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Chá de sebo, quem é do Sertão do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha conhece

Chá de sebo, quem é do Sertão do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha conhece

Há um sem-número de chás, mas fui saber da existência de “chá de sebo” em Grão Mogol. O primeiro a me falar sobre o tal chá foi o professor Geraldo Fróis.

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15-01-2023

12h:10

Alberto Sena*

Já ouvi falar de vários tipos de chás os mais extravagantes. Já ouvi dizer sobre chá de sebo de carneiro, só não sei para que serve. E não seria doido o suficiente para ficar aqui receitando chás porque este não é o intuito.

Soube até que há chá de barata torrada. E o pior é que, pelo que pude pesquisar, há quem faça e tome de verdade o tal chá. Também não sei para que, mas no mínimo serve para acabar com a fobia de determinadas pessoas por baratas. Conheço gente que sobe até em cadeiras e mesas por causa duma reles barata. Isto é ou não é um barato?!

Já ouvi falar também em chá de zabumba. Dizem que zabumba é alucinógeno, mas, no entanto, é encontrado em jardins inclusive em Grão Mogol, como planta ornamental. Quase em frente à casa onde moramos tem um pé de zabumba com lindas flores.

Há um sem-número de chás, mas fui saber da existência de “chá de sebo” em Grão Mogol. O primeiro a me falar sobre o tal chá foi o professor Geraldo Fróis. Ele conta que o chá de sebo era tiro e queda. O camarada tomava e partia desta para outra quiçá melhor em questão de poucas horas, tempo suficiente para providenciar o enterro.

Sobre esse chá eu me atrevo a dizer para que serve porque se eu não disser não vai ter graça. E estou dizendo preservando as vírgulas e os pontos finais do que Gê Frois contou com o seu jeito característico de dizer as coisas, com a maior parcimônia possível.

E vejam que ele não está sozinho neste causo. O comerciante de Grão Mogol, Manoel, da Mercearia Alves e Dimas, mais conhecido por Genezo, confirma tim tim por tim tim tudo que Frois disse. É que por essa região, até a década de 1940/50, o chá de sebo corria solto.

Para quê que serve? Vamos por partes, diria Jack o estripador londrino. Como naquela época a assistência médica por essas plagas era uma desassistência danada, muita gente passava mal e ficava doente naquele lenga lenga, morre não morre, então alguém teve a ideia, não se sabe quem, de instituir o chá de sebo.

Era chá de sebo de gado bovino. Como é que se faz o chá, ninguém sabe dizer, nem mesmo Frois e Genezo souberam dar a receita, mesmo porque isso tem cheiro de eutanásia sertaneja.

Se o camarada estava morre não morre, desenganado era só tomar o chá de sebo e em pouco tempo ele estava desocupando o beco. Segundo Frois, menino na época, o camarada “sentia uma congestão dos diabos e não resistia”, batia as botas, como se diz.

Tanto Frois como Genezo não souberam explicar como é que a justiça brasileira via essa questão de introduzir o chá de sebo para apressar a morte de doentes sem cura e em agonia.

Pelo que eles puderam contar, muita gente naquela época batia as botas só de ouvir dizer da possibilidade de vir a tomar o tal chá de sebo. Como essa metodologia, embora passível de sérias críticas era do conhecimento dos sertanejos, acabou ganhando conotação hilária.

Em sã consciência, nenhum humano que estivesse mais para lá do que para cá teria coragem de tomar o tal chá. A não ser que fosse introduzido camuflado com alguma outra coisa para mudar-lhe o gosto.

Isso me fez lembrar os purgantes de antigamente. Era se não me engano, a base de Ruibarbo, que nunca soube o que era misturado com um pozinho danado de estranho. Como lá em casa havia uma fila de filhos, um a um tinha de tomar o tal purgante.

Para amenizar o gosto, pois tínhamos de tomá-lo no “gute-gute”, sem respirar, depois da última gota, mãe vinha com um copo de suco de laranja. Logo logo as “bichas” abandonavam o conforto da barriga proeminente.

Hoje, já não se usa purgantes como os de antigamente. Nas farmácias têm remédios muito menos extravagantes. E mais eficientes. Basta tomar um comprido e dentro de 15 dias mais outro e pronto. Os vermes, acaso existir algum, nem deixam vestígios. Ficam como que triturados em meio às fezes.

Agora, esse tal de chá de sebo caiu em desuso há bastante tempo. Sinal de que muita coisa mudou no Sertão. Inclusive a assistência médica. Chá de sebo, numa comparação, é semelhante ao chá de “deus me livre”.

Conta Frois: era comum ouvir perguntar sobre a saúde de alguém e a resposta às vezes assustava: “Está no chá de sebo”. Em outras palavras, dobrava o Cabo da Boa Esperança.

*Jornalista

Imagem da Galeria O professor Geraldo Fróis conhece muitas histórias da Grão Mogol antiga
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