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Diagnóstico do Andrada: Minas é a caricatura do prestígio dos políticos mineiros

Diagnóstico do Andrada: Minas é a caricatura do prestígio dos políticos mineiros

Não existem mais Afonso Pena, Venceslau Brás, Artur Bernardes, Antônio Carlos. Nem dos homens porte de Milton Campos, Pedro Aleixo, JK e Israel Pinheiro

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21-06-2023 – 13h:15

Itamar de Oliveira*

A voz da experiência - O político, advogado e professor Bonifácio José Tamm de Andrada é um dos mais importantes líderes políticos de origem udenista de Minas Gerais. Ele faz parte de um grupo familiar – os Andradas – que tem grande protagonismo na história política mineira desde a proclamação da República.

Nascido em Barbacena, em 14 de maio de 1930, e conhecido como Andradinha, ele é filho e herdeiro político de José Bonifácio Lafayette de Andrada – o famoso Zezinho Bonifácio, signatário do Manifesto dos Mineiros, um dos fundadores da UDN e um dos mais ardorosos defensores do regime civil militar implantado em 1964.

Seguindo a orientação paterna, Bonifácio de Andrada foi secretário-geral e presidente do Departamento Estudantil da UDN mineira (1951) e presidente da União Estadual da UDN mineira (1952).

Logo depois de formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1953, voltou a Barbacena, onde se elegeu vereador em 1954. Iniciou uma caminhada parlamentar que continuou com quatro mandatos de deputado estadual e oito de deputado federal. Foi sucedido na Câmara dos Deputados pelo filho Lafayette de Andrada nas eleições de 2018.

O ramo mineiro da família Andrada, de origem udenista, juntamente com os herdeiros da família Bias Fortes, de raízes pessedistas, comandaram sempre a política de Barbacena. Atualmente, os Andradas se tornaram hegemônicos com a eleição de um deputado estadual – o jovem Dorgal de Andrada e do deputado federal Lafayette de Andrada.

A história política da família Andrada faz parte da história de luta contra a ditadura getulista do Estado Novo (1937/1945) e da oposição a dois partidos – PSD e PTB – durante o período democrático de 1946/1964. A família esteve na vanguarda do movimento civil-militar de 1964, uma espécie de “Estado Novo” da UDN.

Ao completar 90 anos, em 2020, o ex-deputado Bonifácio de Andrada voltou a Barbacena. Retirou-se da vida pública para descansar entre amigos.

Passamos uma tarde conversando. O assunto principal foi Hélio Garcia, mas divagamos e viajamos sem perder de todo o nosso tema.

O primeiro assunto: conjuntura política.

Cenário preocupante. Agonia do sistema de representação partidária. Partidos sem ideologia, sem conteúdo programático e sem propostas que os caracterizem. Siglas de conveniência. Sem projeto/missão nacional. Completa desorganização partidária e vazio de liderança(s).

Em Minas, o diagnóstico: o papel político de Minas é uma caricatura do prestígio dos políticos mineiros desde a Proclamação da República.

Não existem mais Afonso Pena, David Campista, Venceslau Brás, Delfim Moreira, Artur Bernardes ou Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (dentre outros).

Homens do porte de Benedito Valadares, Juscelino Kubitscheck, Milton Campos, Carlos Luz, Pedro Aleixo, José Bonifácio, Gustavo Capanema, Oscar Corrêa e Israel Pinheiro também estão em falta.

Finalmente entramos no nosso assunto: Hélio Garcia.

“Acho que conheci bem o ex-governador Hélio Garcia. Caminhamos juntos um bom pedaço de caminho. Hélio Garcia foi eleito deputado estadual na quinta legislatura (1962), graças ao empenho do então governador Magalhães Pinto que, na legislatura anterior, havia sofrido forte oposição parlamentar comandada pelo líder do PSD, Pio Canedo.

Fui deputado na quarta legislatura. Na legislatura seguinte, comandando politicamente o Estado, o governador José de Magalhães Pinto elegeu uma grande bancada na qual se destacavam jovens e promissoras vocações políticas.

Em decorrência das minhas relações afetivas e de família, fui deputado de primeiro mandato na fase de transição do comando político da UDN. Havia uma luta interna na UDN entre dois grupos de traços distintos: o grupo liberal, liderado por Milton Campos e comandado por Pedro Aleixo, e a corrente pragmática, conduzida por Magalhães Pinto.

Meus companheiros mais próximos, na quarta legislatura, eram Carlos Horta Pereira, José Cabral e Elias Souza Carmo, identificados com a corrente liberal de Milton Campos e Pedro Aleixo.

Na quinta legislatura, a correlação de forças mudou. Acompanhei sempre, com o máximo interesse, os acontecimentos políticos da Assembleia Legislativa, onde estive por quatro legislaturas.

Posso dizer que fui companheiro de Hélio Garcia na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados e no Governo de Minas. Hélio foi líder do governo Magalhães Pinto na Assembleia e secretário de Interior e Justiça. Fui líder da UDN e também secretário de Interior e Justiça no mesmo governo de Magalhães Pinto. Vi de perto o nascimento e o crescimento de Hélio Garcia na política mineira e brasileira.

Magalhães Pinto foi um político notável. Ele chegou para tomar o lugar da geração de Milton Campos e Pedro Aleixo e foi o maior adversário de Carlos Lacerda na luta pelo comando nacional da UDN.

Ficar ao lado de Magalhães passou a ser uma necessidade para quem desejava se manter ou se projetar na UDN mineira. Magalhães conseguiu montar um projeto de poder a partir do governo de Minas. O objetivo maior era conquistar a Presidência da República.

Hélio Garcia, Carlos Elói Guimarães, João Vaz e muitos outros foram eleitos deputados na quinta legislatura graças ao apoio firme de Magalhães Pinto.

Na UDN, havia um grupo de jovens que entrou de corpo e alma na campanha para eleger Magalhães em 1960 e para abrir um espaço na política mineira nas eleições de 1962.

Magalhães conseguiu se afirmar como líder cuidando de frear a impetuosidade do combativo Oscar Dias Corrêa, líder do grupo dos udenistas exaltados que se encantavam com a pregação política de Carlos Lacerda.

Oscar Corrêa foi convidado e aceitou ser Secretário da Educação de Magalhães Pinto. Alguns jovens entusiasmados com o talento de Carlos Lacerda acompanharam Oscar Corrêa em cargos e postos da Secretaria da Educação. E alguns jovens, também animados e inteligentes, perceberam que a embarcação do Governador Magalhães Pinto tinha horizontes para viagens mais ousadas. Muito deles, em postos distintos, disputavam a simpatia do Governador.

Um dos mais sedutores era o jovem José Aparecido de Oliveira. Ele ganhou a simpatia de Magalhães por mérito pessoal. Assim como o próprio Magalhães, não carregava diplomas e nada tinha de bacharel, como era da tradição udenista. Era um jornalista que sabia escrever, um sujeito encantador nas conversas. Uma prosa que o Governador apreciava muito. José Aparecido acabou se tornando uma peça importante de contato de Magalhães com o ainda acanhado universo da imprensa mineira, nas agências de publicidade e nos jornais e emissoras de rádio e televisão. José Aparecido cuidava também da articulação do Governo com os líderes políticos – prefeitos e vereadores – do interior.

Hélio Garcia não precisava lutar para ficar perto de Magalhães Pinto. Ele não era apenas apadrinhado. Era querido. Também era muito bom de conversa.  Entrava e saía do Palácio da Liberdade à vontade. Foi líder do Governo e não tinha grandes problemas para resolver.

O líder do Governo, de verdade, era o próprio Magalhães, que era particularmente atencioso com os deputados federais e estaduais. Quando havia algum embate mais duro com a oposição pessedista, quem entrava em campo era o líder da UDN, sempre escalado para defender a bancada e o Governo.

Hélio Garcia, na liderança do Governo, atuava com elegância na articulação dos bastidores. Foi ele quem, astuciosamente, articulou a eleição do deputado Walthon Goulart para a presidência da Assembleia Legislativa.

Goulart não era um sujeito qualquer. Reformado no posto de capitão da Aeronáutica, ele voltou para Muriaé, sua terra natal, e se elegeu deputado estadual pela UDN por quatro mandatos consecutivos. Foi uma pedra no sapato do grande cacique pessedista Pio Canedo.

Na escola de Magalhães Pinto, Hélio Garcia foi um aluno de destaque. Capaz de agir sem ferir, de conquistar espaço sem necessidade de usar a força dos cargos que ocupou. Claro que ele enfrentou dificuldades no curto período como Secretário do Interior e Justiça. José Aparecido disputava o espaço de articulação da política municipal. Nada que tirasse Hélio Garcia do prumo. Como Secretário do Interior e Justiça, Hélio Garcia não tinha nenhum prazer em cuidar de demandas dos chefes políticos do interior.

Hélio Garcia não disputava espaço político com ninguém. Não me lembro de vê-lo, uma única vez sequer, ocupando a tribuna da Assembleia Legislativa. Ele fugia dos discursos em plenário e não tinha o menor interesse pelo trabalho nas Comissões. Mas é inegável que ele tinha um estilo pessoal de atuar. Agia nos bastidores com a maior eficiência e desaparecia. Não celebrava vitórias e não sofria com derrotas. Caminhava com desenvoltura no tempo certo e na hora certa.

Ele não disputava qualquer partida. Ele disputava o jogo completo e era capaz de olhar determinados embates sem o menor desejo de intervir. Era um aprendiz que logo se tornou mestre na arte de unir e de aproximar os desafetos. Coisa que o Dr. Magalhães Pinto sabia fazer com maestria.  

O governador Magalhães Pinto soube abrir o caminho para receber os udenistas da escola de Milton Campos e Pedro Aleixo. Ao prestigiar a nova geração de Rondon Pacheco, Aureliano Chaves e Oscar Corrêa, o Governador de Minas contou também com a experiência e a lealdade de José Monteiro de Castro, que se dava muito bem com os colegas de todas as idades e colorações políticas. 

Fui secretário do Dr. Magalhães Pinto. Vi bem de perto como ele sabia usar muito bem o potencial de cada colaborador. José Aparecido, por exemplo, era um assessor imprescindível. Ele já havia se destacado na aproximação com o ex-presidente Jânio Quadros e na articulação política que garantiu a vitória de Magalhães sobre Tancredo Neves na disputa do Governo de Minas.

Aparecido foi muito prestigiado. Ocupou diversas secretarias e foi figura de destaque durante o período de maior aproximação entre o Dr. Magalhães Pinto e o Presidente João Goulart. Foi um período de grandes inquietações em Minas e no Brasil.

Não é segredo para ninguém que tenho origem udenista, antigetulista e anticomunista. Assim sendo, não podia ver com bons olhos o “namoro político” do Governador Magalhães Pinto com o Presidente João Goulart. Em algumas ocasiões, tive a oportunidade de conversar com o Governador, a quem fiz questão de manifestar minhas preocupações.

Recordo-me de que, na primeira vez em que me abri com o Dr. Magalhães Pinto, ele estava na melhor fase das conversações políticas com o Presidente João Goulart.

– Dr. Magalhães, tenho sido procurado por muita gente que se diz preocupada com uma possível aliança política do senhor com o Presidente João Goulart.

– Andradinha, não se preocupe. É preciso avaliar os acontecimentos. Não podemos passar o carro na frente dos bois. A hora é de esperar tudo com paciência e atenção.

Mais tarde, tive a oportunidade de voltar ao assunto com o Governador.

– Dr. Magalhães, tem muita gente acreditando que o Presidente João Goulart deseja decretar o estado de sítio com o objetivo de implantar uma república sindicalista no Brasil.

– Calma, Andradinha. Não vai acontecer nada disso. Se nos afastarmos agora, o Presidente vai cair nos braços das esquerdas radicais. Aí, então, não haverá salvação. No momento, estou cuidando de segurar o ímpeto do coronel José Geraldo de Oliveira, que deseja ardentemente derrubar o Governo Goulart. Cada coisa no seu tempo.

Pude observar que as coisas estavam mudando e já era visível o constrangimento do Governador com os rumos da política nacional. Um pouco mais tarde, o ministro Antônio Gonçalves de Oliveira, mineiro de Curvelo, me telefonou avisando que seria recebido em audiência pelo Governador e pediu-me para acompanhá-lo no encontro com o Dr. Magalhães Pinto.

A conversa foi reciprocamente muito respeitosa. O ministro deixou claro o sentimento de completa oposição ao governo João Goulart sob o argumento de que estava em curso um golpe de estado para a implantação de uma república sindical comandada pelos comunistas.

O diálogo foi interrompido por um dos assistentes militares do governador que anunciou:

– Governador, o Presidente da República deseja falar ao telefone com o senhor.

O Dr. Magalhães pediu licença e conversou por alguns minutos com o Presidente da República. Voltou e continuou o diálogo com o ministro, que foi mais incisivo:

– Governador, cuidado com o Jango. Ele está caminhando para um terreno muito perigoso. O senhor tem enormes responsabilidades. Não é por acaso que o Presidente telefona e tenta conquistar o seu apoio político. O futuro do Brasil depende muito do senhor. O povo brasileiro não quer o comunismo.

– Senhor Ministro, pode ficar tranquilo. Minas é terra da liberdade. Não haverá estado de sítio e nem ditadura comunista com o nosso apoio.

 Senti que os ventos haviam mudado. Daí pra frente tudo se transformou e muito depressa.

O governador de Minas liberou o comandante-geral da PM, coronel José Geraldo de Oliveira, para organizar a frente de mobilização civil-militar de resistência e de combate ao governo federal.

Afonso Arinos de Melo Franco, Milton Soares Campos e José Maria Alkmin foram convidados para compor o Secretariado especial – uma espécie de Estado Maior – cuja missão era assumir as responsabilidades e os riscos de um movimento destinado a destituir o Presidente João Goulart da presidência da República.

Não tenho dúvidas de que o governador Magalhães Pinto foi o comandante civil do movimento de 1964. Nós todos o seguimos com lealdade. No meu caso particular, com entusiasmo, por entender que não havia outro caminho a ser seguido.

Havia na chamada classe política daquela época a quase certeza de que a ruptura do regime seria logo seguida de um rápido processo de redemocratização, por meio das eleições estabelecidas pelo calendário eleitoral. Nada aconteceu conforme a vontade dos políticos.

JK, Magalhães Pinto, Carlos Lacerda, Ademar de Barros sonhavam com a Presidência da República. A interinidade do Presidente da Câmara dos Deputados, o pessedista Ranieri Mazilli, durou muito pouco. Carlos Lacerda acreditou que poderia promover uma transição mais segura com o General Humberto de Alencar Castelo Branco, a quem ele pretendia tutelar. Todos estavam completamente equivocados. A ruptura civil-militar abriu caminho para um regime militar-civil que durou vinte anos.

Continuei na vida pública. Hélio Garcia também.

Hélio Garcia se elegeu deputado federal em 1966. Ficou no Parlamento até o final do mandato e não disputou a reeleição. Ele resolveu atuar como empresário no ramo imobiliário e, no Governo Aureliano Chaves, assumiu a presidência da Caixa Econômica Estadual. Foi um período de intensas atividades e de formação de uma equipe que acabou se tornando a plataforma de formação de um grupo político liderado por Hélio Garcia.

Os nomes de maior destaque do grupo foram os deputados federais Romeu Queiroz, Roberto Brant, Walfrido dos Mares Guia e os deputados estaduais José Ferraz e Milton Sales. Hélio Garcia voltou a se eleger deputado federal em 1978.

Já havia, então, um cenário de abertura política e, na eleição de 1982, na chapa de Tancredo Neves, Hélio Garcia se elegeu vice-governador e foi nomeado prefeito de Belo Horizonte. Com a renúncia de Tancredo para disputar a Presidência da República, em 1984, Hélio Garcia tornou-se governador de Minas e se projetou como líder político de expressão nacional.

Quando houve a disputa da Presidência da República, no Colégio Eleitoral, ficamos em campos opostos. Hélio Garcia foi o principal apoiador de Tancredo Neves. Fui candidato a vice-presidente da República na chapa do candidato Paulo Maluf.

Em 1990, Hélio Garcia disputou as eleições e se elegeu governador de Minas.

Fui convidado e participei da equipe de governo como secretário de Administração.

Tenho a mais absoluta convicção de que o balanço do Governo Hélio Garcia foi bom. Ele sabia compor a equipe de colaboradores, delegava responsabilidades e cobrava resultados. Para seus colaboradores técnicos, que ele transformou em políticos, o estilo de governar de Hélio Garcia era o mais conveniente e considerado o melhor possível.

Como político, discordo completamente.

Quem de fato governava Minas Gerais era o “Primeiro-Ministro” Evandro de Pádua Abreu, junto com os secretários Roberto Brant, da Fazenda, e Walfrido dos Mares Guia, da Educação.

O prestígio pessoal e projeção política de Hélio Garcia não eram pequenos. Tanto que ele foi o principal cabo eleitoral do PMDB para eleger o governador Newton Cardoso. Teve força política para se eleger... e para fazer de Eduardo Azeredo governador. Só não teve condições de conquistar uma cadeira de senador da República”.

*Itamar de Oliveira é escritor

Imagem da Galeria Hélio Garcia foi um dos últimos políticos da velha guarde que sabia o jeito bom de fazer política
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