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Este é o caso do carvoeiro que quase virou pó dentro de uma cisterna com o estopim aceso e 2 dinamites

Este é o caso do carvoeiro que quase virou pó dentro de uma cisterna com o estopim aceso e 2 dinamites

Era um tipo “factótum”, dito em Latim; em português popular, “pau para toda obra”. Gente prestativa. O sorriso era sua marca registrada. Ele era viúvo, pai de quatro filhos. Onde precisasse dele, lá estava.

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08-01-2023

09h:47

Anes Otrebla*

“Lugar” é o nome fictício de uma cidade pequena, bucólica, no interior de Minas Gerais, cheia de histórias verdadeiras porque testemunha muda de uma importante fase do Brasil colônia de Portugal. Lugar sobreviveu aos dias de hoje aos trancos e arrancos, mas não evoluiu, embora seja um lugar rico em diamantes e de paisagens exuberantes.

O garimpo que dera sustentação aos lugarenses foi proibido, principalmente nas dobras da serra que circundam a cidade. Para sintetizar Lugar, guardadas as suas dimensões como município, era o resumo de tudo que havia de bom e de ruim na Humanidade.

Em meio ao caldeirão étnico, constituído de sangues portugueses, espanhóis, afrodescendentes, mamelucos e que tais, havia um homem negro de compleição forte, estatura mediana, simpático, porque sempre sorridente, chamado João de Deus. Era um tipo “factótum”, dito em Latim, em português popular, “pau para toda obra”. Gente prestativa. O sorriso era sua marca registrada. Ele era viúvo, pai de quatro filhos. Onde estivessem precisando dele, lá estava João de Deus, todo sorriso, prestativo.

Um dia, ele viu a morte de perto.

Corria o ano de 1983.

Fazia um ano da estada do Papa João Paulo II ao Brasil. João tinha à época 33 anos de idade e trabalhava como “carvoeiro do Sinhô”, um empresário do ramo de produção de carvão vegetal, combustível para as fornalhas de siderúrgicas produtoras de aço.

Sempre de bem com a vida, ele viu-se cara a cara com a morte. Ficou a dois dedos de distância dela.

Essa experiência extraordinária vivida por um homem simples, como ele, se deu quando o chamaram para ajudar a abrir uma cisterna com o auxílio de dois outros camaradas. Eles iniciaram o trabalho no muque,

como se diz, de manhã logo cedo, aproveitando o sol mais brando. Depois de tanto esforço, o buraco já estava fundo, mas, deu em pedra e tinha de ser dinamitada.

O sol estava a pino. Alguém tinha de fazer alguma coisa. Mais uma vez, entrou em ação João de Deus. Ele foi descido pela carretilha com um cigarro aceso e duas bananas de dinamite. A carretilha soltava corda e fazia chiado característico, compatível com o peso de 70 quilos de João de Deus até ele chegar ao fundo.

Lá embaixo, ao pisar os pés sobre a pedra, o homem procedeu como qualquer um que ali estivesse em seu lugar. Calmamente, acendeu o estopim e ouviu o ruído dele se queimando e soltando fagulhas. Tinha tempo suficiente para ser içado dali. Em seguida, deu sinal puxando com a mão direita a corda da carretilha a fim de ser içado a superfície pelos dois camaradas.

Eles receberam o sinal e iniciaram o recolhimento, quando aconteceu um problema na carretilha. Ela parou de recolher a corda.

Enquanto isso, o estopim queimava e se aproximava das bananas de dinamite. João de Deus puxou a corda com força para chamar a atenção dos camaradas, mas, de lá de cima eles gritaram: “A carretilha estragou”.

A essa altura, João de Deus entrou em pânico.

Em momento nenhum passou pela cabeça dele tomar a iniciativa de apagar de alguma maneira o estopim, que continuava com o seu chiado mortífero. Ele, então, certo do risco iminente, fechou os olhos e pediu a Deus, o coração aos saltos, para socorrê-lo.

De lá da superfície vinham as vozes dos dois camaradas fazendo-lhe gracejos. Eles não sabiam do que acontecia lá embaixo. João de Deus ouvia, mas, algo nele o impedia de tomar qualquer atitude. E ele pedia em oração íntima um socorro divino.

Faltava pouco para acabar o estopim, e pela cabeça de João a vida vivida passava-lhe como numa tela de cinema. De olhos fechados, ele já se via em frangalhos, virando pó. As duas bananas de dinamite prestes a explodirem.

Ele gritou aos camaradas dizendo estar aceso o estopim, mas os homens não acreditaram e ficaram brincando com ele. Enquanto isso, o estopim chiava, “implorei a Deus para apagar a chama. Implorei...”

Faltava, se muito, dois dedos para as dinamites explodirem.

De repente, o fogo se apagou, sozinho. Claro, por evidente sopro divino. Um milagre. João de Deus costuma dizer até hoje: “Sou fruto de um milagre”.

Não fosse o sopro divino, hoje não estaria ele entre os viventes com o sorriso escancarado no rosto para contar esse caso, que nada tem de ficção.

*Escritor.

Imagem da Galeria Evidentemente não era esta a cisterna, mas serve para que se tenha a visão de João de Deus lá do fundo
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