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Com Henry Kissinger morre uma era

Com Henry Kissinger morre uma era

Kissinger não precisava de comitiva para ser recebido pelo presidente chinês. Foi em nome próprio e de surpresa, como na reunião de julho de 2023, com Xi Jinping. Era desse quilate.

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01-12-2023 às 09:39h.

Rogério Reis Devisate

Morreu Henry Kissinger. Essa notícia estampou os jornais, pelo mundo.

De poucos se poderá dizer com tanta veemência o que certamente cabe à Kissinger: não foi daqueles cuja vida passou sem grandes realizações.

Gostemos ou não da sua passagem pelo mundo, é inegável que não ocorreu sem ser notada.

Neste artigo não faremos panegírico. Apenas contextualizaremos o fato para concluir que, com a sua morte, morre uma era.

Singelo exemplo: Kissinger não precisava acompanhar comitiva para ser recebido pelo presidente chinês. Foi em nome próprio e de surpresa, como exemplifica a reunião de julho de 2023, com Xi Jinping. Era desse quilate.

Escreveu livros que nasceram clássicos. Sobre alguns me debrucei e avidamente absorvi o que pude. Falo de 3 obras, intituladas Diplomacia, Sobre a China e Ordem Mundial. A sua percepção era lúcida, quase com bola de cristal e, assim, determinante para melhor se compreender dois séculos: o que se findou e o que se inicia.

Da sua vida cheia de ocorrências marcantes, talvez a primeira tenha sido salvar-se do destino que os nazistas lhe imporiam. Da Alemanha foi para os Estados Unidos, onde trabalhava de dia e estudava à noite, no ensino médio. Serviu na 2ª Guerra, após estudou em Harvard e, a partir daí, o seu destaque foi absoluto.

A sua tese de guerra nuclear limitada e tática foi dominante sobre uma era, freando a hipotética alternativa de guerra nuclear total – e exterminadora de tudo.

A sua ideia, portanto, influenciou o que vivemos nos últimos anos – e, de certo modo, estamos vivos em razão disso.

Passou a frequentar as mais altas rodas políticas nos Estados Unidos, atuando em jogos patrióticos americanos, em várias frentes, mundo afora, durante várias décadas.

Herói ou anti-herói, participou de jogos de guerra, como estrategista e conselheiro de muitos, deem-lhe ou não crédito oficial.

Como poucos pôde influenciar o mundo, nos últimos 50 anos. Certamente, mais do que muitos, o fez por mais tempo e com imensa penetração. Talvez tenha feito até mais do que permitiram a outros os cargos de presidente, vice-presidente ou afins. Eram o seu nome e a sua mente as credenciais para que obrasse.

Seu reinado foi quase tão logo quanto o da falecida rainha da Inglaterra. Não os comparamos, a não ser pela capacidade que ambos tiveram de influenciar, de modo diferente, os destinos de países, governantes e povos, mundo afora, por décadas e décadas. A rainha faleceu ano passado, aos 96 anos; Kissinger faleceu em 29.11.2023, aos 100 anos.

Kissinger foi dos que, certamente, com mais desenvoltura frequentou os salões da alta política norte americana, com ouvido e, mais do que isso, voz aconselhadora e, portanto, com participação determinante para o rumo de ações que interfeririam e ditariam atos na geopolítica. Frequentou, também, outros salões importantes, mundo afora...

Agiu como Secretário de Estado e Conselheiro de Segurança Nacional de dois presidentes americanos: Richard Nixon e Gerald Ford. Só isso já seria muito.

Mas agiu também longe dos holofotes, como quando foi destacado para assessorar Nelson Rockfeller. Rockfeller, rico – ou melhor, muito rico – poderia contratar os melhores e, por isso, contratou Kissinger.

Mesmo que não tenha exercido a presidência, é crível que sua diplomacia foi determinante em várias ações. Registra-se em livros os episódios envolvendo a morte de Salvador Allende e o Golpe no Chile, as guerras do Vietnã, do Camboja e do Laos, as questões com a URSS, inclusive a área de contenção entre a sua sucessora, a Rússia, e a OTAN - o que se reflete, diretamente, na corrente guerra da Ucrânia.

Ajustou um caminho dos EUA com a China e, também aqui, criou uma contenção com a Rússia.

É crível que será lembrado e até estudado, por essas ocorrências todas - e muito menos por ter recebido um (controvertido) Prêmio Nobel da Paz. Aliás, há episódios interessantes e que muito devem representar, como o que narra que ficou tão surpreso, em certa reunião, que chegou a derramar café quando um grupo de viúvas do 11 de setembro lhe solicitou que apresentasse a “lista dos seus clientes”, como registra Greg Grandim, em obra a seu respeito. Deve haver muita curiosidade sobre o conteúdo dessa lista de consultoria... a ponto de ter preferido não presidir a comissão apuratória dos ataques à capital e à Nova York, como lhe pedira o presidente George Bush.

Pelo mundo afora, nem todos lamentarão a sua morte, embora acreditemos que não tenha passado despercebida.

Kissinger chegou a dizer, em 1963, que o Ocidente precisou de homens que soubessem “criar a sua própria realidade” - como fez.

Não sei se será visto como mito, mas o kissingerismo será estudado por muito tempo e, quiçá, com ele tenha mesmo morrido uma era.

*Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania, Diamantes no Sertão Garimpeiro e Grilos e Gafanhotos: Grilagem e Poder. Co-coordenador da obra Regularização Fundiária.

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