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Conselho de Segurança da ONU e Críticas

Conselho de Segurança da ONU e Críticas

O Conselho de Segurança da ONU floresce para evitar que as gerações futuras sofram o flagelo da guerra, além de ser o guardião da ordem internacional

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25-08-2024 às 09h:19

Bárbara Thaís Pinheiro Silva*

A Organização das Nações Unidas (ONU) possui um dos maiores contingentes militares do mundo, razão pela qual coordena missões em vários países. Por isso, o Conselho de Segurança (CS) é o órgão responsável por definir, autorizar, extinguir e renovar os mandatos das missões. Portanto, com os seus acertos e erros, a ONU e, sobretudo, o CS não podem ser ignorados como relevantes atores do cenário internacional e, especialmente, do Direito Internacional. Diante disso, compreender o papel da CS na manutenção da ordem internacional, à luz dos preceitos normativos elencados na Carta das Nações Unidas, é de grande importância. Por razões de tempo e espaço, o texto buscará apresentar os principais aspectos do CS, além de fazer algumas críticas.

 A Liga das Nações é considerada a primeira organização de âmbito universal integrada por Estados, para estabelecer um sistema de segurança coletiva, promover a cooperação e garantir a paz internacional. Artigo 4º do o Pacto da Liga previa a formação de um Conselho de Segurança com cinco membros permanentes - o Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão -, e quatro membros não permanentes Bélgica, Brasil, Espanha e Grécia, sendo os primeiros escolhidos pela Assembleia (Correia, 2017). Com a Segunda Guerra Mundial em 1939, a Liga perdeu o seu propósito, razão pela qual os seus arquivos e as instalações foram transferidos para a ONU. Portanto, a criação deste órgão teve como objetivo apresentar a “tutela dos poderosos”, concedendo às potências vitoriosas da guerra a responsabilidade primária pela imposição da paz.

 Desta forma, o Conselho de Segurança da ONU floresce para evitar que as gerações futuras sofram o flagelo da guerra, além de ser o guardião da ordem internacional, especialmente da soberania dos Estados. As atribuições do CS estão delimitadas em vários Capítulos da Carta, cujo propósito deve ser respeitado. O Capítulo V apresenta o CS, sua composição, funções, atribuições, método de votação e questões processuais. Como o Conselho de Segurança realiza seu trabalho está previsto nos artigos 28 a 32. Tais dispositivos autorizam o funcionamento contínuo do Conselho de Segurança, ou seja, nada impede a realização de reuniões periódicas na sua sede e fora dela, não se limitando a diversas reuniões. Além disso, o CS pode criar órgãos subsidiários e adoptar regulamentos internos (Correia, 2017).

 O artigo 23.º da Carta estabelece a relação nominal dos cinco membros permanentes – República da China, França, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Reino Unido da Grande Grã-Bretanha (incluindo a Irlanda do Norte) e os Estados Unidos da América. Por falta de revisão, a Carta ainda menciona a República da China (nome oficial de Taiwan) em vez da República Popular da China, que aderiu ao Conselho em 1971. Além disso, refere-se à URSS em vez da Federação da Rússia, que assumiu em 1991 (Garcia, 2013).

 Semelhante à Liga das Nações, ao criar a ONU, as potências menores pretendiam aumentar o seu nível de representação. Assim, o artigo 23º da Carta estabelece dois critérios para a eleição de membros não permanentes membros:  A contribuição dos Estados-Membros para a manutenção da paz e da segurança internacionais e os demais fins da Organização; Distribuição geográfica equitativa. Entre os outros propósitos da Organização estaria, em particular, a contribuição financeira para o orçamento da ONU. O mandato dos membros não permanentes é de dois anos, sem direito à reeleição imediata. Assim, cinco assentos eleitos são renovados a cada ano, para evitar uma mudança repentina no Conselho, caso todos os membros temporários fossem substituídos ao mesmo tempo (Correia, 2017).

Quanto aos procedimentos de tomada de decisão, as resoluções emitidas pelo Conselho podem levar meses de negociação, precisamente porque diferentes coligações operam no seu âmbito. Contudo, permanece uma concentração excessiva de poder nas mãos dos membros permanentes (conhecidos como P-5). Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França, que formam o P-3, gozam de uma capacidade única para a iniciativa: normalmente um dos três é o principal a propor o texto que será discutido, bem como a liderar as negociações (Garcia, 2013). O artigo 27 estabelece que, em matéria processual, é suficiente o voto afirmativo de nove membros para que as decisões sejam tomadas. Portanto, não há veto se a questão for meramente processual. Contudo, “em todos os outros assuntos", as decisões do Conselho serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, incluindo os votos afirmativos de todos os membros permanentes (Correia, 2017).

 Embora a Carta não mencione a palavra veto, a necessidade de acordo de todos os P-5 é absolutamente clara. Além disso, com o tempo, a compreensão prevaleceu que a abstenção (ou ausência) de um membro permanente não impediria a adoção de uma resolução. Além disso, um Estado membro da ONU que não seja membro do CS pode participar, sem votar, na discussão de qualquer questão submetida ao órgão, sempre que considerar que tal país é parte na disputa ou tem seus interesses diretamente na questão (Garcia, 2013). O Artigo 24 da Carta das Nações Unidas apresenta a responsabilidade primária do CS pela manutenção da cooperação internacional, paz e segurança. O artigo 25º reforça esta interpretação ao indicar que os Estados-Membros concordam em aceitar e executar decisões do CS, razão pela qual os juristas avaliam esta cláusula como base para decisões vinculativas, tais como, por exemplo, na aplicação de sanções. Neste sentido, pode-se dizer que as decisões da CS são vinculativas.

 O Capítulo VI da Carta refere-se à resolução pacífica de litígios e atribui ao CS um papel fundamental no esforço que a sociedade internacional deve realizar para encontrar soluções pacíficas para os conflitos. Desta forma, existe um procedimento gradual que deve ser observado na resolução de qualquer conflito internacional (Garcia, 2013). Tal como estabelecido no artigo 33º, as partes num litígio procurarão, em primeiro lugar, chegar a uma solução por via pacífica, ou seja, negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico da sua escolha. Contudo, se a questão não for resolvida pacificamente, deverão submeter a situação ao CS (artigo 37º), pois compete a este investigar qualquer situação capaz de gerar atritos entre os Estados. A competência para colocar um tema na ordem do dia para debate não cabe apenas ao CS. Qualquer membro pode solicitar a atenção do CS e da Assembleia Geral da ONU sobre determinada situação (Artigo 35). Mesmo um Estado não membro da ONU pode fazê-lo, desde que seja parte na disputa e aceite as obrigações de resolução pacífica previstas na Carta (artigo 35º).

O CS irá recomendar os procedimentos específicos para cada caso, salvo litígios judiciais, uma vez que serão considerados pela Corte Internacional de Justiça (artigos 36 a 38) (Correia, 2017). Caso o cenário apresente situação de ameaça à paz e atos de agressão, o Capítulo VII poderá ser acionado. Uma vez que o CS determina quais situações constituem uma ameaça à paz e segurança, para evitar que a situação se agrave, poderá recomendar ou convidar as partes a aceitar alguma medida provisória que não envolva o uso de forças armadas (artigos 39 e 40), entre outras - a interrupção total ou parcial das relações econômicas, ferroviárias, marítimas, aéreas, postais, telegráficas, radiofónicas, ou qualquer outro meio de comunicação, além da ruptura das relações diplomáticas (artigo 41).

Entretanto, se as sanções impostas e as medidas do artigo 41º não forem suficientes, o CS deverá adotar as medidas previstas no artigo 42, ou seja, a utilização de forças aéreas, navais ou terrestres, para manter ou restaurar a estabilidade do sistema internacional (Artigo 42). Uma vez que estas etapas listadas na Carta tenham sido cumpridas, o CS está autorizado a usar a força, ou, como se costuma dizer na linguagem das resoluções, “todos os meios necessários” para impor suas decisões (Correia, 2017).

A primeira crítica que surge diz respeito às áreas que não seriam da sua competência ou cuja conduta colide com outros órgãos da ONU. Este é o processo de “securitização” da agenda.

Considerando que a securitização nem sempre é a melhor resposta para a resolução de um determinado litígio, bem como o uso da força deveria ser a ultima ratio, certas orientações apresentadas ao CS seriam melhor tratadas pelas agências especializadas das Nações Unidas (Garcia, 2013). A segunda crítica está relacionada com as tentativas do CS de agir como legislador, especialmente quando as suas decisões sobre determinado assunto têm um alcance que ultrapassa o caso particular e assume o formato de uma regra geral. O exemplo clássico é a Resolução 1.373 do CS, pois se diferencia de todas as demais por ter caráter legislativo natureza. Esta resolução, adotada após o 11 de setembro, determina ações concretas para os Estados no combate ao terrorismo (United Nations Security Council, 2012).

Em resumo, se antes o CS era visto como o policial do mundo, agora assume o papel de legislador mundial. A terceira crítica decorre do Artigo 43 da Carta, pois determina que os membros da ONU contribuam para a manutenção da ordem internacional, e para isso devem colocar as forças armadas à disposição do CS (artigo 45º). Aqui reside um dilema entre a necessidade de fornecer recursos militares, nos termos da Carta, e as exigências de redução ou controle de armamentos. Como promover o desarmamento se os Estados estiverem dispostos a contribuir militarmente para manter a paz? Em teoria, se todos os Estados estavam completamente desarmados, nenhum poderia cumprir as obrigações da Carta. A solução advém da leitura do artigo 26º da Carta, que determina: “Para promover o estabelecimento e a manutenção da paz e da segurança internacionais, desviando o mínimo possível dos recursos humanos e econômicos mundiais para o armamento, o Conselho de Segurança será encarregado de formular, [...] os planos a serem apresentados aos Membros das Nações Unidas [...] (United Nations Security Council, 2012).

Durante a fase de criação e montagem da estrutura da ONU, as grandes potências procuraram preservar a autonomia do Conselho de Segurança. Os membros permanentes não tinham interesse em estabelecer regras que inviabilizassem o trabalho da agência. A delegação dos Estados Unidos deixou claro que queria apenas o “mínimo indispensável” para o seu funcionamento (United Nations Security Council, 2012). Consequentemente, levanta a quarta crítica relacionada à segurança jurídica.

Na prática, o Conselho de Segurança não está vinculado aos meios previstos na Carta das Nações Unidas sobre formas de resolução de conflitos. Portanto, a sua competência pode ser ampliada para atingir os objetivos da ONU. Por exemplo, as missões de paz que são conduzidas pelo CS não estão exaustivamente previstas na Carta da ONU, porém podem ser estabelecidas com base na teoria dos poderes implícitos (United Nations Security Council, 2012).

De acordo com esta teoria, se a Carta das Nações Unidas confere uma função específica ao CS, também lhe confere implicitamente os meios necessários para realizar essas atividades. Portanto, se o CS pode autorizar o uso da força, conforme previsto no Capítulo VII da Carta, também poderá adotar missões de manutenção da paz, que é um meio mais incisivo do que os diversos meios pacíficos de disputas, porém, é menos agressivo do que uma intervenção militar do artigo 42 da Carta (Garcia, 2013). Em suma, nota-se que, por meio de reuniões periódicas, o CS procura garantir o devido cumprimento das normas internacionais, especialmente no que diz respeito à manutenção de ordem internacional - embora isso não signifique a eliminação dos aspectos políticos que prevalecem no âmbito de suas negociações entre os Estados-Membros.

REFERÊNCIAS

CORREIA, António. Conselho de Segurança da ONU: evolução, reforma e futuro. 2016. 110 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Ciência Política, Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2017.

GARCIA, Eugênio V. Conselho de Segurança das Nações Unidas. Brasília: Funag, 2013. 133 p Organização das Nações Unidas. Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: https://www.un.org/en/about-us/un-charter. Acesso em: 08 ago. 2024.

UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. United Nations. What is the Security Council? Disponível em: https://www.un.org/securitycouncil/content/what-security-council. Acesso em: 08 ago. 2024. WEISS, Thomas G. The illusion of UN Security Council reform. The Washington Quarterly, [S.L.], v. 26, n. 4, p. 147-161, set. 2003. Informa UK Limited. http://dx.doi.org/10.1162/016366003322387163

Bárbara Thaís é Professora e Coordenadora das pós-graduações em Direito Internacional Humanitário e Geopolítica do Mundo Contemporâneo na PUC Minas. Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais (PUC Minas). Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra. Pós-graduada em Direito Internacional. Pós-graduada em Relações Internacionais do Oriente Médio: sociedade(s), cultura(s) e política (PUC Minas). Bacharel em Direito pela PUC Minas. Doutoranda em Direito  pela UFMG.

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