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Herdeiro pródigo, na política

Herdeiro pródigo, na política

A derrota (de Winston Churchill) foi impactante; o povo inglês o via como o líder máximo sob a pressão da guerra, com aprovação de cerca de 83% do eleitorado e aclamado onde estivesse

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04-07-2024 às 09h:56

Rogério Reis Devisate*

Agimos de modo diferente, quando enfrentamos tempestades ou usufruímos dos dias ensolarados. É fácil perceber o medo instintivo e a busca por proteção, diante das pesadas nuvens de chuva e dos raios e tempestades. De modo oposto, o céu de brigadeiro nos tranquiliza.

Na política e na administração, com todas as suas nuances, de tempos em tempos a casa é arrumada por gestor mais preocupado com as contas e os investimentos públicos e em cumprir os estritos limites dos regramentos constitucionais e orçamentários, demonstrando preocupação com os investimentos e o presente e o futuro. Não soa difícil se compreender que, sem endividamento aumentando e com planejamento estratégico, facilitado fica o investimento nos aspectos humanos e nas melhorias em geral.

Também, de tempos em tempos (a repetição, aqui, é intencional), os eleitores se acham seguros e confortáveis diante da casa arrumada, permitindo-se correr riscos em aventuras e experiências e a entregar a gestão pública e política a outros rumos. Não se está aqui a fazer críticas comezinhas a isso ou aquilo. São considerações genéricas e teóricas.

No mundo real, talvez o maior e melhor exemplo envolva Winston Churchill!

Neville Chamberlain, o seu antecessor no cargo de 1º Ministro britânico, negociou a paz com Hitler – e fracassou, já que este logo invadiu a Polônia. Naquele momento, ficou claro que a defesa da Inglaterra e de parte do mundo livre dependeria de Churchill e da sua capacidade de assumir o governo e se impor diante da Alemanha. Assim ocorreu. Churchill virou 1º Ministro e logo mostrou a sua capacidade de organização e liderança, mesmo sob grave crise. Já começou salvando cerca de 340 mil soldados na Operação Dínamo, que foram retirados por barcos da costa de Dunquerque, do outro lado do Canal da Mancha. Sem a sua direção e determinação, o apoio do povo inglês e as atividades a cargo dos Aliados, não teriam ocorrido o Desembarque da Normandia e a libertação da França e, finalmente, a derrota do Eixo.

Contudo, surpresa das surpresas, Churchill foi derrotado na 1ª eleição após a vitória na 2ª Guerra Mundial!

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A derrota foi impactante, já que o povo inglês o via como o líder máximo sob a pressão da guerra, tendo aprovação de cerca de 83% do eleitorado e sendo aclamado onde quer que estivesse.

Não pensemos que o povo achava que devesse ser premiado com descanso após tanto fazer, já que o ocorrido se deveu à derrota do seu partido (Conservador) nas eleições de 1.945, que teve a vitória dos Trabalhistas, que ali apresentaram programa mais de acordo para os tempos de paz.

Contudo, os herdeiros trabalhistas dessa paz, tão arduamente conquistada sob a batuta de Churchill, não souberam dar tom de empirismo ao seu programa partidário. Resultado, nas eleições de 1.951 o partido Conservador venceu as eleições e Churchill, novamente, foi nomeado 1º Ministro, onde permaneceu até 1.955, quando renunciou por motivos de saúde.

Os episódios bem demonstram como é importante um líder forte para fazer o que tem que ser feito, quando aventuras não são permitidas e quando a segurança e a estabilidade do povo estão sob risco.

Também nos faz perceber que o senso comum expressa que se é menos rigoroso na escolha do gestor, quando tudo está arrumado. Daí fica claro que, sob céu azul, muitos nomes podem ser palatáveis – mesmo os que jamais venceriam se fosse tempo de grave crise.

Lá, como cá e em qualquer tempo e lugar, os eleitores são o bem comum, são os donos do Poder, são os que escolhem os seus representantes, são os que dão legitimidade aos mandatários e os que cobram resultados, direta ou mediatamente.

Sabem quando precisam construir pontes ou muros, palavras que, metaforicamente, dão amplo significado a tantas circunstâncias. Sabem quando é momento de coalizões, acordos e ajustes, do mesmo modo que indicam quando a hora é de posições firmes.

A razão não está com os herdeiros pródigos da política, que recebem a casa arrumada e se permitem ousar e arriscar e desarrumar o que herdaram. A razão não está apenas com os que construíram as soluções e os caminhos seguros, arrumaram o câmbio, a legislação e legaram segurança e estabilidade. A razão e, também, a sensibilidade (parafraseando título de obra de Jane Austen), são do povo. O povo é a causa e o fim de tudo, é o dono do poder que escolhe o gestor e o destinatário das ações desse. É o início e o fim. É a causa e a consequência. É quem confere legitimidade e a retira.

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Infeliz será o gestor que não perceber que ganhar eleição difere de gerir essa vontade do eleitor.

Não se trata, exatamente, de distinguir teoria e prática. A questão é mais profunda, pois envolve mesmo a sutil vontade não declarada, em muitos casos. Há expectativas frustradas e

expectativas projetadas, tanto quanto causas racionais, causalidades emocionais e o senso coletivo que flutua além dos anseios individuais.

A verdade é que, no mais das vezes, nos tempos de paz há, também, uma certa exigência maior acerca de certos elementos que poderiam até ser considerados triviais. Quando a batalha é árdua, envolvendo certas questões estruturantes, não se briga por questões que, por mais relevantes que sejam, não estejam na ordem prioritária no consciente coletivo. Não se cuida dos jardins enquanto a casa pega fogo.

No entanto, quando as estruturas estão sólidas, mesmo detalhes ensejam discursos contundentes e cobranças insistentes. Esse paradoxo nem sempre é claro de se antever ou de se compreender, no momento em que ocorrem. De algum modo, ganham significado após o tempo da sua ocorrência, como registros históricos. Mas os fenômenos se repetem, periodicamente. E, também, com a mesma frequência, são sucedidos por outros, aparentemente opostos.

A energia resultante cria movimento de ciclos políticos, onde se alternam uns e outros. Ora mais liberdade, ora menos. Ora mais empregos, ora menos. Ora há economia crescendo, ora se restringindo. Ora há paz, ora há guerra. Ora há fartura, ora carestia. Nessa oscilação, o grande perigo acaba sendo a ação dos adversários externos, que naturalmente se aproveitam dessas fraquezas, egos e rachaduras internas.

Incrível é perceber como os mesmos ciclos ocorrem de tempos em tempos, como os mesmos erros são repetidos, como as mesmas vantagens são perdidas. Como quase se chega lá e parece que nos arrependemos de prosperar. Como parecemos gostar das dificuldades para nos unir em prol de vantajosidades que, uma vez conquistadas, nos levarão ao isolamento.

Somos os filhos do nosso tempo, agindo como os nossos pais e avós agiam no tempo deles, repetindo os mesmos padrões e, guardadas as proporções, sendo o que foram. A leitura dos clássicos é, assim, perfeitamente atual – e quem dera fossem lidos por mais gente. As velhas lições são apropriadas e o nosso aprendizado nem sempre é eficiente.

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Se somos donos dos nossos destinos, precisamos agir como tal – ou simplesmente ficar assistindo e não reclamar dos resultados.

*Rogério Reis Devisate é advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ.  Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania, Diamantes no Sertão Garimpeiro e Grilos e Gafanhotos: Grilagem e Poder. Co-coordenador da obra Regularização Fundiária Experiências Regionais, publicada pelo Senado Federal.

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  1 Comentário

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Rogério, inteligente reflexão, Parabéns!!!!

 

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