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Triste retrato de um tempo

Triste retrato de um tempo

É claro que não me estenderei aqui nem em elucubrações de cunho psicológico nem de teor sociológico, haja vista não ser eu especialista em nada disso, como de resto em coisa alguma.

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29-07-2024 às 09h:29

Henrique German*

A semana passada trouxe uma notícia banal talvez, por certo indigna de maior nota ou de qualquer coisa pouco mais importante que a mera fofoca bizarra; a mim, porém, chamou bastante a atenção e fez-me refletir pesaroso, a partir do grotesco da situação, sobre o tempo em que ora nos cabe viver.

Antes do mais, convém obviamente apresentar, condensadamente, o tal fato alardeado como de interesse jornalístico: um casal que, separado havia poucos meses, após um relacionamento amoroso de década e meia, tentando a reconciliação em um motel da região metropolitana de Belo Horizonte, terminou por destruir o quarto que ocupava, em renovada e feroz desinteligência, depois de ambos consumirem drogas e álcool em excesso. A mulher, ao que parece, teria recusado o sexo esperado pelo homem, acendendo desse modo o estopim do entrevero entre os amantes. Em suma, essa a estória.

É claro que não me estenderei aqui nem em elucubrações de cunho psicológico nem de teor sociológico, haja vista não ser eu especialista em nada disso, como de resto em coisa alguma. Apenas desejo dividir com os amigos leitores a impressão que colhi do lamentável episódio, deixando-a publicada tão somente com o fito de suscitar, ainda que muito modestamente, alguma reflexão a respeito.

Muito embora aparentemente louvável o móvel inicial da tentativa do casal em questão, ou seja, a reconciliação amorosa por meio de um encontro romântico, logo vemos que optaram pelos piores caminhos para alcançarem o fim que miravam. Ora, quem, sendo civilizado e em sã consciência, concebe que uma reunião regada a álcool e a drogas possa chegar a bom termo?

Quem, com pureza de intenções e em busca do fim sublime do genuíno encontro de almas que se querem bem, procurará excitar quimicamente os mais baixos apetites com a finalidade de tornar a relação sexual mais “interessante” ou mais “intensa”?

Ao que tudo indica, o que se queria naquele quarto de motel não era o reencontro sério de pessoas que se amavam e, consequentemente, respeitavam-se; pretendia-se, muito ao contrário, a mera satisfação de prazeres vis e artificiais, da maneira mais egoísta possível. Tanto isso é verdadeiro que, ao primeiro sinal de obstáculo ao sexo imaginado para a oportunidade, o casal não hesitou em agredir-se nem em destruir o patrimônio de terceiros inocentes, demonstrando a completa desumanização do próprio comportamento. Nenhum carinho mútuo, nenhum cuidado, nada de doçura, respeito algum, dignidade ausente, nada de amor enfim.

Hoje, vige a cultura pobre dos prazeres cegos, resumidos ao gozo de sensações corporais agradáveis e de imediata fruição, como os animais; nós humanos, porém, precisamos estar sempre e necessariamente acima e além disso, sob pena de nos fazermos menores que realmente somos.

Só me resta augurar ao casal envolvido e a todos os demais, o aprimoramento constante da inteligência e o domínio eficaz da vontade.

*Promotor de justiça aposentado e autor de mais de duas dezenas de livros de literatura. Ele é candidato a uma vaga na Academia Mineira de Letras (AML)

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