Ele foi chamado “Aparício Tiburcio Pinto”, mas não passava de um filhote de pato
Logo a turma começou a sugerir nomes para ele. Wander Piroli, o editor, foi mais rápido no gatilho e sacou um nome bastante sugestivo: “Aparício Tibúrcio Pinto”.
20-02-2023
12h:35
Bento Batista*
Houve uma vez que o jovem Camilo, um tipo com aspecto indígena, de cabelos lisos e de brilho característicos, funcionário de serviços gerais do Jornal de Shopping, um semanário dos Diários e Emissoras Associados, extinto em 1982, trouxe da rua um filhote de pato amarelinho.
Ele subiu de elevador ao 24º andar do Edifício Acaiaca, no Centro de Belo Horizonte, onde funcionou a redação do semanário, com o patinho na concha das mãos.
Foi uma festa.
Posto sobre uma mesa, ele ficou parado olhando para os lados sem entender nada do que acontecia.
Wander Piroli, o editor, havia publicado um livro intitulado ‘O Menino e o Pinto do Menino’, no qual ele contou a história de um garoto, na realidade o próprio filho, Bumba, que ganhara um pintinho na escola e o levara para o apartamento onde morava. E como apartamento nunca foi lugar para pintinho viver, logo o filhote morreu. Claro que ninguém pensou nisso na hora que Camilo chegou com o patinho. Logo a turma começou a sugerir nomes para ele. Piroli foi mais rápido no gatilho e sacou um nome bastante sugestivo: “Aparício Tibúrcio Pinto”.
Na época, Bento fez uma crônica que o Jornal de Shopping publicou com foto e tudo mais. Aparício tinha direito a isso e muito mais. Camilo comprou canjiquinha e pôs água para o patinho e ele circulava pela redação com a maior desenvoltura, como se fosse o dono da casa. Andava daquele jeito engraçado como pato anda.
Com a presença de Aparício para lá e para cá, todos tiveram de tomar mais cuidado ao andarem pela redação. Corria-se o risco de pisar nele se não olhassem por onde andavam.
O patinho criou novo clima na redação. As visitas chegavam e achavam interessante ver um patinho amarelinho zanzando pela redação.
Mas aconteceu que, na sexta-feira, depois do fechamento da edição do domingo, surgiu um dilema: o que fazer com Aparício? Alguém se habilitaria levá-lo para casa? Ou o melhor seria deixá-lo na redação com água e comida, dono da situação? Venceu esta opção.
Na segunda-feira, quando Camilo chegou para abrir a redação e chamou por Aparício, não obteve resposta. Camilo procurou debaixo dos móveis e num deles estava o corpo já endurecido do patinho.
De fome nem de sede ele morreu, pois havia canjica e água.
Ele morreu foi de solidão.
A morte de Aparício comoveu a todos. O conto que o Jornal de Shopping publicou sobre ele no domingo seguinte se iniciava assim: “Chamava-se Aparício Tibúrcio Pinto, mas era pato”. E o texto contava a curta história de vida do patinho.
Trabalhar no Jornal de Shopping dava satisfação por causa do convívio com as pessoas, e, principalmente, por ser Piroli o chefe. Tudo funcionava como numa orquestra porque o maestro era excepcional.
Foi para todos os profissionais um choque o inesperado fim do Jornal de Shopping, em 1982. Piroli concluíra a edição como fazia desde o início, sempre às sextas-feiras. Tudo parecia normal naquela data fatídica.
Cada um tomou o seu rumo depois do trabalho.
O sábado transcorreu dentro de normalidade aparente. No domingo, ao receberem em casa o exemplar do Jornal de Shopping, os leitores ficaram chocados: na primeira página a direção do Estado de Minas havia colocado um aviso à revelia de Piroli e de todos que faziam aquele semanário.
O aviso informava aos leitores ser aquela a última edição do Jornal de Shopping e agradecia a compreensão de todos etecétera e tal. Foi como se um meteorito tivesse caído sobre as cabeças. A segunda-feira, no 24º andar do Edifício Acaiaca, quem lá esteve ficou com a impressão de que chegava em um velório.
Faltava só o caixão no meio da redação. Celebradas as exéquias, como manda o figurino profissional numa circunstância desta, restou de negativo o saldo da deselegância e a falta de respeito como se deu o fim do melhor semanário de Belo Horizonte.
*Jornalista e escritor.