O Defunto merece ser enterrado
Certa vez observei uma cena que nunca esqueci com um vizinho, daqueles que não repara e nem cumprimenta ninguém. Algo especial estava acontecendo
17-01-2024 às 09:59h.
Cléria/Cléo Zocrato*
Tínhamos um “encontro marcado” por um tempo, sempre no mesmo horário, no ponto do ônibus. Certo dia, ele chegou ao “encontro” diferente. Algo especial estava acontecendo e foi visível ao meu olhar de observadora.
Seu semblante havia mudado, um meio sorriso discretamente brincava seus lábios. Logo tirou do bolso o celular e, com a mesma mão cujo o dedo abrigava uma antiga e gasta aliança, deu início a uma ligação. O rosto se iluminou, o sorriso assumiu seu lugar. Subiu no ônibus e seguiu viagem na companhia daquela voz que sussurrava gentilezas e acariciava seus ouvidos. A troca era perfeita, fala mansa e baixa, para quem ninguém ouvisse e testemunhasse o interminável diálogo que daria a eles um “bom dia”. Por dias presenciei a mesma cena, que com o tempo deixou de existir, talvez pela mudança do horário da “conversa”, ou por terem terminado.
Talvez enfrentasse uma crise no casamento, pois chegava sempre impaciente e com um ar mal humorado no ponto de ônibus. Até que passou a fazer as “ligações” que aliviavam a tensão de uma noite de lado para parede, um café da manhã com zero palavras ou mais uma discussão por coisas banais.
O tempo das relações não define essas crises. O poeta dizia “Que seja infinito enquanto dure”. Durar o quê? O que nutre as relações? Algo que seja a coluna, o eixo que se não tiver base sólida e firme, não sustentará. Mas podemos desejar e ter várias pessoas? Podemos!
Para isso foi criada a “Relação Aberta”.
A solução para ambos viverem livremente estas “relações” paralelas, sem medo de ser apanhado “traindo” a confiança do (a) parceiro (a) e sem maiores danos.
Mas nem todos estão prontos para essas relações e isto precisa ser avaliado, discutido e acordado.
Sempre parabenizei casais que se separavam, e, quando isto acontecia, recebia olhares de reprovação de quem estava por perto e presenciava meu entusiasmo em apoiar o desfecho. Parece haver um gozo em cultuar o “defunto”. Aquele que já morreu merece o enterro digno de sua vida abençoada.
Sim: abençoada! Por momentos de prazer e alegria como os que estampavam o rosto moço no ponto de ônibus.
“Vida morte vida” como disse a psicanalista e escritora.
*Cléria/Cléo Zocrato é gineterapeuta, artista plástica, empresária e reikiana. Condutora de grupos femininos e masculinos, atuando também nas terapias integrativas e artísticas.
4 comentários
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Comentário
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Muito sensível e lindo, bem ao seu jeito! Parabéns!
Excelente texto!
Para estes tempos que estamos vivendo.Ciclos que já se encerram, mas casais ainda insistem em permanecerem juntos.Necessário este ciclo vida-morte-vida.Parabéns pelo texto.
Texto lindo, parabens