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Belo Horizonte e o Centro perdido

Belo Horizonte e o Centro perdido

Quando Luiz Inácio da Silva ainda nem era tão Lula de fato nem de direito, ele foi visto tomando cerveja no Chorare, sozinho. Parecia aguardar alguém. Isso em meados da década de 1970.

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29-06-2024 às 08h:48

Bento Batista*

Ali pela década de 1970, “shopping center” ainda não havia sido assimilado, o Centro de Belo Horizonte, principalmente a Rua Tupis, em frente ao Cine Jacques era um dos pontos de badalação. Fervilhava de gente influenciada pela Jovem Guarda, The Beatles, Boby Dylan, Rolling Stones e outros mais, além de filmes como “Deus e o diabo na terra do sol”, “Amor Sublime Amor” e “Sem Destino”, entre outros.

À noite, o Centro da cidade oferecia algumas opções de diversão. Na Rua Rio de Janeiro, em frente ao Cine Palladium havia o Saloon, um barzinho aconchegante, com mesas embaixo e a parte de cima mais reservada, onde se podia ficar com alguém com mais intimidade.

Dali do Saloon se podia iniciar uma via nada sacra. Havia o Aloha, na quase esquina da Avenida Álvares Cabral com Rua Espírito Santo, um lugar cheio de mesas, espaçoso, onde se podia ouvir boa música e até mesmo dançar nos finais de semana.

Próximo ao Aloha, na Rua da Bahia, onde se situa a Associação Mineira de Imprensa (AMI) em cima, tinha o Chorare na parte de baixo. Atualmente lá é um restaurante “self-service”. O Chorare funcionava numa penumbra parecida à luz negra.

Numa noite, quando Luiz Inácio da Silva ainda nem era tão Lula de fato nem de direito, o metalúrgico foi visto tomando cerveja no Chorare, sozinho. Parecia aguardar alguém. Isso em meados da década de 1970.

Naquela época, ele frequentava o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), quando Dídimo Paiva, o presidente, ensinou ao torneiro mecânico como fazer o “sindicalismo novo”.

Propositalmente, a Cantina do Lucas, no Edifício Maleta, ficou por último porque era o final da linha da noite, quando se podia comer bem e ainda se pode, apesar de que lá já não se encontra mais a figura simpática do “seu” Olímpio, o garçom que, por si só, era atração do lugar devido a sua amizade com os clientes contumazes.

Nessa época, morar no Centro da cidade era bom. Primeiro porque o Centro possuía o melhor IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Morávamos na confluência das ruas da Bahia, com Guajajaras e Avenida Álvares Cabral, no Edifício Capri.

E trabalhávamos próximo, na Rua Goiás, 36, na redação do jornal Estado de Minas. O nosso mundo era o Centro da cidade. A Praça Sete ainda mantinha status de ponto de encontro devido aos cafés Pérola e Nice, onde se podia encontrar gente bem vestida trajando terno e gravata e até mesmo chapéu, muitos com jornais e livros debaixo do braço.

Ali funcionava a livraria Pax, do livreiro Creudo Catramby, ponto frequentado por escritores e jornalistas onde se encontravam os jornais do dia e livros diversos de literatura. Não dá nem para comparar o brilho do Centro daquela época, com as feições de hoje, abarrotado de gente, carros e motocicletas.

A transformação do Centro foi veloz, a partir do surgimento do BH Shopping, em setembro de 1979, para onde o comércio mais nobre se mudou. Outros shoppings surgiram, de modo que não há mais em Belo Horizonte um ponto famoso onde as pessoas se encontram ou encontram conhecidos.

Existem vários pontos espalhados em todas as direções da cidade e cada tribo ocupa o seu quadrado. Várias são as BH’s dentro de Belo Horizonte. A cidade cresceu e cresce. Muita gente fica meses sem ir ao Centro.

Os bairros se foram modernizando de modo que os moradores têm de quase tudo a mão para comprar, desde o mais simples ao mais sofisticado produto. Galerias, shoppings e supermercados surgiram e em menos de 40 anos Belo Horizonte se transformou.

A cidade melhorou por uns lados. Mas por outros piorou bastante, principalmente em termos de qualidade de vida. A poluição do excessivo número de carros nas ruas chegou ao nível do insuportável. Principalmente para quem fica no Centro o dia inteiro.

Sem falar, claro, na questão da segurança pública, pois se na década de 1970 era possível sair às ruas e se sentir seguro, atualmente, a desconfiança tomou conta de todos e ninguém mais deixa de olhar para os lados ao sair de casa ou chegar da rua.

Claro que não se consegue barrar o tempo, mas também não precisava mudar tanto assim a Belo Horizonte antes “cidade jardim”.

A velocidade com que a cidade perde a memória arquitetônica, a cada casa demolida para dar lugar a um edifício, numa comparação incomum, é como Fusquinha disputar corrida contra carro de Fórmula 1.

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