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O beijo de Judas; a cena de escárnios a ele não retrata a condenação dos cristãos

O beijo de Judas; a cena de escárnios a ele não retrata a condenação dos cristãos

A trama vivida em Jerusalém se desenvolve, como preparação para o trágico final no Gólgota, depois do martírio pelas ruas de Jerusalém.

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31-03-2023 - 09h:05

Manoel Hygino dos Santos*

Quaresma é o espaço de quarenta dias de jejum, que vão de Quarta-feira de Cinzas, inclusive, até o Domingo de Ramos, inclusive. Desde as origens da Igreja, a festa da Páscoa era precedida do jejum. Mudou muito, mas o que ficou até os dias atuais demonstra inefavelmente que a Quaresma tem a mesma grandeza de tempos dantanho para os cristãos.

Passada a Quarta-feira de Cinzas, cumprindo-se o calendário no sertão mineiro, o homem do campo, trabalhador e obediente a lições herdadas, confunde às vezes a palavra: Diz coresma, mais fácil que com a primeira sílaba correta qua ....resma, mas ficam o sentido e o respeito que desperta.

Velhas lembranças se reavivam. Lições que os pais transmitiram, palavras dos curas de aldeias, que sabiam dirigir-se ao sentimento do cidadão humilde e submisso.

Quaresma, Semana Santa, Jejum, sermões, púlpito, orações, os altares com os santos sem as vestes protetoras, a procissão, tudo vivenciando Jesus em seus últimos tormentos, a dúvida de Pilatos.

Adolescentes e abusados já anteveem as cenas posteriores, proclamada a Aleluia. É a queimação do traidor, maltrapilho, condenado pela traição ao Mestre, agora ferido a golpes de madeira, chutes e toda espécie de humilhação. O testamento, lido em voz alta para que todos possam ouvi-lo, mesmo à distância, com vilipêndios e impropérios ao ex-apóstolo que viera de Cariothes.

A cena de escárnios hoje aplicada a Judas, não retrata a condenação dos cristãos ao seguidor de Cristo, que decidira abandonar o Mestre.

Judas, contudo, não é o único. O nome era relativamente comum à época. Houve, por exemplo, o Judas Tadeu, considerado Santo, também identificado como Judas Lebeu, que era irmão do apóstolo Tiago, isto é, Tiago o Menor, igualmente apóstolo de Jesus. No Evangelho, eles são considerados geralmente “Irmãos do Senhor”, mas nunca se soube exatamente o grau de parentesco com Jesus.

Não se conhece tampouco muito sobre São Judas e sua vida, mas seu martírio é celebrado em 28 de outubro, como o apóstolo São Simão. A este se atribui a “Epístola Católica” incluída no Novo Testamento, composta em torno do ano 70. É uma exortação aos fiéis para lutar “em defesa da fé, ameaçada pelos desregramentos de homens perversos”.

Judas Iscariotes assim se identificava por ter nascido na cidade de Carioth, ao Sul de Judá. É citado em último lugar entre os apóstolos, por ser o traidor.

Um ano antes de tomar uma decisão, perdera a fé no Mestre, mas continuava a segui-lo por comodidade e por surrupiar doações oferecidas aos apóstolos. Obcecado por amor a dinheiro, antes de se afastar de Jesus, resolveu entender-se com os sinedritas, que se opunham aos ensinamentos do Mestre.

No mundo cristão, repetem-se as encenações que transportam o mundo ao julgamento, que entra pela noite, as discussões, a participação de Pilatos. Na última refeição, em torno da mesa, há dúvidas e profunda inquietação. Durante a ceia, o Mestre adverte: A hora chegou, o filho do Homem vai ser traído pelas mãos dos pecadores.

Aparece Judas com os soldados, com espadas à mão e paus. Os guardiões do todo poderoso sumo sacerdote ali estavam para cumprir ordem, e assim estava escrito. Judas explica que beijaria Jesus para identifica-lo, pois os soldados não o conheciam e ainda estava escuro. Os guardas prendem as mãos do Mestre, Pedro reage e, com sua espada, corta a orelha de um soldado. Todos os apóstolos fogem. Um jovem seguidor do Mestre foge correndo, sem roupas, desaparecendo para sempre. Pedro consegue desvencilhar-se, mas acompanha tudo de longe.

A trama vivida em Jerusalém se desenvolve, como preparação para o trágico final no Gólgota, depois do martírio pelas ruas de Jerusalém.

Jesus é crucificado, os apóstolos e demais personagens se transportam às páginas dos documentos religiosos. Judas se perde com seu arrependimento.

Pedro Rogério Moreira, da Academia Mineira de Letras, registra que Judas morreu por suicídio ou enforcamento, segundo a versão canônica. Uma versão bíblica é de que, tentando subir em uma árvore, caiu de cabeça para baixo, rompendo-se os tecidos do tórax e região intestinal e espalhando as vísceras pelo chão. Ele desabara de uma figueira, de madrugada, no terreno conhecido como Campo de Sangue.

Há a versão de que o terreno fora adquirido com o dinheiro da traição e o povo lhe dera o nome de Campo de Sangue, como está nos “Atos dos Apóstolos 1, 18.20”. Localizava-se em um vale ao Sul de Jerusalém, conhecido na época de Jesus como Campo do Oleiro, possivelmente relacionando-o com a Porta da Olaria, ou Casa do Oleiro, topônimos referidos séculos antes pelos profetas Zacarias e Jeremias.

Em outra versão, Judas teria ali passado o resto da vida, falecendo de morte natural ou por suicídio. Numa terceira interpretação, chefes religiosos, após compreender que não podiam usar o dinheiro que Judas tentara devolver-lhes por ter procedência impura, adquirirem a área para último abrigo do apóstolo traidor.

Há uma outra vertente apontada por Pedro Rogério, nos escritos de Pápias de Hierápolis, a partir do século II, em que se diz que Judas morreu de hidropesia, acúmulo de água no peritônio, cujas circunstâncias da doença foram tão repugnantes que o povo julgavam ser castigo de Deus.

Bento XVI, falecido em janeiro de 2023, foi o primeiro papa alemão da era moderna. Ele foi reverenciado pelo papa argentino Francisco, durante as solenidades fúnebres.

Falando a 30 mil pessoas, na Praça de São Pedro, o pontífice alemão declarou: “não cabe a nós julgar o seu gesto, sobrepondo-nos a Deus, infinitamente misericordioso e justo”.

*Manoel Hygino é membro da Academia Mineira de Letras (AML) e da Associação Nacional de Escritores (ANE).

Imagem da Galeria Hygino lembra o "beijo de Judas" na aproximação da Sexta-Feira Santa, da Paixão de Cristo
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