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São fortes os indícios de que eles se organizam em meio aos barulhos da madrugada

São fortes os indícios de que eles se organizam em meio aos barulhos da madrugada

Eles são cerca de 40. Não dá para abrir a janela e contar um a um sem levantar suspeitas. O certo é que de dia se dispersam, mas à noite se juntam e até metem medo.

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29-01-2023

12h:35

Rolando T. Neves*

Há fortes indícios de que eles estejam se organizando, cada madrugada um pouco mais, tendo em vista lançar um movimento de guerrilha revolucionário. Nós pudemos constatar isto na noite passada, quando eles se reuniram em assembleia na frente do nosso prédio, para discutir, certamente, um posicionamento quanto à melhor estratégia de ação.

Num raio de 200 metros ao redor de onde eles se reuniram – é bom alertar, este foi o segundo encontro deles com o mesmo objetivo – ninguém dormiu na noite de sexta-feira para sábado.

Não dá para dizer ao certo, mas em cálculo por baixo, eles não são menos de 40 integrantes de um grupo barulhento. E porque fazem barulho, as pessoas já estão com medo deles. Muitos, como nós, viram o grupo crescer de pouco em pouco e achamos que eles vão crescer mais em número e podem se transformar num exército apátrida.

Da nossa janela, no meio da madrugada, enquanto eles estavam lá na rua, em algazarra infernal, se é que lá no inferno seja assim, cada um querendo se expressar mais alto do que o outro, pudemos ver que são tipos heterogêneos. Cada um deles quer impor a sua ideologia e se manifesta atabalhoadamente e de modo contundente, um querendo sobrepujar o outro. Mas já dá para notar um líder no meio deles.

Achamos que se a assembleia deles fosse de dia, ninguém ajuizado ousaria passar próximo do grupo sem correr o risco de sofrer algum tipo de violência. Não dá para confiar em nenhum deles estando em grupo. Esfomeados, o poder de fogo deles aumenta consideravelmente, e é aí onde mora o perigo.

A impressão é a de que se alguém for contra o grupo, a possibilidade de uma reação da parte deles será imediata. E é preciso considerar que nada têm a perder e nós temos tudo a perder porque eles podem ser capazes de fazer qualquer coisa esfomeados como estão e em grupo.

Além do mais, porque não têm residência fixa, nem recebam assistência alguma, eles vivem perambulando pelas ruas e se transformaram em tipos que podem ser hospedeiros de doenças transmissíveis.

Para frear essa insipiente organização revolucionária, as autoridades precisavam agir rápido a fim de contê-los, se é que ainda há tempo.

Sabendo que as autoridades são lentas para tomar atitude em questões dessa natureza, se eles não forem contidos, o risco de sair de casa e com eles dar de cara é grande tanto de dia quanto à noite. A ferocidade está na cara de cada um deles. Quando mostram os dentes, não estão simplesmente sorrindo, estão mostrando tudo que são capazes. Que ninguém se engane quanto a isto.

Eles não vestem roupas de exército revolucionário. Cada um é diferente do outro. O que os une, pelo que pudemos constatar, é o fato de viverem na rua e se encontrarem em meio à madrugada, enquanto a cidade dorme. 

Nós não temos meios para detê-los. O máximo que podemos fazer é o que fazemos agora. Lançamos este alerta às autoridades a fim de tomarem uma providência o quanto antes, dentro do princípio de que é melhor prevenir do que remediar.

As autoridades costumam tomar providências tarde demais contra os perigos que nos cercam; quando fazem alguma coisa é depois que há vítimas fatais. Por enquanto não há notícia de que eles já fizeram alguma vítima. Mesmo porque ainda estão em fase de organização. E o temor é justamente este. Organizados, eles poderão ser mais perigosos do que os lobos das estepes de Hermann Hesse.

Mas de lobos eles nada têm. São cães abandonados, que ninguém quer cuidar deles, nem as autoridades. Se os direitos humanos são solapados, os dos animais nem se fala. Esses cerca de 40 passam as noites se juntando uns aos outros, formam uma matilha de meter medo. Só vendo para crer. Alguém já imaginou o que são capazes acaso sejam liderados por um cão com mais sapiência canina?

De dia, escondem-se em lugar incerto e não sabido. Dispersam-se. Mas à noite, como é o caso agora, já podemos ouvi-los ladrar como se estivessem convocando os demais para nova assembleia.

Nada temos contra eles. Somos a favor deles. Este texto é uma prova disto. Entretanto, pressentimos, o estouro de uma revolução dos bichos, de George Orwell é iminente, a partir do movimento guerrilheiro dos cães abandonados. Quem viver vai morrer de medo. (Isto é ficção).

*Escritor.

Imagem da Galeria Enquanto a cidade dorme, eles estão se reunindo para tramar alguma coisa suspeita
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