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As experiências e os exemplos no dia a dia comprovam: água é vida, ouro é tragédia

As experiências e os exemplos no dia a dia comprovam: água é vida, ouro é tragédia

Inicialmente a Companhia Vale do Rio Doce – ainda estatal – se interessou pela exploração do ouro e arrancou da terra cinco toneladas, mas, em 1997, paralisou as atividades.

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18-12

18-12-2022

09h:27

Hermínio Prates*

O roteiro é semelhante: alguns técnicos examinam rochas e sedimentos, perfuram o solo, mapeiam os recursos minerais, delimitam áreas e concluem o relatório, cabendo aos executivos decidirem se a exploração da mina – qualquer que seja ela – será rentável ou não.

 Aprovado o projeto, os negociadores de facilidades entram em campo para convencer políticos e administradores públicos de que tal cidade, região e até o país será altamente beneficiado, graças aos investimentos que serão feitos.

Entraves burocráticos e ambientais são superados, tudo em nome do desenvolvimento. E logo máquinas e homens revolvem as entranhas da terra, dinamitam morros e montanhas, devastam áreas florestais e dizimam a fauna. Lucram, lucram muito e recolhem migalhas em impostos porque a atividade de mineração é minimamente tachada.

Os empregos, durante certo tempo, significam o paraíso para algumas dezenas, talvez centenas de pessoas até então sem perspectiva. Até que os veios – de ouro ou de qualquer outro minério – se exaurem e a empresa fecha as portas, deixando um passivo de dívidas trabalhistas e sociais.

Na área explorada resta imensa cratera, verdadeiro câncer ambiental. Assim atuam as multinacionais, principalmente nos países periféricos, onde a legislação é frouxa e os seus pretensos defensores mais frouxos ainda. Os impostos são ínfimos – mesmo assim sonegados – e a mão de obra muito barata. Um paraíso para eles, um inferno para quem é da terra.

Quase sempre a história se repete, mas no caso da Mineração do Riacho dos Machados o script difere um pouco. Inicialmente a Companhia Vale do Rio Doce – ainda estatal – se interessou pela exploração do ouro e arrancou da terra cinco toneladas, mas, em 1997, alegando a queda de preços no mercado internacional, paralisou as atividades.

Há quem duvide da explicação, preferindo suspeitar das intenções comprovadamente entreguistas de Fernando Henrique Cardoso, que teria boicotado a mineradora brasileira. Pelo sim ou talvez, a Carpathian Gold Inc cresceu os olhos e decidiu que seria bom negócio prospectar a jazida, o que passou a fazer após superar facilmente os obstáculos legais e ambientais.

O investimento – propagandearam ao mundo – seria de 191,6 milhões de dólares, mas ninguém conferiu as contas, restando a desconfiança de que possa ter havido um superdimensionamento. A área ocupada pela empresa é de aproximadamente 600 hectares. A projeção é de que sejam apuradas 100 mil onças anuais (três toneladas de ouro); em 2014 a produção ficou pela metade, mas como a cotação do grama, no último dia 11, quarta-feira, era de R$ 131,50, imaginem os lucros da empreitada. Cálculo rápido: apenas com a produção do ano passado, eles faturaram mais de R$ 197 milhões e, anualmente, algo em torno de R$ 400 milhões.

E os riscos? Em abril de 2013 houve uma audiência pública quando a Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Verde Grande e Pardo de Minas propôs uma auditoria nas atividades da empresa; em dezembro/2013 vereadores e alguns técnicos visitaram a barragem de rejeitos da mineradora e, como o barramento tem oito metros de altura – naquele momento com apenas dois de enchimento – parece que se convenceram da ausência de riscos.

O correto – e disso falamos no Jornal da Rádio Gorutubana, apresentado pela dupla Sandoval Santos e Tonão Neves Sobrinho – seria a construção de outra barragem, com maior capacidade e mais segura, logo abaixo da gambiarra que fizeram.

Apenas quem confia em milagres divinos acredita que se houver – e ninguém pode garantir que não haverá – uma tromba d’água aquele amontoado de terra recoberto por lona preta irá resistir à força de uma enchente. Não é o caso de se sugerir e sim EXIGIR uma obra segura, evitando desde já uma tragédia anunciada.

É sabido que a mineradora prefere correr o risco de um rompimento, já que tem um lucro fantástico usando uma tecnologia atrasada, que é proibida em países do primeiro mundo. É viável fazer o beneficiamento a seco, com separação magnética. Mesmo no caso de um tratamento úmido, com água no beneficiamento, é possível se fazer uma separação drenada do material, com mais segurança. É o que explica o engenheiro civil Marcílio Pereira, da Aluvial Engenharia e Meio Ambiente. E o biólogo Francisco Mourão esclarece que o descarte seco é muito mais eficiente, mais seguro e possibilita a recuperação ambiental com um risco muito menor.    

E para que investir em segurança? A vida humana, animal e vegetal são muito baratas. As empresas preferem correr o risco de pagar alguns milhões quando ocorrer um desastre, desde que continuem ganhando bilhões.

É o caso da Samarco, que em 2014 faturou R$ 3,7 bilhões, antes de pagar os juros, impostos, depreciação e amortização, restando lucro líquido de R$ 2,8 bilhões. E sabem quanto está reservado, em seguro, para cobrir os danos mortais e materiais com a última tragédia? Apenas R$ 70 milhões.

A memória é curta e é preciso alertar que os acidentes se repetem com diminuta frequência. Em 2001 aconteceu em Nova Lima (cinco mortos, assoreamento, degradação de cursos hídricos e destruição da mata ciliar); em 2003, Cataguases (despejo de 1,5 bilhão de litro de lixívia negra na água, contaminação do Rio Paraíba, córregos próximos, matança de peixes e outras formas de vida, além de deixar mais de 600 mil pessoas sem água); em 2007 a barragem da Rio Pomba Cataguases se rompeu e inundou duas cidades com mais de dois milhões de litros de lama, desalojando quatro mil pessoas; em Itabirito, no ano passado, três morreram e cinco ficaram feridos.

Ainda não se mensuraram os estragos causados pela Samarco Mineração S/A (fundada em 1977, hoje controlada por uma joint-venture entre a Vale S/A e a anglo-australiana BHP Billiton, cada uma com 50% das ações), mas é certo que vários cursos d’água de Minas e do Espírito Santo já foram afetados e até a vida marinha corre riscos.

Ouro, sempre o ouro. Nas páginas do livro O Poder do Ouro, Peter L. Bernstein historia sobre “o bem mais cobiçado, exaltado e, também, o mais inglório de todos os tempos: o ouro. Desde o fascínio ancestral das histórias de Moisés e Midas até as convulsões modernas provocadas pelo padrão-ouro, o chamado metal amarelo tem levado muitos dos seus mais vorazes e orgulhosos possuidores a um final trágico.” Quando se discutiam os riscos da mineração em Riacho dos Machados, o bispo José Ronaldo Ribeiro alertou que “quando se fala em ouro ou em dinheiro muitas outras coisas ficam esquecidas.”

A sugestão é terrificante, mas, por um instante, imaginem as consequências caso o barramento da mineradora se rompa. Letal descarga de cianeto (composto químico altamente venenoso e solúvel em água) poluiria os rios e lençóis freáticos. Além do cianeto, também há o cancerígeno arsênico, muito mais perigoso, que pode contaminar não apenas a água, mas também o ar. Seria a morte da Barragem do Bico da Pedra, pois a água não se prestaria para consumo humano, animal e nem para irrigação. O que seria das vidas e agronegócios a jusante da represa?

E tudo por causa de alguns empregos gerados em Riacho dos Machados (cerca de 10 mil habitantes), migalhas pagas em impostos e nada mais, além da bomba-relógio a ameaçar uma vasta região habitada e de bons negócios para quem vive da água.

Ouro? O mundo não precisa e nem nós necessitamos de ouro. A água é o bem maior e democrático, pois serve a todos e não apenas a uma minoria gananciosa.

*Jornalista, escritor, professor de Jornalismo, sonhador contumaz.

Imagem da Galeria Bico da Pedra, em Janaúba, no Norte de Minas, é como um oásis quase no deserto
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