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Carvão vegetal é verde e sustentável? O desempenho socioambiental e econômico mudou

Carvão vegetal é verde e sustentável? O desempenho socioambiental e econômico mudou

A posição do setor é privilegiada quando analisados seus ativos florestais e industriais no tocante ao cumprimento dos princípios da ODS 2030 da ONU, do ESG e da sustentabilidade.

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17-02-2023

08h:00

Enio Fonseca*

 Não faz muito tempo, a percepção da sociedade para com a produção de carvão vegetal, era contrária a esta atividade, posição mantida por muitos anos, e que poderia ser resumida no título deste Seminário realizado em 2012: “Combate à Devastação Ambiental e Trabalho Escravo na Produção do Carvão Vegetal de Uso Siderúrgico no Brasil”, promovido pela WWF-Brasil e Instituto Ethos.

Hoje em dia, a gestão das atividades associadas ao carvão vegetal, tanto aquelas que precedem sua produção, amparadas na silvicultura, os processos de carbonização, quanto aquelas que se apresentam na sua cadeia produtiva posterior, como a produção de ferro gusa para o setor siderúrgico, cocção de alimentos, indústria médica e farmacêutica e da beleza, geração de energia, cimenteiras e cerâmicas e se encontram cobertas por um abrangente arcabouço legal, ambiental, trabalhista de saúde e segurança e ambiental.

Em MG a Deliberação Normativa Copam n°. 49/2001, substituída depois pela DN 187/2013, definiu um conjunto robusto de obrigações para o setor de ferro gusa, um dos maiores consumidores de carvão vegetal.

Para o atendimento destas normas o setor já gastou um montante superior a R$ 475 milhões, preço corrigido para dezembro de 2022.

O setor se encontra em posição privilegiada quando se analisam seus ativos florestais e industriais no tocante ao cumprimento dos princípios da ODS 2030 da ONU, do ESG e da sustentabilidade.

Com origem em florestas plantadas de eucalipto bem manejadas, ou no aproveitamento de áreas nativas para expansão da atividade agropecuária, o carvão vegetal é uma das soluções renováveis a favor de uma economia de baixo carbono.

O carvão vegetal é um produto obtido a partir da queima ou carbonização da madeira, e aqui trataremos de forma especial, do eucalipto, espécie cultivada em florestas plantadas para fins produtivos. no Brasil.

A primeira norma legal que procurou disciplinar as regras de supressão de vegetação e demais uso das propriedades foi o Código Florestal de 1934. De lá para cá, milhares de normas legais e infralegais foram publicadas, tendo sido criados órgãos públicos setoriais e colegiados, para tratar do tema, como o IBDF, depois Ibama, Conama, estes em Brasília, Institutos Estaduais Florestais como o IEF/MG e colegiados estaduais como o Copam.

Interessante relembrar que o próprio governo, ao longo dos anos implantou diversos programas de ocupação de territórios, que estimulavam o desbravamento de terras “virgens”, estimulando a produção do material madeireiro cortado, para diferentes usos, inclusive a produção de carvão vegetal, como o Polocentro, Prodecer, Padap, dentre outros.

Ao mesmo tempo, todos os Códigos Florestais do País, continham proibições da queima pura e simples do material florestal nativo ou plantado, eventualmente suprimido. Uma das formas de dar uso a esse material foi ao longo do tempo a produção de carvão vegetal.

A retirada de vegetação natural para fins de ocupação de terrenos para diversas finalidades, é processo milenar, que aconteceu em todos os continentes, e, também no Brasil.

O setor de florestas plantadas oferece uma grande variedade de produtos, aproximadamente, 5 mil itens distribuídos nos segmentos de madeira serrada, papel, celulose, pisos e painéis de madeira e carvão vegetal. O carvão vegetal é um dos principais produtos florestais utilizados como fonte de energia e em maior quantidade pelo setor siderúrgico e metalúrgico como termo redutor.

De acordo com o relatório anual- 2015, do Instituto Aço Brasil, o Brasil é líder mundial absoluto na produção de aço usando carvão vegetal como agente redutor (bioredutor) do minério de ferro, resultado das condições favoráveis existentes no País para a produção de biomassa. Enquanto países que possuem produção de aço expressiva utilizam o coque, obtido a partir do carvão mineral, para redução do minério a ferro metálico, cerca de 10% do aço produzido no Brasil é obtido a partir da rota integrada a carvão vegetal, desencadeando importantes vantagens ambientais e competitivas. 

No Brasil, 65% da fabricação de carvão vegetal é feita por pequenos e médios produtores, e Minas Gerais é o Estado que mais faz e consome esse insumo bioenergético.

Ao todo, o País gerou 441,6 mil toneladas de carvão vegetal em 2021.

A produção de carvão vegetal a partir da biomassa proveniente da madeira proporciona que a lenha seja a quarta fonte primária de energia mais utilizada na matriz energética brasileira.

O aço é um dos materiais mais utilizados no mundo. Com mais de dois milhões de toneladas desta liga de ferro fabricadas anualmente, é um dos principais elementos usados em automóveis, edifícios e objetos cotidianos, como talheres ou ferramentas, entre outros. Além disso, mais de seis milhões de pessoas são empregadas diretamente em sua fabricação.

Sua fabricação é feita em altos-fornos que utilizam combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) para atingir as elevadas temperaturas e reações químicas necessárias. Isto origina aproximadamente 7 % das emissões de CO2 causadas pelo homem em nível mundial.

No Brasil, além de uso consolidado de uma matriz elétrica preponderantemente verde, os caminhos são o uso do carvão vegetal e do hidrogênio verde para a descarbonização e produção do aço verde.

Para o Brasil e para o Estado de Minas Gerais, isso representa uma oportunidade. Se o País for capaz de atrair os investimentos necessários, ele pode produzir aço verde de forma competitiva.

Numa média histórica, aproximadamente 30% do ferro gusa no Brasil é produzido a partir do carvão vegetal.

Na produção do aço brasileiro a participação do carvão vegetal é de 10% e se concentra em produtos especiais, como por exemplo aço inox e tubos de alta resistência.

Outro benefício é o beneficiamento do minério e sua exportação já como metal briquetado, atendendo uma crescente demanda por aço verde e evitando os efeitos negativos do Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras, que está sendo implementado pela comunidade europeia.

Segundo o Instituto Aço Brasil, a indústria do aço contribui com cerca de 4% do total de emissões de gases do efeito estufa (GEES), conforme a 4ª Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC e cerca de 11% da produção nacional de aço utiliza carvão vegetal.

A utilização do carvão vegetal como bioredutor na indústria do aço é uma forma efetiva e aplicável em curto prazo de reduzir a emissão de GEEs.

A produção de carvão vegetal auxilia na remoção e estocagem de carbono durante o ciclo de crescimento das florestas plantadas para a sua produção sendo que esta matéria-prima estoca 85% de carbono em sua massa, potencializando a descarbonização das indústrias produtoras de aço

Uma outra prática importante para a redução de emissões de GEEs que pode ser realizada pelas empresas produtoras de carvão vegetal é a queima dos gases da carbonização, principalmente do metano, um gás altamente nocivo para o meio ambiente, podendo ainda haver geração de energia elétrica.

De acordo com informações do Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais – Sindifer, em relatório apresentado no Cema, Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, em fevereiro de 2023, existem 51 usinas (Indústrias produtoras independentes de ferro gusa) em operação em MG, totalizando 69 fornos.

A produção de ferro gusa independente no Estado foi de cerca de 4.000 x 1000 t, no ano de 2022.

O consumo anual de carvão vegetal pela indústria de ferro-gusa em MG no ano passado foi de 13.860 x 1000 t, dos quais 2.565 x 1000 t foram exportadas em 2022, sendo 65% para os EUA, 12,4% para a Europa,14,5% para a Ásia, e 7,9% para a América Latina.

O setor gera no Estado mais de 10.500 empregos diretos e mais de 52.000 indiretos (considerando os reflorestamentos).

O Sindifer realizou em parceria com o CIT- Centro de Inovação Tecnológica –, o Inventário de Emissões e Remoção de Gases de Efeito Estufa. A conclusão do estudo apontou a emissão de 2.049 Kg CO2e/t gusa e a remoção de 3.897 Kg CO2e/t gusa com um saldo de 1.848 Kg CO2e/t gusa.

O carvão vegetal ativado é usado na medicina, indústria farmacêutica e de beleza. Ele é um tratamento natural potente usado para capturar toxinas e produtos químicos no corpo, permitindo que sejam liberados para que o corpo não os reabsorva.

Um dos usos mais populares de carvão ativado é para o tratamento seguro e eficaz de envenenamento e overdoses de drogas.

Conforme relatos médicos, é usado em centros de trauma de emergência em todo o mundo. Além disso, é usado para reduzir o inchaço e gases, reduzir o colesterol, tratar os problemas de fluxo biliar com segurança durante a gravidez e até mesmo evitar ressacas.

O carvão ativado pode tirar impurezas na água, incluindo solventes, pesticidas, resíduos industriais e outros produtos químicos. É por isso que é usado em sistemas de filtragem de água em todo o mundo.

O Brasil conta com uma legislação específica para os trabalhadores florestais, rurais e urbanos reunida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que atendem todos os segmentos da cadeia produtiva do carvão vegetal.

Inúmeras outras normas de saúde e segurança do trabalho, trabalhistas, se aplicam a toda a cadeia que envolve o carvão vegetal, sendo amplamente fiscalizadas pelos diferentes órgãos vinculados aos Ministérios do trabalho, Meio Ambiente, Indústria e Comércio, Agricultura, Fazenda dentre outros, inclusive estaduais e municipais.

A Cartilha sobre o trabalho florestal, editada em 2009 pela OIT e atualizada posteriormente, preconiza que é necessário reconhecer e respeitar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e das comunidades locais. Não podem ser tratadas como rotina, e algo normal à atividade no setor, operações florestais que ocasionam a mutilação dos trabalhadores e o alto índice de doenças ocupacionais. Treinamento adequado e uso dos equipamentos de segurança devem fazer parte do dia a dia das frentes de trabalho.

Nas empresas florestais que abastecem as indústrias siderúrgicas e mesmo nestas instalações produtivas, o cumprimento às normas legais associadas vem sendo uma prática recorrente, observado os princípios legais e aqueles associados aos valores do ESG, principalmente quando a cadeia produtiva tem a exportação como resultado final.

Quanto à produção do carvão vegetal não integrada, feita por produtores rurais, existe um esforço muito grande, patrocinado pelos órgãos de assistência rural, em especial o Senar, a Emater e o IEF, além das empresas florestais, de levar capacitação técnica aos processos de carvoejamento, incluindo aí melhores práticas de saúde e segurança. Registre-se o constante processo fiscalizatório dos órgãos vinculados ao Sistema do Ministério do Trabalho. Denúncias de trabalho escravo e infantil, praticadas por estes agentes são cada vez menores.

Entendemos que, observada toda a cadeia produtiva associada à produção e utilização do carvão vegetal, tem hoje um desempenho socioambiental e econômico muito diferente daquele observado em décadas anteriores.

Princípios associados ao cumprimento das normas aplicáveis, em todos os segmentos legais vêm sendo observados pelos responsáveis pela produção integrada, razão que nos leva a crer que o carvão vegetal precisa ser olhado de uma forma diferenciada pela sociedade, à luz de sua contribuição social, econômica e ambiental.

* Enio Fonseca é Engenheiro Florestal, CEO da Pack of Wolves Assessoria Socioambiental; foi superintendente do Ibama, do grupo Cemig, gestor do Departamento de Fiscalização do IEF e Conselheiro do Copam.

 

Imagem da Galeria O cavão vegetal é fundamental para tocar as fornalhas das siderúrgicas mineiras
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