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Ivana Rebello, presidente da Academia Montes-Clarense de Letras destrincha a palavra “renúncia”

Ivana Rebello, presidente da Academia Montes-Clarense de Letras destrincha a palavra “renúncia”

Professora na Universidade Estadual de Montes Claros, doutora em Literatura, ela acaba de editar um livro da Academia sobre Darcy Ribeiro, a ser lançado dia 2 de dezembro.

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26-11-2022

06h:16

Ivana Ferrante Rebello*

Renúncia origina-se do latim renuntia, cujo sentido aponta para retirar uma palavra, negar, repudiar o que foi dito. Compõe-se de RE (para trás) + NUNTIARE (declarar, anunciar, informar). O Novo Dicionário da Língua Portuguesa traduz do latim: “RENUNTIARE” o ato de “Abdicar do uso de um direito ou da posse legítima de qualquer coisa. Não querer. Desistir do desejo, renegar. Afastar-se voluntariamente, abster-se; por de parte uma vantagem, sacrificar-se.”.

A palavra, como veem, admite interpretações variadas. Existem alguns casos de renúncia que entraram na história. O rei Eduardo VIII renunciou ao trono para se casar por amor. O Papa Bento XVI, recentemente, renunciou ao papado. Mas a história dos seres comuns é feita de inúmeras pequenas e grandes renúncias, que merecem ser lembradas. A mãe renuncia ao próprio corpo para gestar seu filho. O padre renuncia ao casamento, para servir a sua Igreja. O estudante renuncia aos finais de semana para ser vitorioso no vestibular. Os casados renunciam às tentações para se manterem fiéis um ao outro. Ou, pelo menos, assim deveria ser ...

Goethe nos lembra que “Todo nosso saber se reduz a isso: renunciar à nossa existência para podermos existir.” A alusão do escritor alemão ressalta um sentido maior ao termo, talvez incompreensível para muitos, posto que vivemos em uma sociedade que cultiva cada vez mais o hedonismo e o egocentrismo. Ele exorta a renunciar a nós mesmos, a nossas certezas, a nosso orgulho. Coisa difícil e complexa, pois, como recomenda o prefixo “re”, é preciso a grandeza de voltar atrás, refazer postulados, abrir mão da comodidade do que sabemos para ir ao encontro de outros saberes.

Por que é difícil renunciar? Porque o ato abala nossa vaidade e desestabiliza nossa crença vã de infalibilidade. O mundo exige que acertemos e ostentemos o modelo de vitoriosos, mas a palavra ensina o que muito tardiamente aprendemos: a grandeza do erro e do aprendizado. Renunciar é, pois, próprio de quem almeja um saber para além da matéria. É dar-se à oportunidade de afastar-se da imagem do espelho, para poder reavaliar-se e começar de novo. Somente renunciando a nós mesmos é que compreendemos o outro.

 “... Então, disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, RENUNCIE-SE a si mesmo, e siga-me” (Mt 16.ARC.)

*Escritora.

Imagem da Galeria Ivana Ferrante Rebello é filha de uma das mais tradicionais famílias de Montes Claros
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