19-01-2023

09h:47

Bertoldo Pena*

Enquanto fazia academia na sala daqui de casa, depois de uma caminhada até o Mercado Central, avistei no alto de um prédio uma ave grande pousada. À distância parecia ser um urubu equilibrando-se na ponta de um pequeno poste, na cobertura do edifício.

Senão, um urubu, um gavião, pensei.

Peguei o binóculo a fim de tirar a dúvida, pensando, se for um urubu, está esquisito, porque esse tipo de ave costuma pousar próximo de onde pode encontrar comida. E urubu se alimenta de carne de animais em decomposição.

Será que está faltando comida para os urubus, lá no mato, e eles estão vindo para as cidades em busca do que comer?

Ou o meu binóculo é de péssima categoria, ou a distância e a posição da ave não me permitiram identificar se urubu ou gavião.

Mas, supondo ser urubu – era neste ponto que eu queria chegar – me veio ao bestunto a ideia de escrever um texto enaltecendo o papel que o indigitado exerce no seio da Mãe Natureza.

Muita gente nunca pensou na importância do urubu.

Os flamenguistas tomaram-no como mascote, mas nem mesmo eles, talvez, nunca refletiram sobre a importância dessa ave, cujos pintainhos nascem amarelinhos.

Ai de nós se não existissem urubus. Pensem nisso. O que íamos fazer para acabar com a carniça? Eles se alimentam disso. Carne de animais mortos e em estado de putrefação.

Ao fazer essa limpeza no ambiente, os urubus estão no protegendo de muitas doenças que as carcaças de animais podiam transmitir. Eles têm papos preparados para vencer tudo quanto é porcaria. E fiquei pensando se há alguém estudando o que tornam os urubus imunes a tantas doenças? Quem sabe pode servir também aos humanos?

Há por aí por esse nosso Brasil varonil muitos bípedes implumes que se comportam como urubu. O que é um desrespeito a essa importante ave. Uma ofensa, porque ela, sim, está exercendo o seu papel em meio a Natureza. A ela devemos expressar o nosso respeito e exaltar a sua importância.

Recordo-me dos primórdios da minha adolescência, em Montes Claros. Morava na Rua Corrêa Machado, em frente ao Campo do União, quase esquina de Rua João Pinheiro. Início da década de 1960. Na ocasião, onde é a sede da Prefeitura de Montes Claros era tudo mato, capim colonião, e o Ribeirão Vieira descia, inalterado, com suas margens cobertas de vegetação.

Logo adiante, pela hoje Avenida Cula Mangabeira, havia um “matadouro”. Abate de gado de corte para alimentar os açougues da cidade. As partes do boi eram levadas em caminhões e dois homens fortes entregavam a cada açougue levando nos ombros, sob uma capa de proteção, toda manchada de sangue bovino.

Nós meninos, descíamos a Rua Corrêa Machado com estilingues pendurados no pescoço e íamos caçar rolinhas nas dependências do matadouro Otany, que quase sempre, ao final da tarde, fazia arder no nariz e nos olhos dos moradores da região uma catinga danada.

Toda vez, numa empreitada dessa, assistíamos ao espetáculo dos urubus reunidos em congresso, um ao lado do outro, aguardando pelo momento de se regalarem no comensal de tripas e restos de bois descartados.

Nesses momentos, a assembleia dos urubus virava uma confusão com uns disputando com os outros o naco maior das iguarias jogadas ao leu. É importante lembrar que os urubus de cabeça vermelha, chamados urubus-reis tinham a preferência no consumo das iguarias.

Não fosse os urubus, pergunto, onde iam enfiar tudo aquilo descartado?

Ainda hoje, eles estão por todos os cantos, dentro das cidades. Em Belo Horizonte não é diferente. Vejo daqui da minha janela com a maior frequência. Eles voam alto, certamente em busca do que comer.

De vez em quando vejo um disputando no alto alguma coisa com outro. Fui saber a respeito: normalmente é o macho perseguindo a fêmea; eles copulam em pleno voo.

Devemos ter todo respeito pelos urubus – é proibida a caça deles.

E quanto aos “urubus” bípedes implumes? Aí a história é outra.

*Leitor