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Quisera ser espírita

Quem sabe, se por bons ou maus espíritos, ou por todos, pudéssemos acreditar que havendo reencarnação, teríamos esperanças e chances mínimas em sermos simpáticos malvados

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25-08-2024 às 09h:09

Jose Altino Machado*

Em primeiras núpcias, fui casado com excelente moça que ainda hoje, decorrida uma vida inteira, professa a crença espírita. Ótima esposa, eu que então não valia grandes coisas, pelo menos como marido, iniciante nas inquietudes dos vinte e um anos.

Porém, apesar de nada praticante, jamais discuti ou aceitei discutirem comigo cultos ou crenças. Sempre acreditei, como ainda mantenho a certeza de que religiões, assim como sexo, são atributos da intimidade de cada indivíduo. Acreditando também, que se assim cada um entender, nunca forçando que exista compreensão e plena aceitação pelos outros, a paz da convivência humana estará selada.

Pois é, como sonho! Hoje, muito gostaria de crer na reencarnação, podendo ainda ter esperança em viver coisas diferentes. Como o tempo muda e o que faz conosco a vida? E a gente só vê quando a velhice nos alcança...

Na década de 80, não vou mentir, senti prazer em conhecer um senhor famoso, chamado Pablo Escobar. Explico...

Voava comigo nos céus amazônicos e garimpos, um piloto bruto, apelidado Mucura, de pouco estudo, mas feliz bonachão e bom companheiro. Belo dia, em meu escritório, quando com outros colegas, recebíamos o coronel comandante do SERAC, que estava à paisana, adentrou o dito Mucura. Chegava de um voo a São Paulo de Olivença - AM, zona de fronteira. Agitado, logo contou que problemas de mau tempo o levaram a pousar, sem saber, em pista da turma do pó, como os chamávamos.

O homem sem farda, não perdeu tempo e abrindo um mapa, perguntou curioso, como se mineiro fosse: “Uai sô, onde fica isso”? E o piloto, inocente coitado, logo meteu o dedão: “aqui ó”.

Não deu outra. Nem semana depois, autoridades explodiram, pista, barracos e dois aviões pousados. O que levou os “diferentes ilegais” a entenderem a passagem do Mucura como alcagueta.

Mais uma vez, não deu outra. Passado tempinho, a mim vieram, aqueles que sempre sabem de tudo dizer, que a turma do gatilho do país vizinho, chegara para “fazer” o dedo duro.

Emotivo, como sempre fui aos meus próximos, logo repliquei que, aí não. Se para brigar, brigaremos todos. E me mandei para a fronteira, Tabatinga - AM.

Lá encontrei outro sabe tudo, Polaco, que me disse conhecer e saber onde morava o patrão do cartel, o Senior Pablo e que me levaria até lá. E fui, logo após avisar nossa polícia de fronteira, que estava indo dizendo a que, e também pedindo que avisassem aos americanos, que como era sabido, fotografavam e filmavam até mosquitos voadores nas proximidades.

Na vizinha Letícia, Colômbia, poucas vezes fui tão bem recebido em uma residência como nessa. Até o bem armado “mordomo” fez mesuras de doer as costas. O comportamento do anfitrião, então, fez com que eu abreviasse bem a visita, senão ele me convenceria até de “carregar a pasta” dele. Além da simpatia e fidalguia empregada em receber-me quase me fez acreditar que muito me conhecia, elogiando minha história, que algum boquirroto deveria ter passado a ele. O homem era bacanudo.

Ao ouvir meu recado, que dizia que mantivesse afastado do pessoal e pilotos dos garimpos as turmas profissionais do mercado do pó, sem sentir-se ameaçado, logo esquivou:

- Dom José, meu pessoal não age assim e não é violento, (fiz que acreditei), lá é do zangado Evaristo Porras, estas artes são dele, não minhas.

Quando silenciou, contrapus que não explicações não resolveriam e que ele desse um jeitinho no companheiro de ofício, pois garimpeiros são fofoqueiros e as melhores armas, suas línguas, e que a partir de então gostariam de muito falar sobre eles. E a Amazônia, a eles, pela vigia constante se tornaria diminuta. À época, sem starlink’s, as rádios fonias cobriam dos Andes aos atlânticos mares, tornando difícil qualquer anonimato.

Tudo acertado, Mucura viveu até breves tempos, vindo a falecer de acidente aéreo. O mercador do viciante prazer era foda (palavra de Lula), isto era. Convencia sapo a deixar viva a lagarta, para comer a borboleta.

Abro espaço a ele, não só por marcante na memória, mas hoje, até por inveja.

Neste Brasil que agora conheço, realmente não há espaço e vida para mim e tantos outros parceiros e companheiros dos quais tanto me orgulho em com eles ter coexistido. A Nação foi e está sendo tomada de assalto pelo que há de pior à uma sociedade, permitindo ser exibida moral decadente, onde prevalece a inutilidade em se ser honesto e trabalhador.

O país foi apropriado por espertos intocáveis afanadores da ética e da coisa pública. Desprezados e idiotas são aqueles honestos que não pilham, ou não se aproveitam dos poderes alcançados para seu uso em utopias ou “quimeras $$ imaginadas”, e que dão ganhos pessoais formidáveis.

Uma Nação, onde reina insegurança jurídica, admitindo Supremo ordenar, que repressão não suba a morros das grandes capitais em busca de filhotes de Dom Pablo, mas ele mesmo, Supremo ordena que destruam, lares, trabalhos e inteiras estruturas familiares na Amazônia, a bem de uma não comprovada razão. Enquanto pelas mesmas águas de seus rios, não mais abordados, muito se transportam brancas cachoeiras do pó branco. Um paradoxo...

Em dias de agora, a grande empresa do crime, já se torna a maior empregadora nacional, com alcance “offshore”. Governos parecem não se importarem   com malfeitores e ainda gastarem milhões do tesouro público, para levar miséria com crueldade a também milhões de seres humanos, sempre alardeando que paus e córregos estarão “protegidos”.

É de se perguntar, a bem de que ou de quem tais interesses obscuros e desconhecidos? Não sendo bastante simples alegações divulgadas, sem comprovação alguma, de estarem a fazer bem a uma “anônima humanidade”.

Na Amazônia, terra de ninguém, se semeia a impunidade da autoridade armada e se sucumbe a Justiça, deixando de existir a valiosa senha do cidadão do direito à defesa e do trânsito em julgado. Um perfeito canteiro a brotar malfeitores.

Inveja, sim inveja e frustração do que poderia ter sido, para melhor adequação a este novo e desrespeitoso caráter nacional. Companheiros e agentes do bem que com todos nós conviveram, sabem e são convictos, que seríamos até bem superiores ao “cartelzinho” do vizinho. 

Não lamento que nossa criação, moral e de vida no passado não tenham permitido e pior, continua a não consentir que tomemos tais veredas.

No entretanto, quem sabe, se por bons ou maus espíritos, ou por todos, pudéssemos acreditar que havendo reencarnação, teríamos esperanças e chances mínimas em sermos simpáticos malvados como Dom Escobar.

Belo Horizonte/Macapá

*Jose Altino Machado é jornalista

 Nota: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Rui Barbosa.

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