De quando a vida em Itacambira se resumia entre Janeiros e marmeladas
O fogão a lenha parecia nunca dormir. Fogareiros vibravam vida eterna naquela fornalha que sempre acontecia algo. A mesa enorme, acomodava bandejas com xícaras muitas.
20-12-2022
18h11
Elisane Amaral*
Das primeiras lembranças dos meses de janeiro em Itacambira, o que logo me vem em mente são os frios invernais em pleno verão, os “maiês” desenhados nos chãos molhados pós-chuva, e um grande evento: a fabricação de marmeladas.
Abramos, pois, a cortina do tempo. Final dos anos 1970, início de 1980. Meu avô Tião de Júlio era comerciante, possuía um armarinho num cômodo de 3 grandes portas azuis ao lado de sua casa, com suas muitas janelas também azuis. A loja possuía uma porta de acesso à parte interna da casa, por onde se chegava ao quarto do casal. Chamavam aquilo de sobreloja. E era exatamente na sobreloja, que me lembro de Dindinha, minha madrinha Ziza, dona Izilda Bicalho adentrar, pra buscar algum presente pra nós, os netos, um agrado qualquer que fosse, quando íamos visitá-la. Só muito tempo depois me dei conta do quão mágico era aquilo.
A casa também era pensão, o que dava ao lugar um ar distinto dos demais. Mesas grandes na sala de jantar, varandas externas com mesas e moringas com água e copos de alumínio sempre dispostos a matar sedes. Um espelho/quadro na parede da varanda que circundava a sala de jantar. Tudo muito limpo e bem cuidado. O fogão a lenha parecia nunca dormir. Fogareiros vibravam vida eterna naquela fornalha que sempre acontecia algo. A mesa enorme de quase dois metros, acomodava bandejas com xícaras muitas. Garrafas de café, sempre cheias, dividiam-se entre fortes e fracos. Feito a vida. Numa extensão da cozinha, havia um forno para os preparativos das quitandas nas festivas épocas. A fornalha, toda coberta e cuidada a barro, lembro-a fervilhando nos janeiros de preparo da marmelada, o que era um evento. Ah...As marmeladas. Quando da preparação das caixas-recipientes para o doce de marmelo, todo o material ficava disposto no alpendre externo que circundava portas e janelas na frente da casa. Àquela época, tudo parecia maior do que realmente era. E os buritis amontoados naquele alpendre, esperando a hora se serem manuseados e transformados em caixas úteis, era sim, um grande acontecimento e promessa de fartura. E de saudade.
Para além dos janeiros, não me lembro de outra data tão marcante, além das festas juninas, com a culminância da festa de Santo Antônio, Padroeiro da Igreja Matriz. Assim, na expectativa das festas e visitas de parentes de fora, era padrão dar um "mel de coruja" na fachada das casas, revigorando com novas tintas, ou até mesmo uma "demão de cal", que fosse. E tudo parecia novo. Era como remoçar a cidade. E os ânimos. Naqueles dias festivos, mascates vindos de todas as partes, montavam suas barracas ao longo da rua única de Itacambira, até então. Aquele amontoado de cores e coisas pareciam um evento visto em livros do Gabo, que só teria acesso lá na frente, quando o futuro chegasse: uma pequena Macondo se fazia ali, na profusão de novidades, sons e pessoas.
* Graduanda em poeta/cronista, reikiana, louca por livro, andu, pinha e gabiroba. Sonhadora contumaz! Estuda Psicologia Clínica em UNIFIPMoc. Mora em Montes Claros, de Itacambira (MG).