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Sobragy ganha ponte nova

Sobragy ganha ponte nova

Dentre as diversas inaugurações efetuadas nos últimos minutos do segundo tempo, está a ponte que faz a travessia do Rio Paraibuna, substituindo a centenária ponte de ferro

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08-07-2024 às 09h:34

Sérgio Augusto Vicente, de Juiz de Fora

A última semana foi repleta de eventos em vários municípios brasileiros. Diversas inaugurações foram deixadas para a primeira semana de julho, refletindo a estratégia política dos prefeitos, de enaltecer as realizações de seus mandatos em datas mais próximas possíveis do fechamento do prazo legal determinado pela justiça eleitoral.

Nos municípios mineiros de Belmiro Braga e Simão Pereira, não foi diferente. Dentre as diversas inaugurações efetuadas nos últimos minutos do segundo tempo, está a ponte que faz a travessia do Rio Paraibuna, substituindo a centenária ponte de ferro que desmoronou em agosto de 2020, por abandono e descuido de gestões anteriores.

A solenidade de inauguração, realizada a partir das 16h do dia 4 de julho, ao lado da antiga Estação Ferroviária de Sobragy, reuniu as autoridades do executivo e do legislativo de ambos os municípios. Também estiveram presentes representantes do legislativo estadual. Abriu a sessão de pronunciamentos o historiador que “vos escreve”, autor de uma carta de agradecimentos e de solicitações aos representantes reunidos no palco do evento. A carta, que está publicada ao final dessa matéria, destaca a importância do movimento “Queremos nossa Ponte”, que envidou inúmeros esforços no sentido de cobrar do poder público uma solução para a falta de ponte e seus consequentes transtornos provocados às comunidades ao longo dos últimos quatro anos.

O texto do documento é um aplauso ao restabelecimento do direito de ir e vir e, ao mesmo tempo, uma tentativa de lembrar a todos a importância de se mobilizar em defesa dos direitos fundamentais ao exercício da democracia e da cidadania. A carta não deixa de ser também um lamento acerca da violação do direito à memória, uma vez que a centenária ponte, inaugurada em 1907, foi completamente destruída pelo abandono de sucessivas administrações passadas. Nesse sentido, o teor de seu texto chama a atenção dos políticos presentes para a necessidade de se cuidar e zelar pelo patrimônio histórico de ambos os municípios, a fim de que a tragédia anunciada que se abateu sobre a memorável ponte não se suceda com os monumentos que ainda resistem às intempéries e aguardam intervenções.

A nova ponte cumpre o seu papel logístico: atravessa pedestres, ciclistas, motociclistas, charretes, carroças e veículos automotores.  Esteticamente, porém, é desprovida de elementos que dialoguem, harmonizem e valorizem o entorno paisagístico e sua beleza. O pragmatismo venceu a arte.

Em que pesem tais ressalvas, a inauguração da nova ponte não deixou de ser emocionante. Dezenas de famílias se reencontraram em cima de sua sólida estrutura de concreto, reatando os laços violentamente rompidos com a queda da centenária estrutura.

Regada a água benta do pároco local e entoada por uma banda de música de Piau (MG), a nova estrutura foi inaugurada nos moldes tradicionais do provincianismo local. Hábito que ainda agrada bastante os moradores.

A recepção da carta mencionada acima foi respeitosa. O prefeito de Simão Pereira, popularmente conhecido como Chiclete, afirmou que uma série de ações estão sendo tomadas para salvaguardar o patrimônio histórico, a exemplo da estação do distrito de Souza Aguiar, há pouco revitalizada por sua gestão. Declarou, ainda, que a estação ferroviária de Cotegipe - onde o poeta Belmiro Braga (1870-1937) enviava cartas para Machado de Assis - terá sua reforma iniciada ainda nesse ano de 2024.   Quanto à estação ferroviária de Sobragy, que se encontra em condições muito precárias, ainda não há muita assertividade sobre o seu futuro, pois depende da resolução de trâmites burocráticos junto à empresa MRS, para que medidas de preservação e revitalização sejam tomadas. A preocupação de todos, no entanto, é que tudo se resolva o mais rápido possível, antes que uma tragédia irreversível aconteça com essa edificação histórica tão querida por todos.

Em seu discurso, o prefeito de Simão Pereira falou em união entre as duas prefeituras para preservar o patrimônio histórico da região e incentivar o turismo - iniciativa fundamental para aquecer o comércio local e sua cadeia produtiva, tão abalada durante o período de ausência da ponte que interliga os dois municípios.

Também foram solicitados na carta a manutenção contínua da Estrada de Sobragy e o restabelecimento da linha de ônibus que fazia a "ponte" entre os cidadãos de ambos os municípios. Desde 2003, esse serviço está suspenso por razões técnicas: a incapacidade de a centenária ponte suportar o peso de ônibus e caminhões. Agora, com a nova e robusta estrutura, acredita-se que não haja justificativa técnica para o ônibus não voltar a percorrer esse trajeto. Um dos vereadores de Simão Pereira, após tomar ciência da referida carta, endossou a reivindicação em seu discurso proferido em cima do palco e prometeu se esforçar para atender a essa demanda popular.

Segue a carta na íntegra: "Distrito de Sobragy – Belmiro Braga – Minas Gerais, 4 de julho de 2024.

Boa tarde a todas as autoridades aqui presentes! Boa tarde aos representantes das comunidades dos municípios de Simão Pereira, Belmiro Braga e seus respectivos distritos. Boa tarde aos homens, mulheres e crianças do campo, aos funcionários públicos, comerciantes e trabalhadores em geral!

Aos que não me conhecem, meu nome é Sérgio Augusto Vicente. Estou aqui na condição de cidadão, representando o movimento "Queremos nossa Ponte", que lutou incansavelmente ao longo dos últimos anos, cobrando das autoridades competentes a concretização dessa conquista que ora celebramos. Sou historiador, pesquisador, escritor e professor de História. Mas sou, acima de tudo, filho dessa terra que me abraçou desde a minha concepção no útero materno. Sou filho do Sr. Antônio e da D. Nair, dois bravos agricultores que, além de sustentarem com o suor do trabalho na terra uma prole de 6 filhos, manteve em nossa família e em nossa região o legado da agricultura familiar, em um sítio que, há 114 anos, foi adquirido por nossos ancestrais.

Situado na região tradicionalmente conhecida como Buraco Fundo, à margem da estrada que interliga os municípios de Simão Pereira e Belmiro Braga, nossa família sempre se serviu dos serviços médicos, escolares, religiosos e culturais de ambas as localidades. Portanto, não é novidade dizer que a travessia sobre as águas do Paraibuna sempre nos foi uma imperiosa necessidade. Os nascidos antes de 2020 jamais conceberam essa travessia sem a antiga Ponte que aqui estava e, em agosto de 2020, acabou sucumbindo às ações do homem e do tempo.

Depois de quase quatro anos de espera, de muitos transtornos, de dispendiosas viagens por caminhos mais longos e de isolamentos decorrentes da suspensão do direito de ir e vir, estamos aqui inaugurando a nova ponte, que possibilitará a continuidade das histórias que as atuais e futuras gerações continuarão construindo no trânsito, na caminhada, nas idas e vindas entre os dois municípios.

Felizes estamos de ver as autoridades políticas de Simão Pereira e Belmiro Braga somando esforços para que os laços políticos, econômicos, culturais e afetivos de suas comunidades não se perdessem, após longos anos de história e memória coletivamente construídas e compartilhadas. Indubitavelmente, garantir o acesso é um direito e um pressuposto básico para o exercício da cidadania. Afinal, é através do acesso que se possibilita o caminho para a busca de outros direitos que nos são muito caros. Um deles é o direito à cultura, à história e à memória, infelizmente desfalcado com a queda de nossa centenária ponte de ferro, destruída por completo.

Acreditamos que a queda da ponte, em que pesem os impactos negativos da tragédia, foi um marco histórico importante para que as cinzas do abandono e do descuido fossem assopradas, reavivando a brasa que alimenta a chama da esperança e do porvir. Entretanto, como não existe futuro sem presente e passado, gostaríamos de fazer um apelo às duas prefeituras e às duas câmaras de vereadores e ao próprio governo do Estado para que mobilizem cada vez mais esforços em prol da preservação do conjunto de nosso patrimônio histórico, artístico e cultural, material e imaterial, a fim de que não se permita que lhe aconteça a mesma lamentável tragédia ocorrida com a nossa memorável ponte, inaugurada em 24 de dezembro de 1907, na administração do Sr. Duarte de Abreu e com o incentivo político do então senador Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

Miremos em ações como a exitosa restauração da estação de Souza Aguiar, a pouco finalizada pela prefeitura de Simão Pereira. Inspiramo-nos no primeiro passo dado pela prefeitura de Belmiro Braga, no sentido de institucionalizar a "Casa de Cultura de Belmiro Braga". Que estas iniciativas nos sirvam como molas propulsoras com efeitos multiplicadores, para que outros monumentos históricos, como as estações de Cotegipe e de Sobragy, sejam também revitalizadas, assim como todo o complexo cultural que nossos antepassados nos legaram, servindo de ponte para o turismo local e para a solidificação das memórias e valores que nos tornam uma "comum unidade".

Também solicitamos o restabelecimento da circulação de ônibus interligando os dois municípios. Se, antes, a precariedade da estrutura da antiga ponte era uma justificativa técnica para que nos fosse suspenso esse direito básico, agora, com a inauguração dessa robusta e sólida estrutura, acreditamos que bastará apenas um pouco mais de empenho para que essa conquista seja viabilizada. Para tanto, como sabemos, é preciso que a estrada a que essa ponte serve receba o permanente cuidado e manutenção de que necessita para o seu pleno funcionamento, fazendo valer e justificar os investimentos e os esforços empreendidos na construção dessa robusta e importante edificação que agora inauguramos.

Certos de que essa nova ponte nos levará a caminhar para o futuro em sólidas bases do presente e do passado, ratificamos nossa manifestação de súplica para que nosso patrimônio histórico, artístico e cultural receba o zelo que merece. Feliz é o povo cujas tradições não precisam ser arruinadas para se edificar o novo. Afinal, que serventia e importância teriam essa ponte sem a segurança de seus sólidos pilares? Mais do que de ferro, pedra e concreto, estes são feitos de gente, de amor, de vida, das trajetórias de cada um de nós. Se assim não fosse, aqui não estaríamos para celebrar esse momento, que, por sinal, também se tornará histórico, se bem cumprirmos o dever de zelar por nossas pegadas na terra. Que tenhamos bons motivos para as futuras gerações se orgulharem e se espelharem, como nos orgulhamos daqueles que, em 1907, possibilitaram, por mais de cem anos, as nossas travessias.

Valeu a pena todo o esforço? Valeu, vale e sempre valerá. Afinal, como nos disse o poeta português Fernando Pessoa, "[...] Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena.//Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor./Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu."  

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  2 comentários

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Comentário

Que maravilha terem finalmente concluído a ponte, fico muito feliz pelos moradores da região. Que segundo o lonnnnngo texto, quase do tamanho da ponte...é um povo provinciano, graças à Deus!

O historiador Sérgio Vicente tem nos "brindado" com excelentes textos. Lúcidos e esclarecedores, muitas vezes poéticos, seus textos tem sido um alento em meio à triste realidade cultural que vivemos nos dias de hoje, notadamente nas pequenas cidades. Muito obrigado ao autor e ao "Diário" !

 

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