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Apagão acende a luz da governança e segurança de dados

Apagão acende a luz da governança e segurança de dados

Ao expandir para a quantidade de companhias de tecnologia no mundo, o cenário não fica muito diferente: cinco controlam mais de 80% do mercado de armazenamento de dados.

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24-07-2024 às 09h:25

Adriano Augusto Dias de Souza*

Já nas primeiras horas do dia 19 de julho, uma atualização no programa de segurança Falcon da empresa de proteção de dados “CrowdStrike” balançou a sexta-feira em todo o mundo. Em diversos países usuários de computadores e ferramentas da Microsoft relataram impossibilidade do acesso por horas. Isso se deveu a uma nova versão do Falcon ter sido operacionalizada mesmo com falhas em sua programação, afetando a forma com a qual dados podem ser acessados. O impacto deste feito cancelou voos em aeroportos dos Estados Unidos à Austrália. Serviços de atenção à saúde tiveram seus acessos à resultados de exames, fichas, receitas e demais necessidades temporariamente interrompidos. Além disso governos, bancos, redes de comunicação e diversos outros estabelecimentos tiveram seu funcionamento prejudicado pela chamada “tela azul” apresentada.

Para a empresa “CrowdStrike” esta negligência rendeu a desvalorização relâmpago de cerca de R$ 50 bilhões em apenas 1 dia. Mas, e para a população?

Atualmente, desde a mais simples participação em uma tendência virtual para compartilhar com os amigos até os históricos de saúde mais sigilosos e complexos estão sobre um regime de políticas de informações das empresas prestadoras. O quanto maior a quantidade de clientes de uma empresa, maior o banco de dados recolhidos destes usuários de seus produtos ou serviços. As maiores empresas contratam soluções terceirizadas para armazenamento e gestão de toda esta informação com empresas de nuvem (“clouds”). As especializadas no ramo tecnológico, como a “Microsoft”, oferecem dentre outros estes serviços de estocagem e provisão de dados. Já as especializadas em segurança cibernética, como a “CrowdStrike”, prometem oferecer proteção a ataques de “hackers” a estes bancos de dados os quais abrigam as preciosas noções sobre a vida de mulheres e homens pelo mundo afora. Resta a reflexão sobre as dimensões de valores colossais movimentados pelo mercado de proteção e armazenamento de dados, sempre na casa dos bilhões. Além disso, como falhas na segurança destas operações afetam setores críticos da existência humana e como a gestão das informações sobre a vida das pessoas está sendo tratada hoje no mundo?

Superados deletérios discursos sobre a importância (ou não) da aplicação das tecnologias digitais no cotidiano, o imperativo que volta e meia tem exprimido sua importância é como esse assessoramento deve ser feito.

Desta vez o incidente ocorreu com cerca de 9 milhões de aparelhos da Microsoft ao redor do mundo. Ainda em 2024 vimos um apagão atravessar mais diretamente a rotina de bilhões de usuários de produtos da Meta, em março. Outras empresas como a Google, a Apple e a Amazon reúnem em seus cadastros bilhões de usuários de seus serviços. Cada uma dessas empresas aqui citadas tem origem estadunidense. Isto representa um monopólio geopolítico no mercado da informação. O poder em cadeia conferido a cada uma delas dificilmente pode ser descrito.

Ao expandir para a quantidade de companhias de tecnologia no mundo, o cenário não fica muito diferente: não mais que 5 empresas controlam mais de 80% do mercado de armazenamento de dados. Neste caso os expoentes que se destacam são, ainda, os Estados Unidos e a China. Em contraste a estes impérios voluntariamente formados de seguidores e usuários das chamadas “Big Techs”, o setor público que tenta delimitar moldes para a atuação das gigantescas em seus territórios e na vida de seus cidadãos. Contudo, o recorrente discurso sobre a desoneração do papel do Estado e a atuação cada vez mais insípida das instituições públicas na vida das pessoas, desde a virada do século XX, vem de encontro com os desejos de liberdades sem responsabilização por parte das corporações.

No Brasil as últimas tentativas de se discutir regulação do mercado e compartilhamento de notícias foram duramente atacadas por parcelas da população que, sob brado da liberdade de expressão, optaram por ignorar quaisquer impactos nefastos da atuação das corporações no dia a dia da sociedade. Sobre o atual incidente, com a atualização da “CorwdStike” e os computadores da “Microsoft”, tem se noticiado o quão menores foram os impactos no Brasil. Esta é uma demonstração do quão tímida é a participação do país neste mercado. O Brasil, assim como a maioria esmagadora dos países, até então entra para esta virada de página do século XXI simplesmente como usuário destas tecnologias, atuando timidamente nos processos de desenvolvimento. Ora, se a segurança e o armazenamento de dados são de interesse de todos e de cada um, não deveria ser este justamente um assunto a ser pautado pelo setor público?

Urge a necessidade de serem discutidas estratégias para esta nova seara da vida humana. Apesar de um grande número de universidades e pesquisadores em seu território, o Brasil ainda investe esforços financeiros muito aquém dos necessários para alavancar temas como sistemas de informação, ciência de dados e inteligência artificial. É necessário pensar estratégias em níveis que possam evadir as tendências de monopólio de dados. Estes são argumentos que corroboram para que a sociedade contemporânea sofra menos os riscos das novas formas de colonialismo, próprias do tempo atual.

*Adriano Augusto Dias de Souza é cientista do Estado

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