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Porteirinha, inerente doçura

Porteirinha, inerente doçura

Em idas e vindas a pé pelas ruas e pelas praças de Porteirinha, ora em direção da casa de um ora de outro, notei que a cidade verdadeiramente surpreende o marinheiro de primeira viagem,

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25-08-2024 às 08h:09

Henrique German*

Na qualidade de cego quase completo, deixei há muito de realizar viagens em busca de paisagens e de lugares pitorescos, ou particularmente bonitos ou de interesse peculiar em razão desse ou daquele motivo. Viajo agora somente em virtude do que chamo de paisagem humana, ou seja, procuro as pessoas do lugar, desejo encontrá-las, conhecê-las e estar com elas, privando de momentos agradáveis de conversa em boa companhia.

Naturalmente, não deixo de aproveitar o lugar em si, de reconhecer dele as qualidades e de ressaltar os pontos positivos que tenha a oferecer, porém o meu interesse precípuo reside nas gentes.

Com esse espírito de desbravador de almas, empreendi jornada ao norte do nosso estado, para além das pujantes Montes Claros e Janaúba, até enfim aportar precisamente em Porteirinha, a cerca de seiscentos quilômetros da capital ou onze horas e meia de ônibus.

Havia muito, eu andava a pensar na visita, haja vista as repetidas vezes em que a velha amiga Maria, natural de Porteirinha, convidara-me a tanto. Maria criou os meus dois filhos, segunda mãe de ambos e braços direito e esquerdo tanto meus quanto de minha mulher, sempre amorosa e dedicada a ajudar-nos em tudo, e não só porém; não bastasse o que já fizera por minha família, ainda cuidou de minha mãe idosa até o fim, de modo tal que poucas filhas no mundo teriam feito igual, melhor, jamais. Essa pois a Maria que me convidava, fazia tempo, para um giro na terra natal, de maneira que finalmente eu conhecesse os parentes e os amigos dela, dos quais ouvira falar, em profundidade, nas últimas três décadas.

Com a minha amiga a guiar-me, eu com a mão todo o tempo em seus ombros fortes, embarcamos na viatura coletiva no dia 14 de agosto passado, chegando a Porteirinha na manhã seguinte, aguardados pela família de Levindo, a qual nos acolheu de pronto, buscando-nos de carro no ponto de ônibus e nos levando a casa deles para o café da manhã, que contava com rosca caseira, pão, biscoitos, queijo e requeijão da roça, iguarias que, naquela região, são algo digno dos deuses mais exigentes.

Da hospitaleira casa de Levindo iríamos em seguida à de Maria, onde me hospedei qual rei, cuidadosa e carinhosa ela como de costume, a cercar-me de atenção e de mimos. Voltamos ao Levindo para o almoço, uma vez que fizeram questão da nossa presença e retornamos lá ainda na noite do mesmo dia, para a festa de aniversário do dono da casa, em companhia dos parentes e dos amigos dele, os quais logo me aceitaram como gente dali, na qualidade mesmo de velho e bem vindo conhecido. Era apenas a primeira vez que me viam, no entanto rezei com eles o santo terço em família e privei da intimidade da casa como se a ela pertencesse. Tocou-me fundamente o carinho hospitaleiro, o ambiente amistoso, aberto, alegre, sereno e franco da casa de Levindo, fiel retrato primeiro de tudo o mais que eu viria a encontrar na cidade, melhor dizendo, de todos mais que eu teria a satisfação de conhecer.

Em idas e vindas a pé pelas ruas e pelas praças de Porteirinha, ora em direção da casa de um ora de outro, notei que a cidade verdadeiramente surpreende o marinheiro de primeira viagem, como era o meu caso; digo isso porque muitas vezes escutamos falar do distante norte de Minas com adjetivos menos lisonjeiros, por exemplo quanto ao calor causticante da terra, ou a pobreza da população, ou ainda a seca endêmica e daí por diante. Pois bem, Porteirinha é dotada de ruas largas e bem asfaltadas, melhores que as de Belo Horizonte, cujo pavimento geral é lastimável; as praças são amplas, bonitas, bem cuidadas, limpas e realmente colocadas à disposição do povo, na medida em que oferecem serviços como cinema ao ar livre, brinquedos para as crianças e bancos novos, em que me sentei com grande prazer, para tomar a fresca da noitinha, embalado pelo canto dos passarinhos.

A cidade é muitíssimo bem iluminada, segura, ordeira e progressista, ofertando aos seus e aos visitantes serviços, comodidades e comércio de boa qualidade e de suficiente variedade: só em termos de casas bancárias temos lá quatro, padarias e bons supermercados contei mais de cinco, farmácias contei mais de dez, hotéis, três, igrejas católicas, ao menos duas, com destaque para a linda matriz de São Joaquim, evangélicas, várias, bares e afins desisti de contar. Tem mercado público, parque de exposições em renovação, hospital, estação rodoviária, laboratórios de análises clínicas, serviços de saúde públicos e privados diversos, incluindo até sofisticados exames por imagem e uma vasta rede de atendimento odontológico especializado.  Há também uma biblioteca pública municipal com nada menos que dezessete mil títulos à disposição e, perto da igreja da Assunção, pasmem, existe mesmo uma lavanderia de roupas automática, na modalidade de auto serviço! Sim, amigos leitores, o norte de Minas pode ser surpreendente, conforme disse, sobretudo Porteirinha.

Voltemos contudo às pessoas, que formam um capítulo à parte, sem dúvida o melhor e o mais importante. A cidade, que é muito bonita em si mesma, adquire uma atmosfera de cores ainda mais vibrantes quando nela incluímos a gente do lugar, povo gentil, educado, respeitoso, simpático, alegre, prestativo e de uma tal doçura inerente que chega a comover, sem falar, por outro lado, na disposição para a luta, para o trabalho e para o esforço cotidianos, coisa que até este cego pôde ver e perceber vivamente.

Quero assim deixar um abraço muito fraterno e afetuoso à cidade de Porteirinha, que me proporcionou quatro dias de imensa felicidade; como não se pode entretanto exatamente abraçar uma cidade inteira, faço-o agora lembrando-me com carinho de Dosa e de Miro, de Deni e de Valdu, de Irazi e de Valdir, irmãs e cunhados de Maria. A propósito, tomei café com biscoitos fritos e com requeijão quente, novinho, na casa de Deni e de Valdu, na roça, almoçando, no mesmo dia, em casa de Zi e de Valdir, ali próximo, onde comi leitão assado, que amo. Dosa e Miro, por sua vez, receberam-me com pão-de-queijo caseiro, o mais gostoso que provei na vida. Abraço ainda a Iraci, irmã de Maria, a Valdênia, sobrinha de Maria e o marido Wesley, sujeito de grande simpatia e de gentileza ímpar.

Dos amigos de Maria que conheci, se não os menciono todos, destaco aqui os que tomei por representantes dos demais, renovando a gratidão a Levindo, a Agaene e ao filho deles Marcos, que tão bem e tantas vezes suportaram-me em casa; a adorável Kátia (“Loura”, para os íntimos), a menina Melissa, a Bete, a Cássia, a Darlene e por aí vamos.

Agradeço por todos os queijos, requeijões, roscas, biscoitos, doces e cachaças – tudo caseiro - que trouxe de volta na mala repleta do carinho dos novos amigos.

Porteirinha, minha querida, até breve!

Henrique German é promotor de justiça aposentado e autor de mais de duas dezenas de livros de literatura. Ele é candidato a uma vaga na Academia Mineira de Letras (AML)
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