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Filho de Princesa Isabel não desce do navio

Filho de Princesa Isabel não desce do navio

O fato aconteceu em 1907 e se tornou um dos acontecimentos mais representativos da disputa política entre monarquistas e republicanos nos primeiros anos da República no Brasil

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21-08-2024 às 09h:29

Sérgio Augusto Vicente*

Princesa Isabel, filha de D. Pedro II e D. Teresa Cristina, tinha três filhos: Pedro, Luís e Antônio. Sabe-se que, por ocasião do golpe civil-militar que derrubou a monarquia no Brasil em 15 de novembro de 1889, a família imperial foi banida do país, sendo obrigada a se exilar na Europa. Apesar dessa derrocada da realeza, muitos saudosistas do Império, ao longo dos anos 1890 e início do século XX, continuaram na expectativa do restabelecimento do regime monárquico.

D. Luís foi um deles. Vivendo entre os anos 1878 e 1920, ele foi, dentre os três filhos de Isabel, o que mais se interessou pela ativa participação na política. Cotado a ser o sucessor dinástico da mãe ao trono do Brasil, caso o país emplacasse um terceiro reinado, o rapaz atuou fortemente na campanha pela restauração da monarquia, de tal modo que um episódio ocorrido em 1907 jogou sobre ele os holofotes da imprensa brasileira.

Viajando pela costa da América do Sul a bordo do paquete a vapor “Amazone”, Luís planejava visitar o Brasil. Contudo, por decisão do governo brasileiro (à época, representado pelo presidente Afonso Pena), teve seu desembarque no Rio de Janeiro impedido. Tomavam por base o conhecido decreto de banimento da família imperial, que, segundo Brito Broca, não procedia como impeditivo legal, tendo em vista que este fora ignorado pelo dispositivo constitucional do direito de locomoção. Porém, o “habes-corpus” foi negado por grande maioria do tribunal, alegando que o descendente imperial havia perdido seus direitos de brasileiro, uma vez estando ele servindo ao exército austríaco. Vale lembrar que os príncipes no exílio tinham o costume de se alistarem no exército de uma monarquia estrangeira.

Não é nenhuma surpresa dizer que essa proibição do desembarque serviu de estopim para o acirramento da polarização entre republicanos e monarquistas no país. Estes, além de protestarem contra a medida do governo, ainda saudaram o príncipe, arranjando uma forma de irem ao seu encontro no navio. Alfredo Ferreira Lage, filho de Mariano Procópio e futuro fundador do Museu Mariano Procópio, estava entre os monarquistas que acorreram à baía de Guanabara para saudá-lo pessoalmente no Amazone – como atesta uma fotografia pertencente ao acervo do Museu Imperial de Petrópolis, na qual Alfredo aparece em primeiro plano.

Enquanto permanecia dentro do navio, d. Luís se tornava o centro das atenções da imprensa nacional, conseguindo se tornar o protagonista de uma narrativa dramática e nacionalista construída a contrapelo do regime republicano, que parecia distante de acertar as contas com o ainda recente passado monárquico. Visando a imortalizar o fatídico acontecimento, o alvo da saga política não o deixou de fora de seu livro de viagem, “Sob o Cruzeiro do Sul”, publicado em 1913, no qual registra a sua versão dos fatos, lamentando em linguagem lírica e queixosa o veto ao desembarque em sua terra natal. A referida obra, por sinal, chegou a ser premiada pela Academia Francesa.

Na Biblioteca do Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora – MG), há um exemplar dessa publicação com dedicatória à Sra. Amélia Machado Cavalcanti de Albuquerque (a Viscondessa de Cavalcanti), prima de Alfredo Ferreira Lage e a maior doadora de objetos para a sua coleção. Esse manuscrito do livro é um dos vários vestígios históricos que atestam a próxima relação dos Cavalcanti com a Família Imperial. No Arquivo Histórico da mesma instituição, encontram-se cartas trocadas entre Isabel (a mãe do autor) e a Viscondessa. Em algumas dessas cartas, a filha do segundo imperador do Brasil mantinha a amiga informada sobre a vida dos filhos Pedro, Luís e Antônio. Pedro, por sinal, tinha uma filha (a futura Condessa de Paris) cuja educação – segundo ela mesma declara em seu livro de memória, “De todo coração” – teria recebido significativa participação da Viscondessa de Cavalcanti, a quem emprestou os títulos de “Sinhazinha Cavalcanti de Albuquerque” e “velha senhora amiga de minha avó”, de quem teria, por sinal, recebido ordens “muito severas”.

A presença desse livro no acervo da Biblioteca do Museu Mariano Procópio também é bastante representativa do projeto de memória de Alfredo Ferreira Lage, que tinha como uma de suas missões amealhar objetos da monarquia brasileira com o explícito objetivo de perpetuar as memórias da família imperial e das elites que a orbitavam. Vale lembrar que muitos desses objetos adquiridos por Alfredo Lage estavam sujeitos à dispersão, haja vista que o desmantelamento do regime monárquico trazia consigo, pelo menos nos primeiros anos da República, um projeto de apagamento e silenciamento desse passado. Tal tendência começou a se modificar no final dos anos 1910, quando as elites políticas republicanas precisavam acertar as contas com o passado monárquico para preparar os festejos oficiais do primeiro centenário da Independência do Brasil, em 1922.

Entre as medidas que envolviam esse acerto de contas, estava a revogação do decreto de banimento da família imperial e o translado dos restos mortais de D. Pedro II e de sua esposa, D. Teresa Cristina, realizado em 1921. A essa altura, contudo, Luís também já havia falecido. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial na Europa, em 1914, este e o irmão mais novo (Antônio) lutaram em defesa dos aliados contra os Impérios Centrais. E, em 1920, após ter a saúde debilitada pela atuação nos campos de batalha, faleceu aos 42 anos de idade com o diagnóstico de tuberculose óssea.

O autor de “Sob o Cruzeiro do Sul”, portanto, partiu para outro plano sem pisar novamente em solo brasileiro e ainda carregando a frustração de não ter conseguido ingressar na Academia Brasileira de Letras. Em 1915, candidatara-se à vaga de “imortal” deixada por Barão de Jaceguay, disputa que acabou perdendo para Goulart de Andrade. O livro que dedicou à Viscondessa de Cavalcanti, enquanto isso, continua integrando o acervo bibliográfico do Museu Mariano Procópio, onde passou a figurar no último catálogo de obras produzido pela instituição. Para acessá-lo ou consultar o acervo em geral, os interessados devem efetuar o agendamento prévio pelo e-mail pesquisamapro@pjf.mg.gov.br.

Sérgio Augusto Vicente é professor de História e historiador. Graduado, Mestre e Doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora (MG)

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