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As atas secretas venezuelanas

As atas secretas venezuelanas

A verdade ou dúvida, no caso do questionamento do resultado daquela eleição, estaria confirmada pelas Atas em questão. Se estas passam a estar sob sigilo, nada a respeito se terá

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24-08-2024 às 09h:19

Rogério Reis Devisate*

Já ouvimos falar na expressão “colocar o sofá na sala”, significando algo que nos distraia do problema real. Agora, com a Suprema Corte venezuelana determinando segredo sobre as Atas relativas ao processo eleitoral, que gerou a questionada vitória do atual governante, parece que “o sofá” já foi retirado da sala e o problema estaria resolvido.

A questão é que o mundo se mobilizou nesses últimos dias, atento e questionador sobre o resultado das eleições venezuelanas. Várias lideranças pelo mundo se manifestaram a favor da apresentação das Atas relativas às eleições, não só para se afastar as dúvidas relativas ao processo eleitoral e ao resultado incerto, como também para acabar com o clima de intranquilidade interno, que gerou mortes, a prisão de milhares de pessoas e protestos locais.

Com a decisão da Corte Suprema venezuelana, parece que tudo está encerrado.

O segredo não é amigo da verdade. Ambos caminham como lados opostos da mesma moeda, um de costas para o outro, sem se comunicar e um negando a existência do outro.

Para um lado da moeda, o outro não existe. Quando se afirma a verdade e esta se consolida, não há dúvidas possíveis. Por outro lado, quando se consolida uma mentira, a verdade desaparece.

A verdade ou dúvida, no caso do questionamento do resultado daquela eleição, estaria confirmada pelas Atas em questão. Se estas passam a estar sob sigilo, nada a respeito se terá, o conhecimento estará negado e o conteúdo das Atas selado, guardado a sete chaves e a humanidade que conviva com isso.

Oito milhões de venezuelanos já deixaram o país, possuidor da maior reserva de petróleo do mundo e cujo povo vive em condições de crise humanitária.

Não é possível que apenas se pense que “os incomodados que se mudem” quando a causa do incômodo decorre de procedimentos outros que culminaram na eleição tão questionada e, agora, com o enterramento da possibilidade de se confirmar o resultado pela avaliação das Atas em questão.

A dúvida não é salutar, nesses processos eleitorais. Ela afeta a legitimidade do governante e, sem essa qualidade, o poder e o seu exercício ficam questionados. Com a crise de autoridade, esta deixa de agir pelos caminhos naturais e legais, substituindo a coercibilidade (natural ao exercício do poder e ao pacto social de cumprimento das regras pelo bem da paz e ordem social) pela força.

O poder com legitimidade é saudável ao contexto social. O poder sem legitimidade e exercido pela força equivale ao que se chama de ditadura, de governo pela força, tanto pela imposição da sua própria existência e sobrevivência quanto por buscar prender e calar quem não concorde. Cada ato de resistência popular tende a ser combatido pela força à disposição do governante, por exércitos ou policiais.

O medo aumenta, a tensão se instala e, se gentileza gera gentileza, como dizia o Poeta, tensão gera mais tensão e a cada ato se terá reação à altura e, assim sucessivamente, até que as coisas não terminem bem. Aliás, apenas incautos poderiam achar que má árvore daria bons frutos ou que coisas começadas de modo errado pudessem dar bons resultados. A sabedoria popular já disse que “pau que nasce torto não endireita”.

*Rogério Reis Devisate é Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ.  Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania, Diamantes no Sertão Garimpeiro e Grilos e Gafanhotos: Grilagem e Poder. Co-coordenador da obra Regularização Fundiária Experiências Regionais, publicada pelo Senado Federal.

 

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Sempre brilhante nos seus textos e nas suas conclusões.

Mais uma reflexão exposta com muita clareza por nosso inteligente Rogério.

 

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