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Simphronio no Conselho Editorial do DM

Simphronio no Conselho Editorial do DM

Considerado um dos grandes jornalistas da nossa história, um profissional do fazimento de criar jornal e televisão por onde passou nessas mais de 6 décadas de Jornalismo autêntico

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17-01-2024 às 06:16h.

Alberto Sena Batista*

Ele estava sentado numa cadeira, na sala de visita, de onde se podia observar, através de uma parede de vidros transparentes, o pomar onde resistem a produzir ali um pé de limão galego e outro de goiaba, mais outro de abacate e vários pontos são tomados por taioba, folha de qualidades nutritivas.

Ele estava sentado, como dizia, boné de detetive escondendo a calvície, bermuda azul, camisa branca e sandálias de borracha. Tinha ao lado um personagem também sentado numa cadeira semelhante, o jornalista Tito Guimarães Filho, diretor de Redação do Diário de Minas.

Cheguei e me afundei em um sofá, depois de apertar a mão dele. Meses atrás fizemos uma visita a ele, só que foi no hospital São Lucas.

Desta vez, ele, considerado um dos grandes jornalistas da nossa história, um profissional do fazimento de criar jornal e televisão por onde passou nesses mais de 60 anos de Jornalismo autêntico, de quando a notícia publicada tinha até valor de documento anexado em processos na Justiça mineira.

O nome dele é Symphronio José da Veiga, hoje com 84 anos de idade, responsável por criar redações de jornais e TV, formador de dezenas de jornalistas com seu estilo mineiro de ser, daqueles que transpiram política e se dependesse dele o mundo seria muito melhor, mais justo, sem as desigualdades gritantes que acabam por tornar essa humanidade boiada, até hoje sem saber o que faz, apequenada por demonstrações práticas de desumanidade.

Fomos, Tito Guimarães e eu convidar o Sinfra, como é chamado na intimidade, a integrar o Conselho Editorial do Diário de Minas, versão digital, ele que, noutros tempos, dirigiu a Redação do DM impresso. “Com todo prazer, anuiu ele”. Prazer dele e nosso, porque sabemos, o “bom filho à casa torna”.

Poderia ficar o dia inteiro falando sobre o Symphronio e o que ele representa para todos nós como jornalista de cepa, como se dizia nos tempos nem tão antigos assim, para denominar o profissional de raiz formado a partir da leitura dos clássicos da literatura universal, e que no calor das redações conviveu com os melhores profissionais numa época em que pilhas e mais pilhas de jornais eram vendidos diariamente, antes do advento da informática e da internet, responsáveis pela mudança por um lado drástica de fazer jornal impresso.

Observando o Sinfra, a essa altura da caminhada, é fácil ler em seu semblante, por detrás do jeito irrequieto de ser, um coração de quem não pensa só em si mesmo. É possível que essa qualidade tenha feito dele o homem de hoje, de consciência tranquila do dever cumprido, aposentado, com uma porção enorme de histórias e casos que o jornalista Tito Guimarães teve o cuidado de compilar e, data vênia, Sinfra autoriza publicar.

No ano de 1965, quando no CPOR – Centro de Preparação de Oficiais da Reserva – em BH, a conclusão do IPM – Inquérito Policial Militar – contra ele foi a seguinte:

 “Pelo exposto, verifica-se que o aspirante a oficial Symphronio José da Veiga é:

1. Elemento recalcado

2. Pernicioso

3. Altamente deletério à harmonia reinante nas Forças Armadas

4. Marcha pachorrentamente

Esta, ele repetia soletrando: pa-chor-ren-ta-men-te

5. Fez no quartel proselitismo de Fidel Castro.

6. Escreveu (apresentaram recortes) notícias nocivas à harmonia nas Forças Armadas simultaneamente nos jornais O Globo, Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Estado de Minas, Diário de Minas e Diário da Tarde"

E por falar em Diário da Tarde, Sinfra tem uma opinião exposta sobre o fim do veículo, 77 anos depois de criado:

“O fechamento do Diário da Tarde (28/07/2007) vai resolver a crise na mídia impressa dos Diários Associados em BH? Com toda a certeza que não. Imperdoável erro mercadológico foi a criação, há pouco mais de dois anos, de um jornal popular, o Aqui, (planejado para o segmento do tradicional Diário da Tarde, do mesmo grupo do Estado de Minas) e especialmente criado para concorrer com o bem-sucedido campeão das bancas Super Notícia, lançado há cinco anos, copiado em forma e conteúdo do consagrado Diário Gaúcho.

“Possuindo um vespertino tradicional, os dirigentes associados deveriam investir no próprio Diário da Tarde, adequando-o em formato e texto aos moldes dos tabloides franceses e ingleses. Criariam uma postura adequada para enfrentamento do poderoso Super, na ocasião já o preferido em venda avulsa, superando o até então imbatível Estado de Minas, tido naquele tempo como “o grande jornal, dos mineiros”.

“E para ilustrar a nossa visita ao amigo e colega com “outra coisa”, leiam o que ele, certa feita, escreveu sobre a palavra “coisa”.

“Por ter “mil e uma utilidades”, a palavra coisa virou um bombril da Língua Pátria. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português.

“Gramaticalmente, coisa pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma coisificar. E no Nordeste há coisar: “Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?”.

“Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as coisas nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o Aurélio. “E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego).

“Na Paraíba e em Pernambuco, coisa também é cigarro de maconha.

“Em Olinda, o bloco carnavalesco “Segura a Coisa” tem um baseado como símbolo em seu estandarte. Alceu Valença canta: “Segura a coisa com muito cuidado / Que eu chego já”. E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente grande, há também o “Segura a Coisinha”. [Incentivando crianças ao uso de baseado?]

“Na literatura, a coisa é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu a crônica “O Coisa” em 1943.

“A Coisa” é título de romance de Stephen King.

“Simone de Beauvoir escreveu “A Força das Coisas”, e Michel Foucault, “As Palavras e as Coisas”.

“Em Minas Gerais, incluindo – claro - a vetusta Itapecerica, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que aqui é chamado de a coisa. A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: “Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!”.

“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)”. A garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro.

“Mas se ela voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca”. Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.

 “Sampa também tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta “Alguma coisa acontece no meu coração”, de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).

“Em 1997, a NASA lançou a “Missão Mars Pathfinder”, enviando um robô para explorar Marte. O mecanismo foi programado para ser acionado a partir do som de uma música e a escolhida foi um samba de Jorge Aragão/Almir Guineto/Luis Carlos da Vila. Assim, o robô da Nasa, foi “acordado” com a música: “Ô coisinha tão bonitinha do pai...”. Lembram?

“Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim!

“Coisa de cinema! “A Coisa” virou nome de filme de Hollywood, que tinha o “seu Coisa” no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente,

Marcelo Madureira faz o personagem “Coisinha de Jesus”.

“Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, “coisa nenhuma” vira “coisíssima”.

“Mas a “coisa” tem história na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré: “Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar”, e A Banda, de Chico Buarque: “Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor”. Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro”.

“Cheio das coisas. As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não se esquece. Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração. Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o “rei” das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as coisas.

“Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade afinal, “são tantas coisinhas miúdas”.

“Todas as Coisas e Eu” é título de CD de Gal. “Esse papo já tá qualquer coisa... Já qualquer coisa doida dentro mexe”. Essa coisa doida é uma citação da música “Qualquer Coisa”, de Caetano, que canta também: “Alguma coisa está fora da ordem”.

“Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal.

“O cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa.

“Para o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.

 “A coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: “Agora a coisa vai”. Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!

“Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema "Eu, Etiqueta", Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." E, no verso do poeta, ‘coisa’ vira “cousa”.

“Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para serem usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas?

“Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.

 “Mas, “deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda.

“Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento:

“AMARÁS A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS”.

Pois, então, nós do Diário de Minas, sob a direção do empresário Soelson Barbosa Araújo, que pelo celular tirou um dedo de prosa com Sinfra, diretamente de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha (MG) achamos que “grande coisa” o grande jornalista mineiro fez em aceitar o nosso convite para integrar o Conselho Editorial do DMdigital.

*Alberto Sena Batista é editor Geral do DM

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Grande Simphronio, exemplo para todos nós. Abraço. Amigo. Danilo Andrade

Sinfrônio foi meu primeiro chefe e editor. Isso em 1975, no Diario de Minas. Sofreu muito comigo, mas aguentou. Minha primeira notícia foi parar na lata de lixo, literalmente. Foi paciente e me ensinou muito. Depois mos encontramos na sucirsal de O Globo, em BH. Gratidão eterna.

três grandes jornalistas em volta de uma garrafa de café e um queijo minas. Saudades, Durval.

Fui copy-desk de Cidades do DM quando Sinfra era o Editor, em 1974/75/76. O chefe de Redação era o saudoso e talentoso Tião Martins. Trabalhava tarde/noite no DM e, pela manhã, já era editor local do Jornal Hoje da TV Globo. Foram 3 anos de aprendizagem de Jornalismo Impresso com esse profissional magnífico e cidadão honrado e de enorme coração, chamado Symphrônio Veiga!

Grande Sinfhronio! Benevolente, prestativo, humano. Desculpe-me. Mas "um puta jornalista" que nos tempos atuais não fazem mais. Morei em BH a 33 anos atrás e era uma referência para nós.

Jamais vi uma figura com tamanho carisma. Symphronio foi meu chefe e inspirador de como fazer televisão nos anos 60. De uma capacidade ímpar, generosidade maior que seu coração, o Sinfras conseguiu formar aqui um excelente grupo de comunicadores, editores, redatores e repórteres. Vez por outra nós nos falamos pelo telefone. Hoje a noite será dia de cumprimentá-lo. Não será durante o dia, porque ele detesta ser interrompido quando está fazendo seu trabalho. E é por isso que o faz bem e conscientemente. Meu grande chefe e respeitando o seu tempo de jornalismo e de amizade quero dizer que ainda temos muito o que conversar… porque ainda tenho muito a aprender com você, principalmente de humanidade, humildade e dedicação. Grande abraço.

Vocês me fizeram chorar de alegria.

 

Synergyco

 

RBN