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Esta é a história de duas Anália’s e uma flatulência, em Montes Claros, no Norte de Minas

Esta é a história de duas Anália’s e uma flatulência, em Montes Claros, no Norte de Minas

Na primeira chuva as vizinhas tamparam o buraco no muro por onde escorria a água vinda de outros quintais. Resultado: o nosso quintal, que recebera a água da chuva vinda de vizinhos, inundou.

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15-01-2023

08h:18

Bento Batista*

“Maracangalha”, letra e música de Dorival Caymmi’, foi lançada em 1957, de modo que até nos primeiros anos da década de 1960 era muito ouvida no rádio e até cantada exaustivamente em “grito de carnaval”. Mas o detalhe da letra da música, a personagem Anália, é que chamava a atenção porque na cidade havia uma zona de “baixo meretrício”, à época assim chamavam uma das zonas boêmias de Montes Claros, onde a “cafetona” era uma mulher de nome Anália.

Ocorre que quando a família morava na Rua Corrêa Machado, no trecho entre as ruas Dr. Veloso e João Pinheiro, havia em 1960 o campo de futebol União Esporte Clube logo em frente. O campo era fechado por muro de fora a fora e como já se encontrava meio abandonado, os meninos fizeram aos pouquinhos um buraco em círculo no meio do muro. Era só passar pelo buraco e a pessoa estava no barranco do lado de dentro do campo. Ali a meninada se esbaldava o dia inteiro com bolas de meia, de borracha e de capota.

Era vizinha nossa, separada só por um muro, uma família recém-transferida da roça para a cidade. Era a mãe, viúva; um filho e duas filhas. O filho se chamava Tone e uma das filhas era Anália. O nome da outra se perdeu no tempo. Daquela data em diante, depois que a família se mudou para a casa vizinha, não se cantou mais a música de Dorival Caymmi porque senão Anália podia achar que estávamos falando dela.

É que em pouco tempo a viúva e as filhas dela encrencaram conosco. Tone ficava mais tempo na roça do que na cidade. E tudo que as vizinhas falavam tinha a ver com ele. “Quando Tone chegar, vamos falar com ele... Quando Tone chegar nós...” Era Tone para lá e Tone para cá.

Na primeira chuva as vizinhas tamparam o buraco no muro por onde escorria a água vinda de outros quintais. Resultado: o nosso quintal, que recebera a água da chuva vinda de vizinhos, inundou, porque não havia como a enxurrada escoar.

Claro, tivemos que desobstruir o buraco do muro para dar vazão à enxurrada. As vizinhas fizeram o maior escândalo. Disseram: “Pode deixar, quando Tone chegar, Tone vai dar um jeito nisto”. Mas, Tone demorou, o período chuvoso passou e tudo ficou como sempre. Outros períodos vieram e não tivemos o mesmo problema com as vizinhas. Em compensação, elas fechavam a cara para nós sempre que nos víamos.

Tudo narrado até aqui foi para chegar a este ponto: numa noite, estávamos – minha mãe, irmãs e um irmão – sentados em cadeiras na calçada. Fazia calor tal e qual o que Montes Claros atualmente experimenta.

Na porta da casa vizinha estavam Anália e o noivo dela. Os dois conversavam animadamente. E nós, também, do outro lado. Até um momento de grande desconserto, quando o noivo de Anália deixou escapar alto sem querer querendo uma flatulência e a noiva entrou correndo para dentro de casa, envergonhada. Enquanto ela entrava, o noivo, desconsertado também, levantou-se da cadeira e foi embora sem nem olhar para trás.

Passaram-se alguns instantes, Anália retornou. Olhou para um lado e para outro da rua à procura do noivo. Na cabeça dela, ele não iria embora, mesmo em se tratando de uma situação constrangedora com a ocorrida. Como não podia deixar de ser, nós acompanhamos a movimentação de Anália, até que ela resolveu, pé ante pé, atravessar a rua e se dirigir, sem mais nem menos, ao buraco no muro.

Foi quando percebemos, Anália achava que o noivo se escondera dentro do campo. Ela se foi aproximando do buraco no muro e ao pôr a cabeça do lado de dentro soltou um ruído pela boca mais ou menos parecido com “buuuuuu...” Mas, quando Anália percebeu que o noivo ali não estava, ela retornou correndo para dentro de casa envergonhada em dobro.

Claro que fomos condescendentes com ela. Não rimos desbragadamente. Rimos entre dentes, tapando a boca com as mãos.

Desde então, toda vez que escutamos “Maracangalha” nos recordamos de Anália – de uma e das outras – do noivo dela, do episódio da flatulência e do buraco do muro do campo do Clube União, e caímos na gargalhada.

Mas sem desrespeitar os personagens, mais pela comicidade intrínseca ao acontecimento.

*Escritor.

Imagem da Galeria Dorival foi um baiano muito importante e essa canção dele animou os nossos carnavais
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