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De quando o dinheiro das cidades vinha pelos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil

De quando o dinheiro das cidades vinha pelos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil

E a ninhada de cada casal ferroviário geralmente era enorme; dizem que por viverem ao lado dos trilhos, sempre eram acordados no meio da noite pelo passar dos trens.

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01-03-2023

09h:04

Hermínio Prates*

Quem irriga a economia gorutubana?

Houve um tempo em que o comércio da região sobrevivia graças ao salário pago aos ferroviários. A Estrada de Ferro Central do Brasil era a maior empregadora da Serra Geral e a chegada do trem pagador se transformava em motivo de festa.

 Lojas de tecidos, de quinquilharias, miudezas e os botecos disputavam a preferência dos felizes operários de salário garantido, embora sem data certa de receber.

Quem pouco se beneficiava eram os comerciantes que vendiam munição de boca porque as famílias ferroviárias abasteciam a despensa com as compras no Armazém da Central, onde o preço era mais justo e o desconto só aparecia no salário do mês seguinte.

 Apenas quando faltava um quilinho disso e uma porção daquilo é que os ferroviários recorriam aos vendeiros de secos e molhados. Ou aos açougues, porque ninguém admitia viver sem mastigar carne e as galinhas do terreiro eram reservadas para ocasiões especiais, fosse uma visita importante ou a esposa precisando recompor as forças após mais um parto.

E a ninhada de cada casal ferroviário geralmente era enorme; dizem que por viverem ao lado dos trilhos, sempre eram acordados no meio da noite pelo passar dos trens. E já que estavam acordados, aproveitavam para encomendar mais um pimpolho. Como a televisão ainda era invencionice restrita às grandes cidades não havia a mínima possibilidade de algum interiorano ter a atenção dispersada pela novidade.

Assim, o doce esporte do sexo era a prática mais comum nas noites quentes ou frias porque todo mundo queria obedecer à ordem divina do “crescei e multiplicai-vos”.

E os “leitores do Minas Gerais”? Sobre eles cito texto de Guido de Caux, publicado em 2006 pelo jornal O Trem , de Itabira. Ao se referir aos viventes nas cidades de pequeno e médio porte ele relaciona os que tinham atividades com algum ganho, donos de pequenos negócios, comerciantes, prestadores de serviço, fazendeiros e a miuçalha que trabalhava, mesmo sendo mal remunerada:

“Outra categoria eram os leitores do “Minas Gerais”, os maridos das professoras que, sem ocupação, passavam o dia lendo o jornal oficial do Estado, de que as mulheres eram assinantes compulsórias.”

Não tenho conhecimento de que em Janaúba tenha existido tantos maridos modorrentos e nem que lessem qualquer jornal, coisa inexistente na cidade. Daquele tempo, o único jornal que me lembro era o “Diário de Notícias” do Rio de Janeiro, que o comerciante Waldir Nunes da Silva, meu cunhado, por ser assinante, recebia regularmente, embora com atraso de alguns dias. Por coincidência, nesse jornal trabalhou meu tio, Vanderlino Nunes durante vários anos, onde foi redator.  

Mas isso é passado, Janaúba cresceu em outros setores da economia e passou a depender cada vez menos do ferroviário consumidor de produtos, bens e serviços.

O tiro de misericórdia foi dado pela política de lesa pátria dos tucanos, que entregaram a preço quase zero as empresas estatais aos oportunistas de plantão, sejam multinacionais ou espertalhões enquistados nas beiradas do poder.

 No rastro da Usiminas, Vale do Rio Doce e bancos oficiais, também perdemos as redes nacionais de ferrovias. O país garantiu até agora posse – para frustração dos entreguistas – da Petrobrás, Eletrobrás, Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil – mas a enxurrada privatizante arrastou a Central do Brasil para a vala comum da irresponsabilidade gerencial e do lucro a qualquer custo, mesmo que a conta seja paga pelos cofres públicos e os antigos ferroviários, na ativa ou aposentados, continuem aguardando que a justiça se pronuncie sobre o desrespeito aos direitos trabalhistas.

De insolventes contumazes, as prefeituras passaram a ter os cofres abastecidos pelo FPM - Fundo de Participação dos Municípios -, criado em outubro de 1966 e os antigos prefeitos, sempre às voltas com gavetas sem moedas, foram sucedidos por mandarins do dinheiro fácil.

 E haja desvios, contratações desnecessárias, com o irresponsável inchamento da máquina pública que conquista e assegura o apoio dos beneficiados ao alcaide da vez. Em qualquer pontinho do mapa há uma prefeitura minada pelo nepotismo, exaurida pelo empreguismo e sem dar um mínimo de assistência médica, hospitalar, odontológica ou educacional à população.

Durante pouco tempo Janaúba também teve o frigorífico como grande empregador, mas a falência do primeiro mundo impediu que alguns países, principalmente os europeus, continuassem apreciando os bifes brasileiros. Com a queda das exportações, diversos frigoríficos cerraram as portas e milhares de operários foram para a rua.

E Janaúba não foi exceção. Tempos depois, o frigorífico foi reativado após demoradas negociações com novos investidores que se obsequiaram com as isenções fiscais do governo. No entanto, novas ameaças surgiram após a desastrada política do novo governo que decidiu comprar a briga dos israelenses em relação aos povos árabes. Se a exportação continuar caindo, os frigoríficos não resistirão à perda de vendas, com inevitável desemprego. A menos que os boquirrotos de Brasília reconheçam o erro e mudem o rumo da política internacional.

Mas nem só dos salários de quem felizmente tem emprego, vive a cidade. Ah, meu amigo, não podemos esquecer o contingente dos cabecinhas brancas que recebem parca aposentadoria, mas gastam tudo com a boca e com os remédios caros.

É pouco, mas o pouco multiplicado por milhares ultrapassa a casa de sete milhões, quem sabe quase dez milhões de reais todos os meses?

 Duvidam? Do censo de 1998 para o de 2008 a população brasileira com mais de 60 anos pulou de 8,8% para 11,1% e, segundo IBGE, com base em pesquisa de 2019, os veteranos são 10,57% da população.

Em um cálculo conservador, se Janaúba tiver um mínimo de 10% de aposentados na população, isso representa mais de sete mil pessoas. Portanto, senhores comerciantes e prestadores de serviços, não menosprezem os velhinhos porque eles são importantes e podem gastar mais de R$ 7 milhões todos os meses.

E não desprezem os bolsistas federais que faíscam ninharia, mas no somatório o insuficiente para muitos também contribui com o incremento do metal circulante. É muito melhor cultivar o pouco de muitos do que o muito de poucos, razão maior para se olhar com simpatia o aposentado e não privilegiar a dondoca de nariz empinado que gasta muito, mas não é constante. 

 Na região o cultivo da banana é um grande empregador e há quem acredite que ele seja responsável pela pujança do comércio local. É fato, mas não o bastante para acelerar o crescimento de uma cidade ou região.

 Grande expectativa foi criada com a vinda do campus da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, que deveria ter significado um avanço não apenas educacional e científico, mas que também irrigasse o comércio e impulsionasse a indústria gorutubana.

Seriam mais de 300 empregos – entre professores e técnicos administrativos – mas como a remuneração total poderia superar R$ 1,2 milhão mensal, segundo garantiu na época o reitor Pedro Ângelo em audiência na Câmara Municipal, era de se prever o impacto positivo na economia. E esse seria um dinheiro limpo, pois viria de uma indústria sem chaminés, a mais nobre de todas, a indústria do saber.

Além das verbas do FPM, os cofres municipais são irrigados com outros recursos; de janeiro a dezembro de 2020, Janaúba foi beneficiada com R$ 24.344.023,72, sendo mais de R$ 17,2 milhões de ICMS, R$ 6,8 milhões de IPVA e R$ 195 mil de IPI (que demonstra o nosso fraco parque industrial). Isso sem mencionar o que se arrecada com o IPTU e outras taxas. O IPVA, como se sabe, surgiu em 1985, em substituição à TRU – Taxa Rodoviária Única.

Em praticamente todas as cidades essa dinheirama tem sido malversada, com desvios de vários tipos, desde obras superfaturadas ou nem feitas, concorrências fraudadas e outras bandalheiras.

A esperança é que os prefeitos que assumiram em janeiro, ao fim dos primeiros cem dias de administração, demonstrem que são diferentes dos antecessores e que pautarão a caminhada no reto proceder.

Cem dias? Não há nada específico nessa marca, mas é uma forma de avaliar o que já está sendo feito e o que se esperar para os três anos e nove meses do mandato.

Quem viver, comprovará. Ou se decepcionará mais uma vez.

*Jornalista, ecritor e professor universitário na área da Comunicação, hoje em Janaúba, no Norte de Minas.

(O texto foi publicado no JORNAL DA SERRA GERAL de 17/03/2012 e apenas atualizado para os dias de hoje).

Imagem da Galeria Herminio Prates tem aqui na capital uma legião de seguidores, como grande jornalista e escritor que é
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