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O paraíso de Dona Valda

O paraíso de Dona Valda

O paraíso de dona Valda vai ficar melhor ainda depois que o filho dela, Manoel Arcênio, que vive em Ponta Grossa (PR), vier passar férias em Grão Mogol para construir uma piscina de água corrente no quintal.

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26-06-2024 às 09h:09

Bento Batista*

Nenhum lugar do globo terrestre substitui o quintal dela, em Grão Mogol. O quintal é o seu paraíso. Ela possui 12 filhos, sendo cinco homens e sete mulheres. Só não tem ainda bisnetos, mas netos são 21. Ela podia passar um mês na casa de cada um dos filhos e assim visitaria os 12 em um ano. Mas ela não arreda pé do paraíso, onde, com exceção das bananeiras, todas as árvores frutíferas foram plantadas por ela.

Numa visita de 45 minutos ao quintal dela, que na pia batismal recebeu o nome de Valda (da Silva Passos Simões) hoje com quase 90 anos, pude anotar as seguintes árvores frutíferas: fruta-pão, pinha, cacau, graviola, acerola, laranja-flor, laranja da terra, cereja, pêssego, cajá-manga, manga, caqui, seriguela, uvaia, abacate, coquinho azedo, coco da baía, ameixa preta, café, cravo, canela entre outras que por acaso tenham passado despercebidas.

“Se tirar o quintal de mim, eu morro”, disse dona Valda. Ela passa o dia inteiro cuidando com os olhos e as mãos do pomar com essa quantidade de frutas e o jardim de rosas, hibiscos, dálias e outras flores e folhagens várias. Para resumir numa só palavra – e repetindo – o quintal da casa de dona Valda, é comparável à ideia humana de “Éden”.

Sem falar que nos fundos do quintal desce o histórico Ribeirão do Inferno, que de inferno nada tem diante das paisagens deslumbrantes, paradisíacas por ele oferecidas. Em meio às pedras rolam as águas do ribeirão com mais intensidade e velocidade no período das águas, desabando em cachoeira a poucos metros da casa dela.

O quintal da casa de dona Valda é bastante sombreado. E não podia ser diferente devido à quantidade de árvores ali plantadas. E para de fato consumar a ideia de “paraíso”, no quintal há uma nascente muito bem preservada, de onde dona Valda retira toda água consumida na casa. “Não pago conta da Copasa”, disse sorridente. Durante uma hora por dia ela passa em contato direto com as plantas regando-as com uma mangueira. Geralmente é de manhã cedo, enquanto os passarinhos cantam – e encantam.

O paraíso de dona Valda vai ficar melhor ainda depois que o filho dela, Manoel Arcênio, que vive em Ponta Grossa (PR), vier passar férias em Grão Mogol para construir uma piscina de água corrente no quintal. Na vez derradeira, em visita à mãe, ele construiu uma proteção para a mina d’água e instalou bomba hidráulica.

Na casa onde dona Valda mora até hoje, ela criou os filhos. Ela se recorda como se fosse hoje do ano de 1954, quando veio da Bahia, “a casa já existia”. Ela calcula que a casa tenha cerca de 150 anos. Precisou ser reformada, à época em que chegou para Grão Mogol.

Dona Valda lembra de que na casa antiga havia um alpendre e nele volta e meia apareciam cobras. Por pelo menos três vezes foram encontrados jararacuçu e cascavel. “Eram cobras enormes e uma delas teve que ser abatida a tiro de espingarda”, contou. “Elas chegavam pelo alpendre ou pelo telhado”, ao ponto de ela própria tomar coragem de abater as cobras que apareciam.

O pé de fruta-pão é o mais alto do quintal. Deve medir cerca de 20 metros de altura. Dona Valda trouxe a muda de Ilhéus (BA), em 1958, e plantou-a numa noite. “Eu estava grávida de Tone”, um dos filhos dela. A muda se transformou numa árvore tão grande que ela teve de cortar uma das suas partes. Hoje, dona Valda se arrepende de ter plantado porque “cresceu demais”. A altura dificulta a colheita dos frutos, que caem e se desmancham no chão.

Como ex-vizinho de dona Valda, me considero “filho de quintal”. Mas esse quintal dela ganhou dos meus vividos durante toda a infância, em Montes Claros. Disse a dona Valda que se morasse numa casa com quintal igual ao dela eu não quereria sair de casa em hipótese nenhuma. Só de uma coisa ia me prevenir: não ficaria, nem a pau, debaixo do pé de fruta-pão. Um quilo de fruta despencando da altura de 20 metros sobre a cabeça pode causar estrago e tanto. Não é verdade?

*Jornalista e escritor

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