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Amazônia Legal? Como os contínuos assassinatos revelam a gravidade desta mentira que custa caro à região

Amazônia Legal? Como os contínuos assassinatos revelam a gravidade desta mentira que custa caro à região

A realidade expõe que a Grande Guerra da Amazônia nunca teve um curto tempo de paz. Guerra na floresta abafada pelo silêncio de insaciáveis vencedores. Jânio Quadros por pouco não acabou com a farra da França, Inglaterra e Holanda, anexando as três Guianas

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06-12-2022

11h:04

Roberto Pio Bastos (*)

 

   José Roberto Martelo é mentiroso.

 

Ouvi algumas vezes esta afirmativa e digo que, naquela noite de 15 de 

maio do ano 2000, 

na sua fazenda, quando começou a gravar a primeira fita, 

eu não acreditava na história de 

que ele escrevera, anos antes, um livro de mais de 1.000 páginas e que 

o queimara lá 

no Xingu, nas margens do caudaloso e piscoso Teles Pires ou de um 

outro grande 

rio amazônico.

 

Queimara nada!

 

Mais uma história, mais uma mentira do Zé, José Roberto Martelo. 
Ele realmente era 

um mentiroso. 
Era o que se passava pela minha cabeça. 

Como acreditar numa “estupidez” desta!

 

Cinco anos depois, não só estou convencido, 
embora não seja uma testemunha, 

de que você queimou mesmo a primeira versão do seu livro, 
que poderá ter 

como título 

A Consistência

de um Bunda Louca

como, desta vez, já testemunha, de fato, vi você escrever e 

reescrever, 

“queimar”, 
inúmeras versões do seu livro, 
muito mais versões do que teve a sua vida vivida e sobrevivida.

 

Afinal, dizem que escrever é abrir as veias. Você rasgava-as.

Você queimava palavras, queimava vidas.

 

Assim, constatei que José Roberto Martelo não era um mentiroso. 


Detentor de uma 

memória prodigiosa, o que confirma a concepção grega da 

palavra verdade – aletheia, 

aquilo que não se esquece

 

Caminhando, mais na frente, descobri pelos ensinamentos 
de Vargas Llosa 

(um peruano que sabe da coisa) 

que somos todos grandes mentirosos
nós, os contadores de história (*).

 

Mais ainda, Zé sabia que a mentira das histórias contém verdades.

 

Dias atrás, ele me disse que faria o vestibular para o curso de Jornalismo. 


Como aprendiz da escrita, tomado de entusiasmo, 
andei enviando-lhe a sugestão de alguns 

títulos que sei que ele gosta 

de ler.

É um devorador da boa literatura, novas leituras acadêmicas

seriam importantes nesta

fase atual de cronista 
comprometido com duas crônicas semanais e com a 

responsabilidade de escrever ao lado 

de um texto com a sabedoria e a experiência do irmão Ronaldo Perim.

 

Por isso, a indicação do livro de Paulo Markum, 
O sapo e o príncipe, 

uma lição jornalística

como os livros do Noblat, 
A Arte de Fazer um Jornal Diário e 
O que é ser jornalista.

 

À merda a erudição, mas aqui, por dever de amizade e, 
mais ainda, de 

admiração, serei 

obrigado, diante do seu último artigo sobre índios e eleições, 

a sair um pouco da superfície.

 

Tudo que está ali é muito sério, trágico, cruel, violento

 – são vidas dizimadas, destruídas – 

mas lá não está a crônica, lá não está um artigo, 
ali ele não conseguiu 

fazer uma notícia, nem uma reportagem.

 

A dimensão da tragédia embolou o meio de campo. 

O relato perdeu profundidade. 

Quem é 

este tal de tenente-coronel Sandro? 

Ele errou, acertou, é um irresponsável, um omisso, um 

criador de problemas? Qual a missão da polícia militar: 

garantir a paz ou registrar 

assassinatos?

 

A tragédia dos índios, destes homens nossos contemporâneos,

 é uma tragédia nossa.

 

Está claro naquele texto.

 

Entendi, então, quando me falou sobre a pesquisa 
que fará sobre 

As Volantes e 

sobre o coronel (?) Juvenal – um antigo Sandro? 


A história demais de 150 anos, de 100 anos, 

de 50 anos que continua em nossos dias.

 

Esta é a realidade, 
não existe Estado, 
não existe lei, 

não existe sociedade.

 

É muito sério tudo isso e ele soube pôr o dedo, os pés e 

as mãos na ferida – revelou esta 

realidade e ali, nas páginas do seu Diário, está uma baita 

duma bela pauta para um 

senhor repórter.

 

Agora, a bola é dele que sonhou entrar numa 
faculdade e estudar Jornalismo: 


faça a reportagem, vá atrás da matéria.

 

Marx iniciou sua carreira profissional como repórter da 

Nova Gazeta Renana e, 

depois da cobertura jornalística de furtos de madeira, ele descobriu que 

“aqueles ladrões, não eram os ladrões, 

mas os donos das florestas que exploravam os trabalhadores”.

 

A Gazeta foi fechada, Marx viajou pela Europa e aprofundou seus estudos. 

Vale a pena ler O Capital.

 

Pelo menos, a segunda seção do primeiro volume. 

Lá você ficará sabendo que todo 

capitalista é um ladrão 

e que o capitalismo se baseia na mais pura rapinagem 

 

(Zé Roberto viveu isto na pele, no rosto, nas mãos, no bolso

 quando enfrentou um maluco que se fantasiou de 

“presidente da República” e que, 
com raiva da sua insubmissão, mandou 

bombardeá-lo horas depois da recusa em se submeter, 
ele, o presidente, em 

Brasília, e você e Antônio, Teco, Beto e Alta, em Boa Vista).

 

Ali, em cima das cassiteritas, você foi roubado e o ladrão foi o

Estado Armado com 

todos os seus instrumentos legais (ilegais?), 

imprensa, justiça, polícia, exército e magnatas.

 

É este mesmo Estado que assiste ao assassinato dos índios, 
conforme seu relato.

 

Marx foi o repórter para quem não bastou a reportagem.

 

Carlos Fuentes, com A Morte de Artêmio Cruz, num dos mais brilhantes 

textos jornalísticos, 

denunciou o assassinato de líderes camponeses no interior do México.

 

O nosso Joel Silveira, com lições permanentes sobre a arte de escrever, 

assim, depois dele, 

Gay Talesse e toda esta corja do novo jornalismo, enfrentaram, 

com coragem, a produção de matérias cuja base é a revelação da 

realidade da nossa sociedade paulista ou dos trabalhadores 

anônimos construtores das grandes obras da engenharia moderna.

 

São textos que você, agora, um homem de jornal deveria ler, 

mas antes deveria ouvir mais 

o seu irmão, Antôno Alvimar, que o alertou sobre os dois repórteres da 

Veja para os quais 

você abriu a Amazônia da cassiterita e dos ianomâmis, 

certo de que seriam verdadeiros em 

seus relatos.

 

Não o foram, eles chegaram lá com as pautas prontas – 

e com o texto final engatado.

 

O Jornalismo que chega com a pauta pronta é traiçoeiro 
e eles foram lá para 

massacrá-lo 

numa reportagem de capa, que estava 

na esteira da matéria da National Geografic, que o 

apontava como o maior matador de índios da América.

 

Você tem a pauta pronta, mas como o novo jornalismo nos ensinou, 

vá lá e confira tudo 

aquilo que você colocou, como palavras suas, nas páginas do seu jornal

 e defina seu texto: 

uma notícia, uma reportagem, uma crônica. 

Misture tudo porque a base é a sua vida vivida, sobrevivida.

 

Depois, Zé, cheque tudo, mande checar. 

Se permanecerem dúvidas, 

vá pessoalmente.

 

Na esteira de jornalistas como Jack London, 

John Reed, 

José Marti, 

o poeta de Nossa América, 

publique e pare de “queimar” suas histórias 

e não mais omita a guerra da Amazônia, muito menos, 

agora, estes continuados assassinatos assistidos.

 

Agora, já que você tem os primeiros relatos da 
guerra de nossos índios, 

mostre o que acontece hoje, se somos testemunhas de tais fatos 

jamais poderemos ser cúmplices, muito menos do silêncio. 

 

O silêncio nos humilha e acovarda.

 

Depois, rasgue a pauta, 

caso ela esteja malfeita 

ou dê à fonte sua verdadeira dimensão.

 

Importante, é extrair 

a verdade das mentiras.

 

Depois de ter feito aquela relação de jornalistas, 

grandes escritores e autores também de importantes reportagens, 

termino reportando ao trabalho jornalístico do correspondente 

da Reuters e da British Broadcasting Corporation, a BBC, 

na África, em Biafra.

 

No final da década de 1960, em duas etapas, a primeira como 

correspondente de guerra e a 

segunda como “freelance”, 

Frederick Forsyth percebeu que estava diante de uma guerra civil, 

em Biafra, uma “guerra genocida 

e que foi, até então, o maior banho de sangue da história da África”.

 

Uma guerra que introduzia (invenção inglesa) uma nova e 
poderosa arma de guerra: 

a fome.

Ele voltou para Biafra, não mais como correspondente 
oficial de uma empresa, 

mas como 

homem, 

como cidadão do mundo, 

disposto a não deixar aquela história enterrada e esquecida.

 

Forsyth escreveu a sua mais brilhante reportagem 

e a mais contundente denúncia contra o Império Britânico 

que contou nesta guerra civil com o apoio dos EUA, da então URSS e da 

maioria dos países africanos, 

todas estas potências e títeres se uniram para esmagar um povo.

 

A História de Biafra, aqui no Brasil editado pela Record, 

é o relato jornalístico de Forsyth, 

depois autor de O Dia do Chacal, Cães de Guerra e Dossiê Odessa, 

entre outros livros,

 

Naquela sua guerra, a Guerra da Cassiterita, 
quem derrotou os brasileiros?

 

Foi o “presidente” ou foi o império britânico? 

 

É importante que você pare de queimar e 

publique, 
nas edições seguintes, 
revise, acrescente, suprima, mas publique.

 

Nesta guerra dos Machacalis, 

busque a verdade 

ou conte a sua mentira.

 

Um abraço fraterno do companheiro e admirador

 

Rufino Fialho.

 

(*) A verdade das mentiras, Mario Vargas Llosa, ARX, SP, 2004   

 

(*) Texto extraído da carta de Rufino Fialho Filho para José Roberto Martelo

* Filósofo com raízes amazônicas.

Imagem da Galeria A Amazônia Legal precisa de mais atenção dos governos para favorecer os habitantes
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