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Quatro tempos da eleição de Uberlândia

Quatro tempos da eleição de Uberlândia

Prelúdio (Adagio) – É preciso dizer também que Uberlândia viveu duas décadas (80-90 e princípios de 2000) de uma rivalidade política produtiva em termos de inovações institucionais

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27-08-2024 às 09h:09

José de Magalhães Campos Ambrósio*

A dinastia de um homem só, Odelmo Leão Carneiro Sobrinho, finaliza seus trabalhos no próximo dia 31 de dezembro. Dos últimos 20 anos de Uberlândia, o atual prefeito governou 16; sua idade avançada e saúde debilitada nos permitem dizer que esse será seu último mandato municipal.

Ele é o último de uma geração da elite político-econômica que forjou a Uberlândia de hoje. Ele não possui sucessores. A história de um grupo político termina com seu mandato, todos que o cercam são irremediavelmente dependentes de seu capital político – tal como qualquer político personalista, nada cresceu no seu entorno. Sua esposa precisou de uma campanha descomunal para ser eleita deputada federal na segunda tentativa e semeia discórdia onde põe os olhos – mandava e desmandava na cidade sob as bênçãos do velho coronel. E Paulo Sérgio, bem, uma imagem traduz. Já definido que seria ele o candidato da situação, outdoors foram espalhados pela cidade com a foto de Odelmo e Paulo com o simples objetivo de fazer conhecido o segundo. O divertido da foto é que se do lado de Odelmo nenhuma palavra estava escrita, na de Paulo Sérgio estava seu nome e a indicação: vice-prefeito.

A deputada Ana Paula, primeira-dama, só poderia ser candidata se Odelmo se desincompatibilizasse, fenômeno impossível, já que isso colocaria Paulo Sérgio na cadeira de prefeito por alguns meses e, com a máquina na mão, poderia dividir ainda mais um grupo já fraturado que se unificava somente pela força gravitacional do Leão da Farinha Podre.

Paulo Sérgio é um candidato pesado. Elitista estética e politicamente, não se mistura e nem se comunica com o povo. Negatividade carismática. Não é um bom candidato nem a mandato – nunca foi eleito pelo povo a nada –, nem a herdeiro do grupo político – reitero:  hoje não existem herdeiros evidentes.

Odelmo Leão também fora o menos inventivo e imaginativo de seu grupo. Talvez por isso, só tenha sido prefeito quando todas as outras cabeças pensantes do grupo já não estavam no horizonte da disputa eleitoral. Sua atuação no parlamento era ser um corretor de verbas para a cidade, o que fazia bem. Podemos discordar das escolhas políticas de Virgílio Galassi – e este colunista discorda de boa parte delas – mas é inegável que ele tinha visão de futuro, do desenvolvimento e do longo prazo. Odelmo manteve os mesmos vícios de governança – autoritarismo, clientelismo, elitismo, coronelismo – só que sem a inventividade que distinguiu nossa cidade e a levou a um patamar superior.

É preciso dizer também que Uberlândia viveu duas décadas (80-90 e princípios de 2000) de uma rivalidade política produtiva em termos de inovações institucionais. O arrojo administrativo de Galassi encontrava em Zaire Rezende o homem de Estado que elevava a política uberlandense a novos patamares. Na disputa subsequente (Odelmo-Gilmar), nem arrojo, nem estadismo, somente uma cumplicidade morna entrecortada por surtos de teatro eleitoral.

O Leão do Uberabinha se notabilizou, na prefeitura, por expandir precariamente o sistema desenhado por seus predecessores e fazer uma gestão um ponto acima da mediocridade no cotidiano urbano, o que, para os padrões brasileiros, é um luxo. Porém, até nisso os últimos dois anos de mandato deixam a desejar: caos na saúde, um transporte público de qualidade risível e uma insistência em obras inúteis.

Esse momento acabou. Há uma abertura histórica. Depois de seu mandato, não haverá nenhum grupo hegemônico em Uberlândia. Sairá na frente quem compreender que a eleição de 2024 é a disputa pela construção de uma nova hegemonia, ou melhor, pela emergência de novos dominantes de lado a lado do espectro político. Um possível novo tempo não sairá somente porque há possibilidades de vir, mas por imaginação e ação, sem nos iludirmos pela frágil ideia de vocação desenvolvimentista da cidade que pode levar a uma acomodação das energias inovadoras.

Réquiem (Moderato)

Leão Sobrinho sinalizou a morte de seu grupo com um vídeo em suas redes sociais. Nesse vídeo, ele interage com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o com o deputado Cristiano Caporezzo. Na cena, o prefeito roga a Jair que retire a candidatura Caporezzo para se unirem por Uberlândia em nome de uma antiga relação entre ambos. A cena toda é meio triste, Caporezzo vocifera delírios sobre os perigos de uma esquerda, Bolsonaro é condescendente com a situação do mandatário e Odelmo está ali claramente constrangido.

Porque é um movimento que sinaliza morte? Primeiro porque não altera substancialmente o tabuleiro – já falaremos disso –, segundo porque, com esse movimento, Odelmo só deixa cristalina a franca decadência de seu grupo e de seu candidato: estancado em 8% dos votos, Caporezzo perderia no segundo turno para todos os candidatos, inclusive para o folclórico (porém respeitável) candidato do PSTU, Gilberto Cunha.

Esse erro de leitura/desespero nos leva ao terceiro ponto: expõe a ruptura de um modo hiper pragmático de fazer política dessa antiga elite da cidade. Não nos enganemos que as afinidades ideológicas do grupo leonino sempre foram aquelas próximas, quase gêmeas do bolsonarismo, porém elas sempre se diferenciavam por uma sagacidade, uma inteligência política que contava a história de que a competência administrativa estava acima de questões ideológicas. Agora não mais. Na improvável vitória de Paulo Sérgio, os lunáticos terão cadeira no primeiro escalão da prefeitura em virtude do Leão da “Tenda” ter dobrado os joelhos. Esse vídeo teve um preço.

A cena é tão amarga, tão amarga, que Paulo Sérgio nem estava presente, experimentava sua irrelevância em algum condomínio fechado da cidade.

Cresciendo (Andante)

É nesse zeitgeist que três candidaturas se consolidam, a já mencionada de Paulo Sérgio (PP), Dandara Tonantzin (PT) e Leonídio Bouças (PSDB). Daphiny Preta (PRTB) e Gilberto Cunha (PSTU) não causam impacto significativo nas métricas.

Em mais um sinal de que o tempo é o da construção de uma nova fase da política uberlandense, os três principais candidatos apresentam uma porcentagem em torno de 25% das intenções de voto – erros na metodologia de sondagem e os patrocinadores das pesquisas nos impedem de cravar a liderança de algum deles. Junto a esse dado, há outro relevante: entre 20 e 25% de indecisos!

O futuro de Uberlândia e de suas forças políticas estão sendo jogados agora. Qualquer improviso e lassidão serão castigados.

Impressionante é o desempenho de Dandara. Este colunista julgava que a candidata só alcançaria o patamar em que está hoje se realizasse sua campanha com perfeição; sua vitória seria o alcance de meados de 20%. Dandara já parte desse patamar. Subestimá-la pode ser um erro. Evidentemente carismática e articulada (pode maneirar agora no media training, viu, equipe do PT, já soa exagerado), a deputada tem como desafio a alta rejeição por sua filiação partidária em uma cidade conservadora e com memória ainda presente do fracasso do governo municipal de seu correligionário Gilmar Machado.

Dito isso, construiu um plano de governo bem estruturado, claro e factível. Para lograr êxito nos 20% de indecisos, deve usar esse plano como plataforma, demonstrando a ligação dele com a vida das pessoas. Tentar focar na própria imagem/identidade agora não produzirá efeitos eleitorais relevantes; os louros dessa estratégia provavelmente já ocorreram e a candidata deverá demonstrar que é mais que si mesma.

De Paulo Sérgio já falamos bastante, porém, também não se pode subestimá-lo. A máquina pública historicamente montada pelo Leão da “Gaúcha” é poderosa tanto na conquista de votos quanto na destruição de reputações. Numa eleição que se demonstra equilibrada como a atual, essa equação pode ser suficiente para a vitória. Não se sabe muito bem o que ele pensa de Uberlândia – tal como seu padrinho político, isso pouco importa.

Leonídio Bouças passa por um drama, no tempo da política poderíamos dizer que é sua vez. É o mais experiente política e eleitoralmente de todos os concorrentes, possui uma amplitude de diálogo notável. Obviamente da elite da cidade, solidamente se posicionando à direita do espectro político ao longo de sua carreira, Leonídio no entanto tem a apresentação de um homem comum. Não possui o carisma de Dandara, como também não exala a distância que Paulo Sérgio deixa patente entre si e o povo. A imagem é de um homem normal, como qualquer um, e isso tem um grande valor nos dias de hoje.

Tendo a sagacidade de alguém que conversa com todo mundo e sabe ler os cenários – tanto que desafiou o poder de Odelmo capturando boa parte de sua base de apoio –, Leonídio apresenta o Plano de Governo mais estruturado e completo, que, se for realmente encampado, pode dar mais força ainda a sua candidatura e governança. Sua esperteza política está impressa no Plano: em um movimento, recepcionou com ampliações o projeto que o PDT construiu para a candidatura de Adriano Zago em 2020, logrando apoio desse partido, coincidentemente ou não também de Zago (hoje no AVANTE) – o mínimo de esforço para efeitos maximizadores.

Mazurca (Allegro)

Comecemos do drama de Bouças: o tabuleiro do jogo está montado para sua vitória. É o menos rejeitado, venceria seus adversários no segundo turno com certa folga. Esse é seu drama: o cenário de triplo equilíbrio no primeiro turno indica a possibilidade de não estar no segundo. Por essa razão, ele tem que jogar como azarão, como aquele que já perdeu. Não pode dar nenhum passo em falso. Seu potencial favoritismo, suas alianças bem montadas podem resultar em nada se não lograr esse êxito: por isso identificar profissionalmente os indecisos é a direção correta.

Dandara já obteve uma vitória. Ela já é e provavelmente continuará sendo a líder política de contraponto à elite histórica de Uberlândia mesmo se derrotada eleitoralmente. Este colunista, inclusive, acha esse o melhor cenário para ela, qual seja, uma derrota eleitoral vista como uma vitória política com a consolidação de sua liderança. Ela pode se dar ao luxo de fazer um jogo bonito na eleição, sem cair nas pegadinhas dos outros candidatos, nem tentar ganhar com a típica intransigência retórica do PT. Desse ponto de vista, em termos de força política, Dandara pode ser sucessora da energia que se movimentava ao entorno de Zaire Rezende, a ver se ela estará à altura. 

E nesse parágrafo, entrelaço Dandara e Paulo Sérgio do palpite mais intuitivo que tenho sobre essa eleição. Se é verdade que Leonídio é favorito em qualquer cenário, como estariam as posições dos outros dois?

Nas rodas de conversas – mesmo de petistas –, Dandara era dada como obviamente derrotada mesmo se, por algum milagre, chegasse ao segundo turno. Bem, hoje já sabemos que avançar no pleito não será milagre nenhum, mas é uma possibilidade real. Eu achava que a petista tem uma mínima chance de vitória se o segundo turno for entre ela e Paulo Sérgio – e acredito que ambos têm esse desejo, tanto para espantar o efeito centralizador de Leonídio, quanto para criarem uma polarização sismogênica, ou seja, na qual cada posição reforça a posição contrária (péssima para a cidadania).

Obviamente, existem variáveis a se considerar, mas partindo de dois pressupostos que se reforçam (Dandara subestimada e Paulo Sérgio candidato pesado), a petista chegaria no segundo turno numa onda de otimismo que poderia levá-la para próximo dos 50% dos votos. Ainda acredito que nesse cenário a vitória seria de Paulo Sérgio, mas é o único contra o qual Dandara poderia esperar os melhores resultados. Se Bouças é parado na primeira fase eleitoral, seus votos se dividem entre Dandara e Paulo Sérgio. Em nenhum outro contexto a divisão de votos é tão grande. Via de regra, os eleitores da petista irão contra Paulo Sérgio e vice-versa.

Abertura (allegro ma non troppo)

Se Uberlândia está com uma abertura histórica diante de si – e o tamanho dessa consciência entre a população e os grupos políticos é incerta – as opções no cardápio são pouco animadoras.

Parece-me que todas as costuras políticas e visões de cidade apresentadas até agora sugerem um caminho muito aquém das mudanças que Uberlândia precisa para os desafios de um futuro próximo.

Mesmo Dandara, que é uma oxigenação em termos pessoais da política uberlandense, está comprometida demais com os pressupostos mais equivocados do lulismo – o possibilismo de baixa energia que pretende somente a humanização da “inevitável” desigualdade, por exemplo – e insiste na lacração identitária.

A dúvida sobre Leonídio será na capacidade de gerir interesses tão diversos de seu amplo arco de alianças em um projeto francamente progressista. A dúvida aí é se ele vai jogar o Plano de Governo no lixo quando subir ao poder, ao verificar que ele entra em choque com os interesses da classe a que ele, Leonídio, pertence. Seu amplo arco de alianças pode ter como resultado a paralisia. Ao mesmo tempo, Leonídio é o mais político dos candidatos, talvez seja o único capaz desse equilíbrio. O desafio do tucano é converter sua esperteza em compromisso programático.

Quanto a Paulo Sérgio, bem, se vencer, só poderemos mesmo lamentar. Será o epitáfio triste de uma elite política que, embora equivocada, conseguiu construir bases necessárias porém insuficientes para o futuro da cidade.

Atualizarei a conjuntura de Uberlândia em 15 dias.

 Oxalá a dinâmica esteja mais interessante.

*José de Magalhães Campos Ambrósio é Professor de Teoria do Estado e da Democracia na Universidade Federal de Uberlândia. magalhaesjose@gmail.com

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