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Etarismo em alta

Não romantizemos a velhice, que ela nada tem de romântico. Não lamuriemos a juventude perdida e, acostumemo-nos com as limitações que chegam lentamente. A vida é longuíssima, ainda que passe depressa.

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15-07-2024 às 09h:23

Mara Narciso*

Assim como nem todos os adultos jovens são bons, nem todos os idosos o serão. Após os sessenta anos, esse grupo conterá, na proporção entre os jovens, as mesmas misérias humanas daqueles. Não basta morrer para ser bom, assim como não basta envelhecer para ser confiável.

Não se vê jovem preparando o terreno para sua velhice. Apenas os idosos levantam tal bandeira e arcam com o risco de zelar em seu próprio benefício.

Existe o Estatuto da Pessoa Idosa, e abandonar o velho, quando ele não mais puder cuidar de si, é tão grave quanto abandonar uma criança, configurando crimes equivalentes. Não se pergunta ao pai se ele pode pagar a pensão da criança, assim como não se pergunta ao filho se ele pode cuidar do pai. São obrigações definidas em lei.

Quando o jovem de hoje dificulta, de que forma for, a vida de um idoso, está criando para si um ambiente hostil no futuro, isto se ele chegar lá.  Porque todos os velhos foram jovens, mas nem todos os jovens serão velhos, apenas os que tiverem sorte.

Não romantizemos a velhice, que ela nada tem de romântico. Não lamuriemos a juventude perdida e, acostumamo-nos com as limitações que chegam lentamente. A vida é longuíssima, ainda que passe depressa. Assim como cada um viveu sua vida com determinadas peculiaridades, a velhice também chega diferente para todos. Irmãos de idades semelhantes podem ter, naquele momento, autonomias totalmente diferentes.

O mundo ouve e vê perplexo, a perda cognitiva de Joe Biden, de 81 anos. Seu oponente Donald Trump tem 78 anos, a mesma idade de Lula. Além dos dissabores da velhice, há os sabores da experiência, segurança e autoconfiança, que podem persistir até o último dos dias. O declinar, caso ocorra, do intelecto, cognição, compreensão, aprendizado, memória e raciocínio varia de forma individual. Há pessoas centenárias com permanência completa de sua capacidade intelectual, enquanto outras com menos de sessenta anos, podem estar lentas e diferentes do que já foram um dia, ambos casos raros.

A escritora Glorinha Mameluque, de 86 anos, passou no vestibular de medicina da Unimontes. Será seu quarto curso superior, já que é formada em enfermagem, direito e psicologia. O escritor Petrônio Braz, de 95 anos, continua produzindo livros. Yvonne Silveira, a eterna presidente da Academia Montes-clarense de Letras, dançou com vários pares na festa dos seus cem anos, mantendo-se atuante em seu cargo até o momento final. Amelina Chaves lançou livro aos 92 anos e Ruth Tupinambá Graça, aos 97 anos, viajava sozinha de avião de Montes Claros ao Rio.

Uma senhora de 55 anos, serva da Igreja Cristã do Brasil, cuja doutrina é rígida com as mulheres que não podem mostrar os braços e joelhos, usar calças compridas, cortar os cabelos, fazer depilação, usar maquiagem nem ornar o corpo nem mesmo com tintura do cabelo, pediu autorização ao pastor para pintá-los. O motivo era que, ao entrar no banco, até mulheres grávidas lhe davam o lugar na fila ou para se sentar, devido à leitura de fragilidade inspirada pelo seu corpo franzino, com aparência desleixada, e com cabelos brancos como se tivesse desistido de tudo. Após a autorização, ela mesma fez o tingimento e viu o respeito a ela voltar, até mesmo no detalhe de ouvir sua opinião.

É preciso pedir aos cuidadores de idosos que não os tratem como crianças. Mesmo aqueles que já perderam sua autonomia, e por isso precisam de cuidados; eles devem ser atendidos com atenção e paciência, porém sem infantilizá-los.

Numa clínica de imagem, uma mulher de 68 anos foi submetida à radiografia de tórax. Ao posicioná-la em frente ao aparelho de Raios X o técnico falou: “levanta o queixinho; coloque a mãozinha aqui”. E ao fim: “desce o bracinho”. Ao sair da sala ela disse: não trate uma pessoa idosa como se ela fosse incapaz, não diga palavras no diminutivo porque você a deixará indignada.

Em um banco, uma senhora de 81 anos ouviu a atendente pedir-lhe “o dedinho”, para colocar no leitor óptico. E ela: quando eu fiz o registro de biometria aqui, foi com o polegar e não com o dedo mínimo. Você quer mesmo “o dedinho”? - frisou.

Não subestime os idosos!

*Mara Narciso é jornalista, escritora e médica aposentada, integrante da Academia Feminina de Letras e Academia Montes-clarense de Letras

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