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A arte de amar, Manoel Bandeira & Rufino Fialho

A arte de amar, Manoel Bandeira & Rufino Fialho

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma, A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação, Não noutra alma. Só em Deus - ou fora do mundo.

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16-02-2024 às 07h:27

Manoel Bandeira & Rufino Fialho*

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma,

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação,

Não noutra alma.

Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

 (Manoel Bandeira, Poesia Completa e Prosa, Belo Belo, página 288,

Editora Nova Aguilar SA, 1977, RJ)

 

A gramática dos corpos

Um léxico para o beijo e o prazer

Rufino Fialho Filho

 

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Existe uma linguagem dos corpos.

Qual é, qual é a sua gramática, o seu léxico, a sua lógica?

Quais são as palavras e as regras desta linguagem?

Onde aplicar a vírgula? O que é a vírgula?

O pronome? Não pronuncie.

Toque. Olhe. Sinta.

Ela é suave, é forte, cheira. É a fala calada de odores. Não resista.

 Ah!

 Ou faça da resistência fonte de maior expectativa. Depois, ceda.

 Não faça da vida, tempo.

 Esqueça o lá fora.

 Lá fora é lá fora.

 Neste léxico não há composição com o tempo.

 Muito menos com o espaço.

 A não ser que chova.

 Corra os olhos, deite com os olhos sobre o chão,

 sobre a cama

 e sobre o corpo.

 Apalpe-o com os olhos, com as mãos, com a língua.

 A língua seria a vírgula e não teria sexo, isto é, não teria gênero.

 A língua é masculina.

 A língua também é feminina.

 Neste léxico, a língua é comum de dois gêneros.

 Está em meu corpo, está em seu corpo.

 E os pés?

 Jamais esqueça a função dos pés?

 Caminhar, não!

 Correr, não!

 A função dos pés é substantiva.

 Não existem pés adjetivos.

 Aprenda a acariciar com os pés e saberás como é belo recuperar nossa memória animal.

 Siga direto para o verbo, sempre, sempre.

 Corpo é essencialmente verbo,

 irregular ou não,

 auxiliar ou não,

 corpo é verbo.

 É tão fácil de declinar

 O corpo se faz verbo por todos os tempos em todos os encontros.

 Lembre-se sempre que nas melhores gramáticas

 é sempre grande o papel das pequenas palavras,

 quase sons imperceptíveis,

 quase inaudíveis.

 Como gramática expositiva, o corpo se expõe, se dispõe.

 É fotogênico, qualquer corpo, em todas as posições.

 Corpo é aventura gramatical,

 suas regras se resumem sempre em um corpo,

 um corpo só,

 capaz de atingir estrelas, falar com estrelas,

 escalar Everestes,

 atravessar luas, todas as luas,

 porque as faz luas de planetas e de corpos.

 Gramática histórica,

 onde o corpo é aprendizado permanente

 e se extrai apenas de si mesmo, do próprio corpo,

 ele já contém toda a história e como corpo é único depositário de toda a sabedoria,

 é ele mesmo museu e sítio arqueológico,

 busca em um corpo e encontrarás prazeres de faraós

 e neandertalácticos.

 Da gramática do corpo à enciclopédia corporal há mais do que um passo,

 há um leve tocar de lábios,

 é quando dois se dizem muitos, milhares

 é quando surgem os neologismos da insensatez.

 E da pureza.

 Eu sou um só

 Entretanto, um apaixonado.

 Meu único adjetivo é um verbo:

 Amar.

 Só vale a gramática do corpo.

 E tudo é substantivo.

*Jornalista e escritor

 
 
 
 
 
 
 
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