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Instituto de Radium custou ao Estado de Minas Gerais trezentos e cinquenta mil réis

Instituto de Radium custou ao Estado de Minas Gerais trezentos e cinquenta mil réis

Belo Horizonte dera um atestado de competência, inaugurando o Instituto de Radium em espaço no Parque Municipal. Algo realmente sensacional, o primeiro nas Américas.

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09-03-2023

09h:20

Manoel Hygino*

2022 foi um ano atípico, estigmatizado por uma das maiores tragédias da história: a pandemia da Covid-19, que deixou o legado terrível de quase 700 mil vítimas no país, cujo ciclo não se acha ainda definitivamente encerrado, segundo a Organização Mundial da Saúde.

O grande genocida projetado para estes anos macabros seria o câncer, que – a despeito da estatística - não reduziu a perspectiva dos números fatídicos do coronavirus. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer é que a mortalidade oncológica no Brasil só deveria diminuir de 2026 a 2030, levando em conta dados entre 2011 e 2015 para a faixa etária de 30 a 69 anos, coligidos pelo Sistema Nacional de Informações sobre Mortalidade, o SIM. Mesmo assim, não se atendeu à Meta 34 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Curiosamente, cem anos exatamente antes, Belo Horizonte dera um atestado de competência, inaugurando o Instituto de Radium em espaço no Parque Municipal. Algo realmente sensacional, se se considerar que o novo estabelecimento era o primeiro nas Américas. Constituía um pioneirismo impensável à época, se se lembrar que o Instituto se implantaria numa cidade fundada há somente 25 anos antes. Um milagre, poder-se-ia proclamar.

O médico Dr. Luciano Amédée Péret Filho, coordenador do Centro de Memória da Faculdade de Medicina-UFMG, altamente conceituado nacionalmente, lembra aquele acontecimento magno para a ciência e o ensino no Brasil, quando todo o mundo se esforçava em busca de pesquisas e tratamento contra o câncer, por sinal ao ensejo do centenário da Independência da nação.

Foi inaugurado em 7 de setembro de 1922, por ocasião da efeméride. O estilo arquitetônico é clássico, com fachada ornada de colunas Jônicas e uma instalação completa para 120 leitos, provida de mobiliário e de material especializado. Custou ao Estado trezentos e cinquenta mil réis, mais o valor de 25 miligramas de radium adquiridos da Societé Française d’Énergie Radio-Chimic de Coubevoie, por 276 459 francos. A edificação contou com elementos construtivos importados: telhas de Marselha, vidraria de Paris, azulejos e grades de Florença e pinho-de-riga da Letônia.

A primeira diretoria foi constituída por Arthur Bernardes, Eduardo Borges da Costa, Henrique Marques Lisboa, Ezequiel Caetano Dias, Samuel Libânio, Roberto de Almeida Cunha e Estevão Pinto, sob a presidência do Secretário do Interior, Afonso Augusto Moreira Pena Junior, como determinava o decreto de regulamentação.

O diretor Borges da Costa contou com a colaboração de destacados professores da Faculdade como Octávio Magalhães, Carlos Pinheiro Chagas, Mário Goulart Penna, Otto Cirne, José Baeta Viana e Luiz Adelmo Lodi. O Serviço de Roentgenterapia era de responsabilidade do Dr. Jacyntho Campos e o de Curieterapia do Dr. Mário Penna. Este último foi Chefe da Clínica Cirúrgica especializada em cancerologia do Instituto, e teve importante participação no desenvolvimento da Oncologia em Minas Gerais.

A maquete, bem como o projeto e fotografias do Instituto, foram muito elogiadas nas festas comemorativas do centenário de Pasteur, em Strausbourg e Paris, no ano de 1923. O projeto também recebeu o Grande Prêmio da Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, realizada no Rio de Janeiro. Amadeu Mucchiut foi o arquiteto responsável pelo projeto e autor também de sua maquete, ficando a construção a cargo dos engenheiros Antônio Morthé e Augusto de Souza Pinto.

Em 1950, com o falecimento de Borges da Costa, o Instituto passou a ter o seu nome. Durante 54 anos ininterruptos, além de prestar assistência clínica, cirúrgica e radioterápica aos doentes com câncer, tornou-se um centro de ensino e pesquisa.

O médico Pedro Salles, considerado o historiador da Medicina da capital mineira, resume: “Em 1919, o problema do câncer passou a preocupar um grupo de médicos de Belo Horizonte. Conta Otávio Magalhães, em “Ensaios”, pág. 213, BH, 1957, que “Ezequiel Dias promovia reuniões, em sua própria residência, para estudo do importante problema”. Às reuniões compareciam Borges da Costa, Álvaro de Barros, Marques Lisboa, afora outros colegas que, de vez em quando, vinham ao conclave. Na 9ª reunião, em 11 de junho de 1920, “Borges da Costa comunica a fundação do Instituto de Câncer e Radium, que conta com o apoio do Presidente do Estado, Arthur Bernardes”.

Logo depois teve realmente início a construção, em área doada pela Prefeitura, “o terreno que se acha nos fundos do Parque Municipal limitando com os terrenos da Faculdade, e onde estivera funcionando o Clube dos Esportes Higiênicos” (Anuário da Faculdade de Medicina da U.M.G., P. 213, 1927). Ficou pronto em pouco tempo, sendo inaugurado em 7 de setembro de 1922.

O maior entusiasta da ideia do Instituto era Eduardo Borges da Costa, nascido no Rio de Janeiro, filho de ilustre cirurgião gaúcho, diplomado em 1904. Aqui, chegou dois anos após, encontrou a cidade cheia de forasteiros, dormindo a primeira noite numa mesa de bilhar no Grande Hotel, onde hoje é o edifício Maleta. No dia seguinte, visitou a Santa Casa, sendo recebido e admitido pelo provedor Francisco Júlio da Veiga, como chefe da Clínica Cirúrgica, sem qualquer salário ou provento. Aqui se instalou até a morte em 5 de setembro de 1950.

Consagrou-se por cirurgias raras, ajudou na fundação da Faculdade de Medicina, chefiou um grupo mineiro na Missão Médica Militar Brasileira, enviada à Europa para ajudar na guerra contra a Alemanha, foi professor da Faculdade, cuja congregação integrou.

Em 1926, Madame Curie, com sua filha Irene e autoridades públicas e cientistas franceses, veio conhecer pessoalmente a Obra, fez conferência na Faculdade, rejubilou-se pelo empreendimento, presentes consagrados médicos brasileiros, todos em euforia por ver que o projeto mineiro se tornaria o primeiro das Américas e parte da rede internacional de institutos dedicados ao uso e estudo de Radium em Medicina. O empreendimento segue hoje através do Instituto de Oncologia da Santa Casa.

Um livro sobre o tema foi publicado em 2022 pelo Centro de Memória da Santa Casa BH, conta sobre como nasceu e se construiu o Instituto de Radium, na segunda década do século passado, até que a Santa Casa se tornasse o maior centro de tratamento do câncer no Estado.

A edição procura resgatar uma época e seus principais atores e autores, simultaneamente com a descrição sucinta do que é o Instituto de Oncologia, com a qual a Santa Casa, em seus 123 anos, revela sua permanente e irrevogável disposição de servir à sociedade.

No início da década de 1970, devido às más condições de conservação do edifício, o hospital foi desativado. Em julho de 1976, uma comissão da Faculdade de Medicina, aprovou a demolição do Hospital, conservando a fachada, e a construção de um ambulatório. A Congregação reunida contou com 15 votos favoráveis, 10 contrários e uma abstenção. Em 1980, ocorreu a invasão pelos estudantes, transformando-o de maneira precária em “moradia estudantil”.

Criou-se um impasse e, apesar dos atos de vandalismo e invasão de pessoas entranhas à UFMG, o prédio não foi demolido. Neste período, por ação do Centro de Memória da UFMG, coordenado pelo professor João Amilcar Salgado, iniciaram-se os entendimentos para o tombamento do edifício pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, que na época estava sob a direção do arquiteto Luciano Amédée Péret, também professor da UFMG, que realizou em tempo recorde o processo de tombamento. O decreto estadual mº 23809, de 14/08/1984, determinou em conjunto, a proteção por tombamento, além do prédio do Hospital Borges da Costa, com seus entornos, jardins, elementos ornamentais, pertences histórico-médicos e sua destinação como centro de oncologia e outros bens.

Desocupado em 1998, o prédio foi reformado com recursos provenientes de emendas de parlamentares mineiros e quatro anos depois, em 2003, foi reinaugurado. Hoje faz parte do complexo hospitalar do Hospital das Clínicas, sendo um centro de onco-hematologia infantil e de adultos, com atividade ambulatorial de hospital-dia.

O Provedor da Santa Casa BH, Roberto Otto Augusto de Lima, ressalta que a Instituição chegava à aquela idade, ainda mais forte e reafirmando o seu compromisso com os mineiros. “A Santa Casa BH tem praticamente a mesma idade de Belo Horizonte, ou seja, fizemos e continuaremos fazendo parte do desenvolvimento da capital. Superamos inúmeros desafios ao longo da nossa história centenária e, hoje, com governança e transparência, no limiar do alcance da sustentabilidade financeira, permanecemos com a mesma energia e paixão, buscando cada vez mais inovação e tecnologia. Isso tudo mantendo o firme propósito social de melhorar a vida das pessoas”, afirmou.

*Manoel Hygino é integrante da Academia Mineira de Letras (AML) e da Associação Nacional dos Escritores (ANE).

Imagem da Galeria Instituto do Radium é resgatado em texto do jornalista e escritor Manoel Hygino
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