídios para a história, que detalha, com preciosismo, a participação da Marinha na Guerra da Tríplice Aliança. Um grande legado do Visconde de Ouro Preto para a Marinha do Brasil foi a criação do Museu Naval, em 1868, durante a Guerra do Paraguai, com o intuito de preservar a memória da Marinha e como um testemunho de gratidão àqueles que serviram à pátria com dedicação e heroísmo.

Ainda no Império, também ocuparam os cargos de Ministro da Marinha: de 1872 a 1875, Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, fundador da cidade de Cristina, no Sul do Estado; e José Rodrigues de Lima Duarte, o Visconde de Lima Duarte, médico e político barbacenense, de 1880 a 1882.

Com uma passagem breve pelo cargo de Ministro da Marinha, em 1882, antes de assumir o cargo de Ministro da Guerra, Affonso Augusto Moreira Penna, Presidente da Província de Minas Gerais na transição da capital de Ouro Preto para Belo Horizonte, em 1897, desempenhou papel marcante na história da Marinha, no início do século XX (IHGMG, 2009). Em 1906, já como Presidente da República, o mineiro de Santa Bárbara, Affonso Penna referendou e autorizou a implementação do Programa Naval de 1906, Rumo ao Mar, proposto pelo então Ministro da Marinha Almirante Alexandrino Alencar, que encomendou ao estaleiro Armstrong, no Reino Unido, a construção dos encouraçados classe Dreadnought, Minas Gerais e São Paulo. À época do lançamento ao mar, eram as duas maiores belonaves de guerra do mundo, com um deslocamento de 19.280 toneladas, velocidade de 21 nós e um total de 42 canhões, sendo que doze de 305 mm (Alsina Júnior, 2015). Também durante seu governo, dotou as oficinas da ilha das Cobras, do Arsenal de Marinha, de máquinas modernas  para atender aos reparos navais e, em 1907, os primeiros cursos para Oficiais da Marinha Mercante no Brasil, a “Escola de Maquinista” e o “Curso de Náutica”, sob a responsabilidade da Marinha, foram consolidados, dando origem à Escola de Marinha Mercante no Pará, que foi a primeira escola de Marinha Mercante da América do Sul, chamada mesmo de “Escola de Sagres da Amazônia”.                                        

Quanto ao Encouraçado Minas Gerais, o Navio Capitânia da Esquadra em sua época, seria responsável por trazer para o Brasil, em 1910, a prática do escotismo, movimento em voga no Reino Unido e que foi introduzido no país pelo Suboficial Amélio Azevedo Marques, cujo filho havia participado de um grupo local de escoteiros, durante a estada do pai, a trabalho, em terras britânicas como componente do grupo de recebimento do navio. Fato muito interessante entrelaçando a Marinha ao Estado de Minas Gerais teve desdobramentos pitorescos inimagináveis com o passar dos anos. A chegada do Encouraçado Minas Gerais ao Brasil, em abril de 1910, pela sua grande repercussão, inspirou um compositor da época, o carioca Eduardo das Neves, a criar uma adaptação da canção napolitana “Viene sul mar”, muito popular na época, na voz do lendário tenor italiano Enrico Caruso.

Essa ode ao encouraçado, exaltando-o como A Majestade dos Mares, recebeu o nome de Oh Minas Gerais e rapidamente foi adotada pela tripulação como hino do navio. Anos depois, em 7 de setembro de 1922, em Belo Horizonte, por ocasião da posse do político mineiro Raul Soares de Moura, como Governador do Estado de Minas Gerais, após ter sido o primeiro civil nomeado para a pasta da Marinha, entre 1919-1920, uma representação do Encouraçado Minas Gerais desfilou cantando o hino e causando ótima repercussão entre os presentes. Anos mais tarde, em 1940, os compositores juiz-foranos José Duduca de Morais e Manoel Araújo fizeram as adaptações finais na canção criando a letra que se tornaria conhecida como o hino extraoficial do Estado, o Oh Minas Gerais que conhecemos hoje, originado de uma ode em homenagem ao Encouraçado Minas Gerais da MB.

Durante a gestão do Ministro da Marinha Raul Soares, no ano de 1920, foi enviado o Encouraçado São Paulo ao porto de Zeebrugge, na Bélgica, para transportar os monarcas belgas Rei Alberto e Rainha Elizabeth, que visitaram o Brasil a convite do Presidente Epitácio Pessoa. Durante essa visita, além do Rio de Janeiro, os monarcas belgas visitaram Minas Gerais e foram recebidos em Belo Horizonte pelo então Presidente do Estado de MG, Artur Bernardes, hospedando-se no Palácio da Liberdade. Foi a primeira visita de monarcas europeus ao Brasil e Belo Horizonte era apenas uma jovem cidade de 23 anos incompletos, a Noiva da República.

Ao retornar para a Bélgica, foram mais uma vez transportados pelo Encouraçado São Paulo, cujo Imediato era o Capitão de Corveta Jorge Dodsworth Martins, mineiro de Ponte Nova, futuro Vice-Almirante e Ministro da Marinha, cuja atuação abordaremos mais adiante. A viagem no São Paulo causou tamanha impressão aos convidados que presentearam a tripulação com uma moeda cunhada especialmente em agradecimento ao tratamento recebido a bordo, com a efígie dos monarcas de um lado e com o perfil do navio no outro. Ao retornar da comissão, o São Paulo trouxe para o Brasil os restos mortais de Pedro II e da família Imperial que estavam enterrados no exílio, marcando a reconciliação do Brasil com o seu passado e o legado imperial. A título de curiosidade, duas partes da caldeira do Encouraçado São Paulo se encontram, atualmente, expostas no Campus da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

O segundo mineiro e civil a ocupar o cargo de Ministro da Marinha, no período republicano, foi João Pedro da Veiga Miranda, natural de Campanha, região sul de Minas, político, ex Prefeito de Ribeirão Preto e deputado por São Paulo. Sua eficiente passagem pelo cargo foi imortalizada pela sua obra Quatorze meses na pasta da Marinha.

Em 1925, o Presidente Artur Bernardes, mineiro de Viçosa, por meio do Decreto n° 16.868, cria o embrião da Escola de Marinha Mercante do Rio de Janeiro, ao estabelecer em seu artigo 1º: “Os exames para Oficiais de Náutica e Maquinistas da Marinha Mercante Nacional que, pela legislação até agora em vigor, devem ser realizados na Escola Naval, serão prestados, de ora em diante, perante a Escola de Pilotos e Maquinistas da Marinha Mercante criada em virtude do disposto no art. 24 do Decreto 4.895, de 3 de dezembro de 1924, e de acordo com o disposto no respectivo regulamento”(MB, 2022, p. 2). Conforme mencionado na primeira parte deste artigo, em 11 de dezembro de 1926,  Artur Bernardes, resolveu criar uma Capitania dos Portos do Estado de Minas Gerais, localizada próxima às corredeiras do “Velho Chico”, sensibilizado com o crescente desenvolvimento da navegação e com o promissor comércio estimulado pelo transporte fluvial no rio São Francisco, em especial no município de Pirapora, descrito pelo imortal mineiro J. D. Vital como “a concha acústica onde Minas ouve as ondas do mar do Brasil”. Por sua vez, um dos principais escritores mineiros, Guimarães Rosa, em sua obra Campo Geral, nos brindou com a seguinte frase “[…] ser mandado para a Marinha, em Pirapora, onde davam escola de dureza para meninos apoquentados”, o que demonstra o impacto social e no imaginário local causado pela instalação de uma Capitania da Marinha em plena região dos sertões gerais de Minas Gerais.

Um legado indireto da Marinha para Minas Gerais foi a introdução das competições náuticas no Estado por Henrique Marques Lisboa, mineiro de Barbacena, neto do Patrono da Marinha, o Marquês de Tamandaré. Por razões de saúde fixou-se em Belo Horizonte, em 1911, no início do século XX. Membro da Academia Mineira de Medicina, patrono da cadeira n° 5. Fundou o primeiro clube sócio esportivo da capital, próximo à Avenida Mantiqueira, hoje Alfredo Balena, em frente à Faculdade de Medicina, onde descobriu uma nascente que canalizou para um enorme tanque, o que se tornou a primeira piscina de Belo Horizonte. Em Lagoa Santa, fez o primeiro Clube de Regatas de Minas Gerais, para onde ia aos domingos e nos feriados. Henrique Marques Lisboa era um entusiasta da natação, vela, remo, canoagem, e organizou, em Lagoa Santa, em 1930, a primeira competição náutica do Estado, antes da existência da represa da Pampulha. Hoje, o tradicional Minas Tênis Clube, fundado em 1935, é motivo de orgulho dos mineiros e eleva o nome do Estado nas competições de natação nacionais.

Nascido em Leopoldina, na zona da mata mineira, o jornalista, historiador e jurista Augusto de Lima Júnior, dentre outros feitos se notabilizaria por ser o responsável em convencer Getúlio Vargas a: repatriar os restos mortais dos inconfidentes, em 1936, da África para o Brasil; elevar Ouro Preto à categoria de Monumento Nacional; e a criar o Museu da Inconfidência em Ouro Preto. Foi também o idealizador da criação da Medalha da Inconfidência, maior comenda do Estado de MG. Legado menos conhecido, mas também muito importante, foi a sua atuação pioneira, entre 1935 e 1944, como Procurador da Marinha, junto ao Tribunal Marítimo, recém-criado em 1934.

Durante a Segunda Guerra Mundial, após comandar a Divisão de Cruzadores durante o conflito, mais um dos filhos de Minas alcançaria o degrau máximo na Marinha do Brasil. Nascido em Ponte Nova, o Almirante Jorge Dodsworth Martins foi o primeiro militar mineiro a alcançar o cargo de Ministro da Marinha, entre 1945 e 1946, na transição do governo ditatorial de Getúlio Vargas para o governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra. Exerceu também, em 1945, o cargo de Presidente do Tribunal Marítimo. Foi ainda presidente do Rotary Club do Rio de Janeiro, no biênio 1952-1953, e deu nome a uma das fragatas Classe Greenhalgh da Marinha adquiridas junto ao Reino Unido e que operou de 1996 a 2004.

Patrono do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN), Vice-Almirante Fuzileiro Naval Sylvio de Camargo, nascido em Santa Rita do Sapucaí, Sul de minas, em 1902, ingressou na Escola Naval em 1919 e chegou a Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, em 1945, sendo considerado o principal responsável por consolidar a vocação anfíbia do CFN brasileiro. Dentre outras realizações, destaca-se a construção do Centro de Instrução, na Ilha do Governador, que hoje leva seu nome e é considerada o ponto de inflexão na história do CFN, incorporando a formação em operações anfíbias no lugar do paradigma vigente das operações terrestres.

Nos anos cinquenta, outros dois ilustres mineiros deixariam sua marca na história da Marinha do Brasil: O Presidente da República Juscelino Kubitscheck, natural de Diamantina, com o aval de seu amigo e Ministro da Fazenda José Maria Alckmin, mineiro de Bocaiúva, autorizou, em 1956, a compra do primeiro Porta-aviões brasileiro, o Navio Aeródromo Ligeiro (NAEL) Minas Gerais, grande sonho da Marinha do Brasil. O Minas Gerais seria incorporado em 1960, como Navio-Capitânia da Esquadra e escreveria páginas marcantes da história naval e aeronaval brasileiras, até a sua mostra de desarmamento, no final de 2001. Destacaram-se nesse ano, os inesquecíveis primeiros pousos e decolagens de aeronaves AF-1 Skyhawk, do 1 Esquadrão de Interceptação e Ataque (VF-1), pilotadas por pilotos aeronavais brasileiros, dentre os quais realçamos o mineiro de Belo Horizonte, Vice-Almirante José Vicente de Alvarenga Filho.

Uma contribuição pouco conhecida da MB e de suma importância para o Estado ocorreu entre 1964 e 1965, por ocasião da construção das Usinas Hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira pelas Centrais Elétricas de Urubupungá (CELUSA), atualmente Centrais Hidrelétricas de São Paulo (CHESP). Devido às inundações decorrentes das construções das represas fez-se necessária a realização de um levantamento geodésico que, por sua especificidade de levar em conta a curvatura da Terra, foi solicitado apoio à MB, por meio da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN).  O trabalho hercúleo foi realizado em cerca de uma ano, por uma equipe de três oficiais, os então Capitão-Tenente Paschoa e Primeiros-Tenentes Umberto Rossi e Leal Azevedo, para criar a poligonal que gerou uma rede de coordenadas cobrindo toda a área, com marcos acima da cota de coroamento – para sobreviver à inundação e estabeleceu vértices nos Estados de MG, São Paulo (SP), Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul (MS) e Goiás (GO).

Nascido no Rio de Janeiro, em 1927, mas muito ligado afetivamente a Minas Gerais, por raízes familiares e culturais, o Almirante Honorário Max Justo Guedes, escolheu São João Del Rey como a sua morada final, onde faleceu em  5 de novembro de 2011. Intelectual de destaque internacional é considerado um dos maiores especialistas da Cartografia Luso-Brasileira. Atuou como Vice-Diretor e Diretor então Serviço de Documentação Geral da Marinha (SDGM), atual Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM), durante cerca de trinta e cinco anos. Sua contribuição para o desenvolvimento da mentalidade marítima da sociedade brasileira é inegável. Dentre suas obras, destaca-se a criação, organização e edição da coleção História Naval Brasileira, publicada desde 1975 pelo antigo SDGM. Os seus fortes laços com Minas Gerais o levaram a doar, em 2009, para a Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ) a propriedade denominada Fortim dos Emboabas, onde a UFSJ desenvolve atividades de extensão universitária. Por todo o seu legado, o Contra-Almirante (Honorário) Max Justo Guedes foi instituído como Patrono da Cultura da Marinha e a data de seu nascimento, 6 de agosto, estabelecida como o Dia da Cultura da Marinha do Brasil.                                         

No período de 2008 a 2015, o Almirante de Esquadra Júlio Soares de Moura Neto, nascido no Rio de Janeiro, mas com raízes familiares em Ubá/MG e sobrinho-neto do Ex Ministro da Marinha Raul Soares ocupou o cargo de Comandante da Marinha em um profícuo período que será sempre lembrado pelo início do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), em 2008, ano de assinatura do acordo de transferência de tecnologia entre Brasil e França. O programa viabilizará a produção de quatro submarinos convencionais, que se somarão à frota de submarinos já existentes. Culminará na fabricação do primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear. Além dos cinco submarinos, o PROSUB contempla a construção de um complexo de infraestrutura industrial e de apoio à operação dos submarinos, que engloba os estaleiros, a Base Naval e a Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), no Município de Itaguaí.

Mais recentemente, após brilhantes carreiras no âmbito da MB, dois Almirantes de Esquadra mineiros, o Almirante Leonardo Puntel, de Belo Horizonte e o Almirante Cláudio Portugal de Viveiros, de Varginha, foram indicados, respectivamente, em 2020 e 2021, para os distintos cargos de Ministros do Superior Tribunal Militar.

O início de utilização da área da represa de Furnas, conhecida como o Mar de Minas, para a realização de exercícios militares regulares da Força de Fuzileiros Navais, a partir de 2020, vem, cada vez mais, proporcionando segurança e estimulando o progresso da região. Em 2021, foi inaugurada a Base Expedicionária da Marinha em São José da Barra, no antes desativado aeródromo de Furnas, um marco nesse processo. Em maio de 2023, foi realizado na região o maior exercício militar da história do Estado, com a participação de mil e trezentos militares, a Operação Furnas I.                                  

Outro ponto a ser salientado na interação da Marinha com o Estado de Minas Gerais são as operações que são consideradas modelo de cooperação no ambiente aquático, com os demais órgãos de segurança pública estaduais, federais e municipais, nos lagos e represas do Estado, sob a coordenação da Secretaria de Justiça e Segurança Pública de MG. As Operações Mar de Minas, em Furnas, Salamina, na represa de Miranda em Uberlândia e Abrolhos, na represa de Várzea das Flores, em Contagem e Betim, são exemplos vividos e reconhecidos de cooperação entre os diversos entes de segurança do Estado e causam um impacto muito positivo para a população local.

Dessa forma, chegamos ao fim desta breve resenha histórica na qual procuramos sintetizar diversas informações que mostram como o Estado de Minas Gerais, em especial por meio de seus filhos ilustres, tem contribuído para o engrandecimento da Marinha do Brasil, ao mesmo tempo que a instituição Marinha, por sua vez, vem, cada vez mais, atuando em prol da segurança da navegação, da salvaguarda da vida humana nos rios, lagos e represas, da prevenção da poluição hídrica e cooperando para o desenvolvimento e progresso do Estado.

O presente artigo salientou os laços históricos, que demonstram a importância da inter-relação sinérgica de Minas Gerais com a Marinha do Brasil, com múltiplos benefícios para ambas as partes. Dessa forma, esperamos ter chamado a atenção de todos para a importância da valorização da comemoração dessa efeméride de cem anos de presença oficial da Marinha do Brasil em Minas Gerais que se aproxima. Não podemos deixar de mencionar a paixão pelo mar e pelas águas e esportes náuticos que caracteriza o povo mineiro, levando-o a sonhar com uma Marinha cada vez mais presente e atuante no Estado.

*Silvio Aderne Neto é Capitão de Mar e Guerra (RM1-FN), assessor de Relações Institucionais da Marinha em MG, Cadeira N° 83, “Henrique Guilherme Fernando Halfeld”, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

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