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Janelas Quebradas

No caso dos carros arrombados na cidade, o que o cidadão ordinário pode fazer é não sair às ruas com o automóvel da família ou, fazendo-o, procurar estacioná-lo em empresas próprias

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03-07-2024 às 08h:37

Henrique German*

A teoria das janelas quebradas, grosso modo, estabelece que a falta de cuidado com um vidro estilhaçado que não venha logo substituído, restaurando-se a fachada afetada de um prédio qualquer, produz a perversa renovação do mau comportamento do

primeiro vândalo que quebrou a primeira vidraça, ocorrendo tal quase como efeito inevitável da desídia ou da inércia na reparação do malfeito original. Serão assim destruídas mais e mais janelas na medida em que for sendo percebida, pelos meros passantes diante da fachada cada vez mais deteriorada, a incúria ou a indiferença daqueles que seriam os responsáveis pela manutenção ordinária, correta, hábil, ágil, eficaz e integral do lugar.

Com o conceito mal traçado acima em mente, ocorreu-me indagar se a teoria das janelas quebradas poderia por acaso, de algum modo, ser aplicada à triste realidade atual da nossa cidade, em que as janelas dos automóveis se veem sistematicamente quebradas por ladrões nos quatro cantos da capital, independentemente de lugar, de horário ou do modelo do veículo. É uma avalanche de ataques.

Bem, se a definição mencionada cuida do descaso dos responsáveis e se os carros são arrombados por ladrões que rondam por toda parte, forçoso seria concluir, de acordo com a teoria das janelas quebradas, que as autoridades incumbidas da segurança pública em Belo Horizonte estariam a deixar muito a desejar; tanto, demais em verdade, a ponto de estimularem sempre novas investidas do lado dos bandidos.

Sabe-se que a segurança pública se dá mediante a colaboração de diversas forças que, atuando de maneira conjugada ou coordenada e necessariamente convergente, formam um sistema de proteção social que se pretende o mais eficiente possível, que tampouco prescinde do concurso mesmo indireto dos cidadãos.

No caso dos carros arrombados na cidade, o que o cidadão ordinário pode fazer é não sair às ruas com o automóvel da família ou, fazendo-o, procurar estacioná-lo em empresas próprias destinadas a tal fim, nada baratas em regra, porém, em tese mais seguras que as vias públicas. É de notar-se que, na hipótese da via pública, pouco importa o estacionamento ocorra em zonas reguladas pela prefeitura, também nada em conta para o bolso, porque não haverá nelas quaisquer garantias quanto à integridade do veículo.

O cidadão pode igualmente optar por ruas mais movimentadas para deixar o possante, se for realmente inarredável a necessidade de parar nelas, tomando o cuidado, naturalmente, de encostar sob algum poste de iluminação ou perto de uma loja qualquer; pode ainda, e deve mesmo, instalar alarmes no carro e estacionar sempre e somente onde houver câmeras de vigilância nos prédios próximos. Tudo isso o cidadão comum pode tentar fazer, prevenindo-se como for possível.

Por outro lado, não é preciso dizer, por óbvio, que coisa alguma, em tempo algum, poderá ser deixada ou esquecida no veículo, mesmo que por apenas míseros minutos, ainda que na porta de casa. Ai de quem se atrever a carregar algo para dentro de casa e fizer uma segunda viagem para apanhar o resto da carga no carro, dois minutos mais tarde! Certamente, nada mais encontrará, a não ser uma ou mais janelas espatifadas.

Nada de rádios, aparelhos multimídia, velhos toca-fitas, sacolas, mochilas, maços de cigarro, pares de tênis ou de chinelos, grampos para cabelos, moedinhas, absolutamente nada pode ficar à vista dos larápios de plantão que infestam as ruas da cidade, livres, tranquilos, impávidos e impunes.

Bom mesmo seria que o cidadão-contribuinte não tivesse que se preocupar nem se ocupar com coisa alguma dessas e que aqueles a quem cabem tais cuidados tomassem as devidas providências. Seria ótimo simplesmente poder usar o carro, estacioná-lo em qualquer lugar e achá-lo depois intacto. Que maravilha seria!

Posso até enganar-me, mas fico com a impressão que as janelas quebradas nos automóveis pouco ou nada tem a ver com os pobres proprietários dos veículos. Sei lá...

*Henrique German foi promotor de justiça e é escritor com 22 livros publicados. Ele está no Centro Cultural IDEA, quartas 10 e 24, às 19h30 como analista de seus contos, ele e Maria Inês Marreco

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