
A insônia recairá sobre os que forem chamados a informar como se conseguiu obter certas somas CRÉDITOS: Divulgação
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Toda norma jurídica possui dois elementos, o comando e a sanção, prevendo-se a conduta desejada e a sanção para o caso de descumprimento.
15-01-2025 às 09h17
Rogério Reis Devisate*
Robin Hood era nobre e lutava contra os abusos cometidos pelo governo contra os pobres. O personagem surgiu há quase 700 anos, em linhas poéticas contidas em Piers Plowman, de William Langland.
O tema satiriza a sociedade medieval, representando virtudes e defeitos de pessoas e grupos sociais e critica o contexto, retratando como o povo era explorado pelos governantes.
A história original ganhou derivações e versões em filmes e desenhos animados.
A visão mais popularizada é a do herói que luta contra a tirania dos governos e as exageradas e insensíveis cobranças de altos impostos.
Atraímo-nos pelo personagem que é admirado e respeitado pelos seus iguais, que resistem contra a imposição abusiva da força arrecadadora de impostos pelo governo, cujo apetite é tão grande quanto o dos glutões que se sentavam à mesa dos banquetes reais.
Diferentemente do universo poético e heroico daqueles narrados enfrentamentos contra os abusos dos governos, vemos, agora, aqui mesmo, nova postura do órgão arrecadador que, em simples linhas, determina que os estabelecimentos bancários e equivalentes informem as movimentações feitas por pessoas físicas e jurídicas, que ultrapassem cinco mil reais e quinze mil reais, respectivamente.
Isso significa que todos, indistintamente, estarão sujeitos às informações prestadas por instituições acerca das movimentações acima dos referidos patamares, que gerará caráter fiscalizatório, como se todos fossem errados ou trambiqueiros, incluindo o parente que recebeu depósitos mais elevados porque arrecadou dinheiro para pagar o enterro de alguém, da pessoa que recebeu valores para organizar um churrasco ou festa, de quem trabalha em dois ou três atividades e ainda faz bicos para ter um valor suficiente para comprar um carro usado, remédios caríssimos ou sustentar pais idosos, de quem nem sabe como conseguiu juntar algum dinheiro para pagar festa de quinze anos ou de formatura de filhos, etc.
Enfim, parece que se corrompe o famoso bordão que diz que o brasileiro não desiste nunca.
Desse jeito, quiçá a autoestima venha a erodir e dar lugar à sensação de que ficar de braços cruzados possa dar menos dor de cabeça.
Noutra ponta do carretel, reflitamos: por qual motivo se deve fiscalizar, se isso não gerar resultado? Toda norma jurídica possui dois elementos, o comando e a sanção, prevendo-se a conduta desejada e a sanção para o caso de descumprimento.
Então, embora se diga que não há taxação sobre esses valores, evidencia-se circunstância curiosa e que desperta a atenção de muitas pessoas, porquanto falta clareza a respeito desse universo de coisas e, talvez – e, aqui, temos uma suposição, não um encaminhamento – a fiscalização inicial gere, doravante, tributação sobre valores, se o fato gerador for identificado.
Por outro lado, aos assalariados e aposentados não parece haver preocupação, já que os seus ganhos têm origem clara e conhecida.
O peso da insônia recairá sobre os que forem, eventualmente, chamados a informar como se conseguiu obter certas somas como fruto das atividades mais variadas, em muitos casos informais ou feitas para complementação de renda ou “bicos”, como, dentre a multiplicidade de casos, a atuação como motorista de aplicativo, de serviços de lava-jato, confecção de artesanato, roupas e bolos, aula particular ou exploração de pequeno bar ou salão de beleza.
Notemos que, se estamos falando de atividades habituais, o fato gerador pode ensejar tributação não apenas do presente e para o futuro, mas retroagir a cinco anos, se ficar caracterizado que por esse tempo era realizada.
Portanto, é imenso o potencial terremoto que poderá causar nas famílias.
Por outro lado, devem aumentar os assaltos a transeuntes e a pequenos estabelecimentos comerciais, pois muitos deverão notar a diminuição no uso de cartões e pix, passando os clientes a usar papel moeda e, portanto, tendo que portar dinheiro vivo. Assim, se hoje é quase certo que os caixas dos comércios estão vazios de dinheiro, a medida acarretará caixas cheios e o manuseio de notas no “fechamento de caixa” diário, deixando vulneráveis funcionários e patrões.
Haverá até quem ache melhor deixar de produzir do que se sujeitar a isso tudo e ainda pagar imposto sobre os ganhos, assim como haverá quem buscará regularizar e formalizar a sua atuação.
Mas, consideremos com certa licença poética, ter-se-á algo que também alcance dólares em cuecas e grandes somas como as que, com certa frequência, se informa no noticiário ou o rigor será contra os pequenos e pessoas do povo, que só poderão se defender contra os governos arrecadadores através de um Robin Hood moderno?
*Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.