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A cena mais violenta que já vi, em 55 anos de Jornalismo

A cena mais violenta que já vi, em 55 anos de Jornalismo

Descia a pé a Avenida Prudente de Morais, e na altura de um conjunto de prédios à direita resolvi descer uma escada, mas percebi que o final dela estava todo tomado de lixo.

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28-07-202às 07h07

Alberto Sena*

Neste sábado, 27 de junho, vi pela primeira vez nesses meus 55 anos de Jornalismo, iniciado em 1969, no O Jornal de Montes Claros, no Norte de Minas, vi no dia de hoje, repito, a imagem mais violenta de toda a minha vida profissional.

Nem a imagem vista aos 17 anos na cobertura de polícia, de um homem assassinado pelo amante da esposa dele e encontrado no mato com a boca aberta cheia de formiga e mosquitos, nem essa imagem me chocou tanto quanto a que vi neste sábado, depois de uma caminhada ao redor da Barragem Santa Lúcia, de onde saquei uma sequência de fotos do Parque Municipal Jornalista Eduardo Couri, contemporâneo meu na redação de jornal, aqui, em Belo Horizonte, na Rua Goiás, 36.

Descia a pé a Avenida Prudente de Morais, e na altura de um conjunto de prédios à direita resolvi descer uma escada, mas percebi que o final dela estava todo tomado de lixo. Pensei duas vezes e resolvi descer a escada assim mesmo.

Imagina a surpresa minha: em meio ao lixo estava uma pessoa, um homem talvez, dormindo. Para mim foi um choque porque já vi de tudo nesta vida, mas encontrar uma pessoa, gente como a gente, em meio ao lixo ao ponto de achar que era tudo um lixo só. Foi demais para mim! Diferentemente da imagem do homem morto vista logo aos 17 anos, esse que vi hoje estava vivo.

O leitor do Diário de Minas poderá ter a interpretação que quiser, tem toda a liberdade. Pode se perguntar por que eu não retirei a pessoa dali. Pode. Mas o que faria eu com essa pessoa? Não teria como levá-la lá para casa. Esse é o dever do Estado. E mesmo porque ela faz parte de centenas de outras pessoas que se encontram dormindo nas ruas de Belo Horizonte.

Os insensíveis ao problema social mais grave que testemunhamos irão dizer que isso não é exclusividade de BH. A coisa está assim no mundo inteiro, até em Paris, onde se realizam as Olimpíadas; está assim em Nova Iorque e em outros lugares.

Só que eu, repórter, não aceito esse tipo de argumento porque não resolve o problema. Penso globalmente, mas atuo localmente. E o meu “localmente” é aqui, Belo Horizonte, onde vivo e digo que o próximo prefeito terá de assumir como primeira de suas prioridades resolver esse problema social gritante.

Sou pedestre por opção e ando pelas ruas do Centro de Belo Horizonte, que já foi bonito e tinha um cheiro característico e atualmente o perdeu, e vejo pelas calçadas seres humanos que estão ali por uma circunstância da vida e não recebem assistência social da Prefeitura.

O próximo prefeito terá por obrigação atacar esse problema porque será exaustivamente cobrado, afinal, a concepção de um bom prefeito é cuidar das necessidades da população concomitantemente às da cidade, em função de sua gente.

Espero nunca mais ver a imagem que vi neste sábado. E, então, o leitor do DM pode perguntar: “Cadê a foto?” Respondo: Não fotografei. E o leitor devolverá: “Por que você não fotografou”? Respondo: Porque fiquei com vergonha, tamanha a violência da cena e a degradação humana.

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Sinto a sua indignação. A pessoa está em situação tão degradante que não sabe se separar do lixo. Sua alimentação vem do lixo, sua cama é o lixo, assim como o funcionamento da assistência social local está se mostrando um lixo. Que venham políticas públicas municipais robustas, para reduzir o sofrimento dessas pessoas tão humilhadas pelo sistema. Entendo o seu pudor em não expor aos olhos públicos em imagens a sua revolta. Foi um gesto de respeito. Cabe a você denunciar e aqui você está bem usando a sua voz.

 

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