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Indústria da seca ou a galinha dos ovos de ouro; o título calha bem para o Norte de Minas

Indústria da seca ou a galinha dos ovos de ouro; o título calha bem para o Norte de Minas

A sabedoria popular ensina que devemos lembrar sempre dos dias de chuvas quando for tempo de seca. E recordar da seca quando é chegada o período das águas.

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19-12-2022

13h:00

Anes Otreebla*

Recordo-me que o engenheiro agrônomo Reinaldo Nunes de Oliveira – o Reinaldinho -, hoje aposentado, ex-coordenador técnico da Emater-MG, publicou um artigo em que dizia que o Norte de Minas amargara a “pior seca dos últimos 50 anos”, nas safras 2011/2012 e 2012/2013, e mais de 60% da produção de leite de 600 mil litros/dia. Os prejuízos, na contabilidade dele, ultrapassara “a casa dos R$ 500 milhões”.

Como lembrou Reinaldinho, “a seca no Brasil data da época do império”. É cíclica. Nuns anos é de seca mais rigorosa noutros menos, mas o problema climático é antigo, anterior, certamente, ao Brasil colonial. É, como se diz, “velho pra encardir”.

O próprio Dom Pedro I teve o bom senso de se ocupar com os efeitos da seca, como disse o agrônomo. Chegou ao ponto, imagina, de pôr “a coroa a prêmio para implantação de infraestrutura de convivência com a seca (...)”.

“Convivência”, a palavra-chave para abrir definitivamente a porta de entrada da solução do problema denunciado, na literatura, por Graciliano Ramos, no livro Vidas Secas; em filmes e no dia a dia pela mídia e por milhões de brasileiros. Uma coisa é criar infraestrutura capaz de conviver bem com a seca, de modo à quase nem sentir os efeitos. Outra, humilhante é transformá-la em indústria.

A seca já serviu de plataforma para muitos políticos inescrupulosos. Dela fizeram e ainda fazem uso sem se sensibilizarem com o sofrimento de milhões de famílias, no Sertão, mortas à míngua ou que tiveram de engrossar a massa em cidades como Montes Claros, a fim de se livrarem do sofrimento. Ou para sofrerem de outro modo.

Diante do quadro da seca repetido há séculos, no Norte de Minas, é o caso de apontar de dois um descaminho ou os dois simultaneamente para explicar o porquê de a região ainda sofrer com os maus humores climáticos: incompetência e ladroagem.

Até nós mais bobos sabemos, ao redor do mundo há cidades brotadas na areia do deserto. Há rios até, para esverdearem a paisagem em lugares onde nem se plantando daria alguma coisa.

Alguém pode concordar e tentar justificar: “Nesses lugares rolam os petrodólares”. Claro, criar infraestrutura para tornar sadia à convivência da vida no Norte de Minas com a seca é preciso investir, sem roubalheira, na criação de meios capazes de atenuar os rigores climáticos. Quais sejam?

Com a palavra, os técnicos. A este escriba compete denunciar e cobrar soluções para os problemas socioeconômicos, políticos e ambientais, não necessariamente nesta mesma ordem. Se os técnicos daqui não têm ideias, busquem tecnologia no exterior. Em Israel, onde a irrigação é feita gota a gota, ou em outros países do Oriente Médio construtores de maravilhas em pleno deserto.

O que não pode mais continuar acontecendo – e se continuar a culpa é da própria sociedade norte mineira, apática, incapaz de tomar atitudes – é esse desgastante ciclo de secas, enquanto rios de dinheiro público jorram fazendo a riqueza dos detentores do poder, políticos eleitos porque prometeram indevidamente pôr um fim ao problema crônico.

A infraestrutura para assegurar aos norte-mineiros boa convivência com a seca, segundo o agrônomo da Emater, está ao alcance, mas falta, observamos, atitude política: “A construção de barragens nos rios e córregos ainda perenes, sistemas de abastecimento de água para os municípios do semiárido, reativação da construção das barragens de Berizal e Congonhas”.

“Caso contrário”, ele encerra o artigo com uma grave advertência, “o sistema de abastecimento de água de Montes Claros entrará em colapso”.

Medidas paliativas não irão criar infraestrutura para a convivência do sertanejo com a seca. Não irão levar empreendedores a investir economicamente na região.

Se o problema dos políticos e dos técnicos é, além da corrupção, falta de criatividade e competência para encontrar soluções, se lerem essas linhas com atenção encontrarão, aqui, caminhos para acabar com os descaminhos e a nossa vergonha de ver a seca sendo usada politicamente entra década sai década.

Agora, estamos na época das águas. A sabedoria do sertanejo ensina, “no Sertão são seis anos de seca e seis anos de chuva”. E já estamos no quarto período chuvoso. Os sinais são de que as mudanças climáticas vêm aí, e isso não é agouro de cientistas.

Devemos ou não aguardar a chegada de outro personagem com a coragem de Dom Pedro I? O do grito: “Independência ou Morte”. Reeditado, hoje, o grito seria dirigido aos políticos, às margens do Rio Verde Grande: “Competência e ética ao Norte-mineiro”.

*Jornalista.

Imagem da Galeria A indústria da seca no Norte de Minas é um mal crônico como ela mesma
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