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Sanções punitivas e premiais, nova modelagem premial em ação

Sanções punitivas e premiais, nova modelagem premial em ação

“O programa pé-de-meia, a poupança do ensino médio”, uma iniciativa pública promotora de boas práticas, tem a finalidade de conceder incentivo financeiro-educacional

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30-06-2024 às 11h:11

Daniela Rodrigues Machado Vilela*

A vida é repleta de dualidades. No plano das sanções, existem as negativas e as premiais, as primeiras pressupõem como resultado uma pena e as segundas, um incentivo.

A sanção é vista enquanto o resultado de uma ação.

As sanções são utilizadas para responsabilizar o agente pela prática de um determinado ato. O mais assertivo seria premiar as boas condutas e punir as más, com preponderância da premiação e do incentivo sobre a aplicação das penalidades, pois o que em maior medida ambiciona o Estado é alavancar os comportamentos que almeja fomentar.

Não obstante, punir o mau comportamento também tem sua utilidade prática. Nas sociedades se têm valores sociais, humanos, culturais e éticos que se pretende proteger.

Já o uso das sanções positivas, ou melhor dizendo, do Direito Premial, pode estimular que certas condutas se externalizem socialmente com mais preponderância.

Sanções servem para orientar o comportamento humano, prestam-se ora para punir e ora para premiar. As leis existem para normatizar, regular condutas. São comandos legais projetados para aperfeiçoar o convívio. Se assim não for, deveria ser, pois as regulamentações de uma maneira geral servem para conduzir as ações dos indivíduos em sociedade rumo a obtenção do comportamento perquirido.

A sanção premial tem objetivo preventivo, já a sanção punitiva tem finalidade repressora. A primeira tem o fito de incentivar que uma determinada ação aconteça e para tanto o cumprimento da norma propõe a percepção de uma premiação, que serve para incentivar a prática da conduta.

Já a sanção penal tem acoplada a si, uma penalização. Se o agente descumpre a lei lhe é aplicada uma pena com a função de que pague pelo mal cometido. Percebe-se, no entanto, que o sistema punitivo tem demonstrado uma certa incapacidade e até falência na sua pretensão de ressocializar os agentes.

A despeito das críticas ao sistema punitivo, sabe-se que nunca se fez possível superá-lo por completo na história humana, pois sempre se fez necessário punir em alguma medida os atos em desacordo com a lei.

Para além da discussão sobre os efeitos da pena, é possível se duplicar a função da sanção concedendo-lhe uma utilidade não apenas punitiva, mas também premial, e é desta última que se destaca a importância já que esta busca multiplicar comportamentos desejados.

Para o autor Hans Kelsen, em sua obra “Teoria Pura do Direito” o conceito de sanção é ampliado para que este comporte tanto a castigo, a pena, como a premiação e as recompensas. Não obstante a existência das sanções negativas, existem as positivas.

Historicamente, porém, muito pouco se discute sobre esta última modalidade. Neste artigo, se optou por nomear as sanções positivas enquanto normas premiais. A ideia em síntese por trás destas terminologias é equivalente, premiar para alcançar o comportamento almejado.

Pode ser discutido de modo diverso acerca do conceito e dos desdobramentos da aplicação das sanções. Sobre as punitivas que são amplamente utilizadas e que não demonstram em muitas circunstâncias a eficácia desejada já se estabelece rotineiramente amplo debate. Já, sobre as premiais há uma carência de discussão e de externalização de suas modelagens.

Certo é, que na história humana não se tem notícia de sociedade que tenha prescindido totalmente dos modos punitivos, estes sempre existiram em alguma medida, mas a questão que se coloca é: e as sanções positivas por que não são mais utilizadas?

As sanções positivas, ou o direito premial, referem-se à utilização das recompensas enquanto forma de se fomentar determinadas condutas em detrimento de outras.

As recompensas quando bem utilizadas alavancam certos comportamentos que se ambiciona que sejam externalizados socialmente. O autor Hans Kelsen chega a discutir na obra citada que a verdadeira premiação deve ser alcançada de modo desinteressado, que é digno de honra, de orgulho, apenas quando o agente pratica a ação independente desta lhe beneficiar, ou seja, que a conduta deve ser realizada de modo desinteressado para que   praticante desta faça jus à premiação.

Assim, só mereceria o prêmio quem não desejou seu recebimento. Porém, chegar ao ponto de avaliar a intenção do agente quando da prática de um ato parece ser um certo exagero, pois adentra no campo da subjetividade, sendo certo que é sempre complexo investigar o âmago das condutas. Demonstra-se enquanto mais assertivo e interessante observar o resultado, as consequências das ações, pois de certo modo é pouco crível adentrar na psique do agente e saber qual era a sua intenção.

Interessa ao Direito o que acontece de fato, no mundo das ideias o homem detém ampla liberdade, interessa ao Estado as consequências das ações humanas, o que se consuma. O Direito tem seu campo de atuação na ação.

Denomina-se sanção positiva quando são aplicadas medidas incentivadoras e estas ensejam uma premiação, mas a utilização de “sanção positiva” é dúbia e controvertida, pois o termo “sancionar” carrega uma conotação negativa.

Sobre a aplicação de prêmios, estes funcionam enquanto estímulos, ou seja, um reforço positivo promove o impulso necessário para que a ação desejada se dê.

Se a sanção punitiva intimida o mal, a sanção premial incentiva o bem. A pena serve para atuar na psique do agente e lhe desestimular a prática de condutas indesejadas e a sanção positiva, premial, serve para direcionar as condutas que se almejam ver externalizadas com maior frequência.

Um instrumental jurídico de cunho moderno não apenas puniria, mas premiaria também. A adesão voluntária à lei é sempre parcial. Desta feita, incentivos e penas funcionam como alavancas para conduzir a ação social.

A concessão de premiações, vantagens, pode reverberar em um amplo modo coletivo de ações em conformidade com o que se espera, de bem agir.

Normativas premiais encorajam, ao passo que, normas penais punem condutas deletérias. Pena é martírio que deve desmotivar atos. Por outro ângulo, o prêmio é fonte de contentamento que deve encorajar uma conduta para que se externalize. Punir o ilícito é um freio social, já premiar o desejável é um gatilho para multiplicar ações.

A pena punitiva protege o cidadão e busca dissuadir condutas em desacordo com a norma. Sanções premiais induzem, incentivam, buscam encorajar a prática de determinados atos.

A pena punitiva busca reeducar o agente. Olhando para o passado, pune fatos pretéritos em desacordo com normas jurídicas.

De outro lado, a sanção positiva tem o olhar voltado para o futuro. A função promocional do Direito procura estimular determinadas condutas e, assim, promover o bom, o útil, o adequado, entusiasmar o agente.

No entanto, no tempo presente, mais que outrora, o que realmente se persegue são teorias que sirvam a práxis. Interessam não apenas teorizações, mas efetivo modo de transformação social.

No sentido de exemplificação de uma modelagem premial, o programa “Pé-de-Meia: a poupança do ensino médio”, refere-se a uma iniciativa governamental, um mecanismo público que tem a finalidade de conceder incentivo financeiro-educacional, do tipo poupança para os estudantes. O objetivo é manter alunos na escola comprometidos com o projeto pedagógico proposto. Em contrapartida, lhes será ofertado a título de incentivo uma poupança. Para fazer jus ao benefício da poupança os alunos devem se manter matriculados no Ensino Médio da rede pública, terem a frequência estipulada e serem aprovados.

Noticiou o Governo Federal que o objetivo desta iniciativa é criar mecanismo de redução das desigualdades entre os jovens que compõem os quadros das escolas privadas e das públicas de modo a conceder a estes últimos a possibilidade real de inserção social no mercado de trabalho, após a formatura, pois estes contarão com um pequeno aporte financeiro, para investir em algo que lhes parecer interessante e rentável.

Este incentivo de natureza pública, permitirá aos estudantes, após a formatura, se conseguirem poupar, obter um certo valor em dinheiro para dar continuidade nos estudos ou ainda destinar para algum projeto.

Desta feita, este projeto governamental, de incentivo à conclusão do Ensino Médio dos estudantes da rede pública de ensino, tem como meta a inclusão social e o estímulo à educação.

Este programa propõe o pagamento de R$ 200,00 (duzentos reais) mensais, que podem ser sacados a qualquer momento e de mais uma quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais) ao final de cada ano de conclusão de uma série do ensino médio. De modo que, aquele aluno que conseguir deixar estes valores na instituição bancária, conseguirá ao final dos 3 (três) anos do ensino médio, uma poupança no valor de R$ 9.200,00 (nove mil e duzentos reais). Este valor aportado ao final, pode ser sacado acrescido dos juros bancários e, neste caso de poupar os valores, poderá o estudante beneficiado investi-los como lhe aprouver.

O programa governamental citado trata-se de um instrumental de incentivo à educação, que tem o propósito de garantir o recebimento de uma recompensa ao estudante, tem caráter motivador, ao propor a aplicação de incentivos pecuniários, que subsidiam boas práticas através da adoção de políticas públicas de fomento.

Apresenta-se este programa, enquanto iniciativa impulsionadora de comportamentos positivos. Aplica-se neste caso um reforço premial para se obter uma resposta almejada.

Este seria o exemplo de um típico programa de estímulo premial, positivo, fomentador de boas práticas sociais, que favorece boas iniciativas tanto por parte do ente público como da sociedade. Trata-se de investimento em educação com a finalidade de possibilitar mobilidade social e oportunidade de vida para os jovens. Apresenta-se enquanto uma iniciativa positiva de caráter premiativo, uma prática premial.

Trata-se de política pública de investimento em educação. É um exemplo típico de programa premial, instrumental para fomento de boas práticas, que pode inclusive refletir em menor gasto de recursos com sanções punitivas. Já que, investir em educação resulta em menores índices de criminalidade, uma vez que melhores oportunidades de vida afasta os indivíduos dos comportamentos delituosos.

Um Estado responsável que tenha enquanto meta promover desenvolvimento humano de modo sustentável, realizando os anseios constitucionais de promoção à educação, à cultura, à saúde e ao bem-estar amplo dos indivíduos deve estimular os cidadãos por meio de incentivos a praticar condutas perquiridas.

O convencimento pela linguagem humana está sempre em disputa, os argumentos e a forma de transmitir a mensagem são mecanismos primordiais para tratar do tema da premiação. Nunca é tarefa fácil falar da concessão de prêmios e incentivos, afinal, algumas pessoas resistem à ideia de aplicação dos mecanismos positivos, pois aventa-se que o bom comportamento é uma obrigação do indivíduo e que premiar seria algo desnecessário. Mas, sabe-se que existem muitos comportamentos que poderiam ser estimulados para que sejam externalizados com maior frequência.

Também se sabe que os seres humanos agem motivados pelo auto interesse e não parece ser absurdo fomentar boas práticas com a aplicação de uma promessa de recompensa.

Por que não se incentivar boas condutas com o recebimento de premiações, qual a inadequabilidade disto? As premiações, porém, devem se atentar para a proporcionalidade, pela eficiência, aplicação ética e adequada dos recursos públicos no manejo dos incentivos concedidos.

Temas complexos como este, nunca se esgotam, pois sempre haverá oportunidade de se projetar novas ideias. Há incompletude e provisoriedade e este assunto se desponta desafiador.

Termina-se este texto com a certeza da incompletude, a autora do presente artigo dedica-se há mais de uma década ao estudo do Direito Premial e sua exemplificação de modelagens. A incompletude é um desafio, em outro momento será necessário retomar o tema para lhe propiciar novos contornos, continuidade.

Em todo o tempo o homem é desafiado para propor “novas” respostas, tudo se redesenha, se modifica e desafia formas renovadas de compreensão e enfrentamento da realidade.

Assim, as proposições apresentadas se colocam diante do olhar de seus leitores, sabendo-se de antemão que não há texto acabado, nem ideias prontas, sempre se carece de maior aperfeiçoamento e debate. Mas premiar é sim positivo e pode propiciar o descortinar de uma sociedade cumpridora de suas obrigações e, portanto, mais comprometida com modos de bem agir amplos. Que o futuro se permita como crescentemente premiativo.

*Doutora, Mestra e Especialista pela UFMG. Atualmente realiza Residência Pós-Doutoral pelo PPGD-UFMG (Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG), com financiamento público da Fapemig ((Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais). Também atua enquanto professora convidada no PPGD-UFMG. Pesquisadora com ênfase em Direito do Trabalho, Filosofia do Direito e Linguagem. Estudiosa e entusiasta do tema do Direito Premial, especialmente, do Direito Premial Trabalhista, com diversas publicações sobre a temática. E-mail para contato: drmachado25@yahoo.com.br

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