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Empresários dão golpe quase perfeito no roubo de água bruta

Empresários dão golpe quase perfeito no roubo de água bruta

Bacia hidrográfica é como uma vaca: se tirar o leite sem alimentá-la e respeitar seu direito à saúde e ao descanso, ela sucumbe. Em outras palavras, CBHs precisam conversar com a vaca!

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18-05-2024 às 10h:05

Apolo Heringer Lisboa*

Por que o enorme interesse do grande setor empresarial, seja industrial, minerário e agronegócio em assenhorear-se dos comitês de bacia? Só há um, acreditem: não pagar valor de mercado pela água bruta, o mais universal insumo das atividades empresariais.

A preocupação com o ecossistema de bacia não existe, pelo contrário, os incomoda. Longe de pagar, fazem manobra contábil, a função dessas agências é subtarifar, é criar redutores e anular a ideia do pagamento.

Acima de 50% do orçamento da Agência Peixe Vivo - CBH SF, é oriundo de transferência da ANA de recursos da Transposição do São Francisco. Não provém de empresários pelo uso da água bruta, aqui, na bacia fransciscana. Um golpe quase perfeito, este é o expediente aplicado nos comitês de bacia e garantia do seu total controle por associação de empresários aliados com o governo por contrato de gestão.

Uma das mais graves implicações foi o CBH SF ter retirado do site a Carta de Princípios do CBH SF aprovada na fundação do comitê e que consta na Ata registrada na ANA como sua diretriz básica de gestão.

O entusiasmo com a gestão compartilhada e descentralizada não esconde as dificuldades existentes no exercício cotidiano desta política. Assumimos estas dificuldades como inerentes ao processo de transformação da sociedade brasileira. As diferenças precisam ser explicitadas para construir convergências.

Os discursos de amor aos rios e às águas frequentemente são mesquinhos quando se vê, claramente, seus autores buscando apenas mais água para seus interesses imediatos em ganhos econômicos. Gostam de si mesmos, mas procuram aparecer como “defensores” do rio e, assumindo rosto de paisagem, não assumem o óbvio: os múltiplos usos do solo, e das águas de uma bacia hidrográfica, precisam levar em conta a capacidade do ecossistema (bacia hidrográfica), se manter vivo.

A bacia é como uma vaca: se tirar o leite intensamente sem alimentá-la e respeitar seu direito à saúde e ao descanso, ela vai sucumbir. Em outras palavras, os CBHs precisam conversar com a vaca!

Os conselheiros precisam, ao defender seus segmentos, respeitar a capacidade da bacia hidrográfica e ter consciência de que há limites a serem respeitados em comum acordo. E sem esquecer os animais, que dependem da água limpa para sobreviver. É a função ecológica dos rios e lagos. Os rios não são apenas para a espécie Homo sapiens. Não se pode atender a todos em tudo, o tempo todo, é necessário compartilhar e combinar, entre si e com a “vaca”. Só assim o amor aos rios não será discurso tão falso.

Manuelzão Nardi, personagem vivo de Guimarães Rosa, dizia o seguinte: “Não tenho medo da morte, porque sei que vou morrer um dia; tenho medo é do amor falso, que mata sem Deus querer”.

Com base nas propriedades do ciclo hidrológico, os CBHs têm a missão de pensar globalmente. As águas ensinam a lição de viver sem fronteiras nacionais, suas moléculas cruzam oceanos e continentes, épocas e seres, são absolutamente universais. Assim são os ventos, as correntes marítimas, os peixes, os pássaros e os seres humanos.

A Terra só pode ser compreendida como uma bacia hidrográfica, síntese do território global, países são detalhes históricos. A Terra se subdivide em sub e micro bacias em escala de grande capilaridade, até os mais íntimos rincões de nossas moradas, com a linguagem universal das águas.

Encerrando, abordaremos a grande questão. Podemos, sobre os meios físicos e vitais, das águas e bacias, criar uma estratégia e uma metodologia de ação política e social, como mostraremos a seguir.

A estratégia é de mobilização social com eixo nas águas, definindo assim o território organizador do planejamento e da gestão das políticas públicas. Já a metodologia deriva do papel universal das águas, envolvendo o ciclo hidrológico e as características desta substância, devido às características moleculares excepcionais da água.

As águas de uma bacia podem refletir a nossa cultura – “o espelho d’água mostra a nossa cara”. Sendo conhecimento que flui, a água permite leituras diversas do contexto físico e cultural nos seus parâmetros geográficos, inclusive o monitoramento da qualidade da gestão e da mentalidade prevalente na região hidrográfica. A vida começou nas águas e a humanidade se reencontrará nas águas.

A água pode contribuir, assim, para a construção de um movimento mundial de consciência, tendo como eixo motivador, e estruturador, a gestão das bacias hidrográficas em escala planetária e ecossistêmica. Sem reduzir o alcance desta mobilização a aspectos puramente técnicos e econômicos.

As bacias são centros motores da vida para todos e tudo, a ecologia governa a Terra. É fantástico que o papel estratégico e metodológico, enormemente grande da água de uma bacia, se fundamenta nas características infinitamente pequenas da estrutura das moléculas desta substância, de características ímpares na natureza, capaz de ser portadora de informações que circulam globalmente no ciclo hidrológico. Só precisamos aprender a ler estas informações com a ajuda do método.

*Apolo Heringer Lisboa é médico, professor, ambientalista raiz, político e autoridade em “Bacias Hidrográficas”

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