29-06-2024 às 18h:49

Alberto Sena*

O óbvio não precisa ser explicado, mas falado, porque, como se diz, está na cara. Exemplo disso é o aprendizado das crianças. Elas são o retrato dos pais. Nascem sem nenhuma referência do mundo. Totalmente diferente de onde saíram, isto é, o útero materno.

Então, elas se espelham nos pais e nos adultos mais próximos. Acham que o comportamento deles é o certo e imitam.

Costumo dizer que tive dois pais. O pai biológico morreu eu tinha 11 anos. Então, a minha referência foi o meu irmão mais velho. Ele   tinha 14 anos a mais. Então, eu o via lendo o livro intitulado Seara Vermelho, de Jorge Amado, e então pensava: “Se ele está lendo é porque o livro é bom”.

O irmão não deixava a gente mexer na estante dele. Então, observava como ele guardava o livro “Seara Vermelho” e quando saía para trabalhar, eu o retirava com todo o cuidado e lia. Punha de volta e ele nunca desconfiou de nada.

Assim se deu com outros, como a coleção de Malba Tahan (Lendas do Céu e da Terra, O homem que Calculava, dentre outros); Trópico de Capricórnio, de Henry; Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne. Dentre outros.

O meu irmão nunca desconfiou de nada. Mais tarde ele passou a ser diretor do O Jornal de Montes Claros, e quando o jornalista José Geraldo Gomes precisou deixar a Redação para estudar em BH, ficou na obrigação de arranjar um substituto, exigência do meu irmão, segundo disse-me ele.

José Geraldo cobria esportes e recorreu ao sapateiro Tião Boi para buscar substituto. A sapataria era ponto onde a juventude da época se reunia porque ele era técnico de futebol de salão e todos nós jogávamos sob o comando dele. Perguntou qual dentre aquela turma, Tião achava que podia substituí-lo e Tião Boi indicou a mim.

Quando cheguei para assinar o ponto, José Geraldo me esperava à porta e ele me deu a notícia. Eu tinha 17 anos e nunca havia pensado nisso. Então, ele me perguntou:

- Você topa?

Eu não titubeei.

- Topo – disse.

- Então vamos lá na Redação para eu apresentá-lo ao seu irmão.

Fomos. Fiquei na Sala da Redação e José Geraldo entrou na sala de Waldyr e disse:

- Trouxe o meu substituto.

- Manda entrar – Waldyr disse.

Entrei.

- Ahhh...Você?! – reagiu meu irmão.

Fui aceito e José Geraldo me deu as coordenadas:

- Você joga futebol, conhece as regras, toma uma folha de papel e caneta e vai para o campo. Anota os lances principais e os gols, e quando o jogo acabar saia do campo fazendo a matéria na cabeça.

“...Fazendo a matéria na cabeça”. Esse ensinamento foi fundamental e até hoje eu o pratico.

Mergulhei em tudo isso para dizer que o meu irmão vai fazer 88 anos em 10 de julho. Hoje, ele está presente em um mundo só dele. Fui visitá-lo em Montes Claros e fiquei a apertar a mão dele e ele a minha, enquanto eu lhe falava sobre o quão importante foi e ainda é, para mim.

Foi um encontro que durou horas. Emocionante! Ele não conseguia articular palavra, mas à conclusão cheguei que conversamos por meio dos apertos de mãos.

Eu segurava a mão dele e ele apertava, como a me dizer que ouvia e entendia tudo. Os olhos castanhos dele ficavam marejados e os meus também.

Sempre disse que tive dois pais. Com o pai biológico vivi 11 anos e com o pai-irmão, no qual espelhei, não vivo com ele, mas, aqui, está vivo, e tem o respeito e a consideração de todos que o conheceram e com ele conviveram.

Como jornalista, revelou pelo menos dúzia de profissionais para os principais jornais da época, em Montes Claros, Minas e no Brasil. Por meio do Jornalismo íntegro que praticou. Ele foi um dos artífices do desenvolvimento de Montes Claros, como cidade polo do Norte de Minas Gerais.  

*Editor Geral do DM