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Carlos Drummond de Andrade faz 120 anos; ele já foi chefe de Redação do Diário de Minas

Carlos Drummond de Andrade faz 120 anos; ele já foi chefe de Redação do Diário de Minas

Em livro publicado recentemente, duas citações sobre o DM, como é também chamado, foram feitas pelos autores, uma dupla de escritores pesquisadores renomados na área cultural mineira,

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Direto da Redação

20-11-2022

07h:49

Alberto Sena*

O poeta itabirano, Carlos Drummond de Andrade foi chefe de Redação do jornal Diário de Minas por quase dez anos, antes de se mudar para o Rio de Janeiro.

Ele é uma das grandes personalidades que fizeram o nome deste jornal, que brevemente será relançado em uma solenidade a ser preparada com o maior esmero, para demonstrar o respeito nosso ao público leitor.

Drummond é o primeiro de uma lista de profissionais que serão apresentados neste espaço para os leitores deste tempo conhecerem quem fazia o Diário de Minas, impresso, numa época em que Belo Horizonte vivia sob os clarões e a efervescência da Semana de Arte Moderna, realizada no ano de 1922, em São Paulo.

O poeta completou, em 31 de outubro, 120 anos. Ele nasceu em Itabira (MG), no Vale do Aço, e morreu em 1987, no Rio de Janeiro onde definitivamente se refugiou decepcionado com a maneira como os mineradores operavam em sua terra, aonde nunca mais voltou depois de lá sair, e também de Belo Horizonte, onde atuou como jornalista, no Diário de Minas primeiramente.

No caso do nosso poeta, bem a propósito, foi publicado recentemente o livro intitulado “Uma tristeza mineira numa capa de garoa”, dos escritores pesquisadores Ivana Ferrante Rebello e Fabiano Lopes de Paula, no qual registram eles à página 44: “...Ao referenciar um concurso literário promovido pelos escritores e jornalistas que integravam o periódico Diário de Minas, no qual se destacavam Carlos Drummond de Andrade, Cyro dos Anjos e Pedro Nava...”

Adiante, na página 84 do livro referido, o Diário de Minas foi citado outra vez, citação que segue transcrita: “... Em 30 de setembro de 1922, Drummond escreve resenha do romance “Os condenados”, no Diário de Minas, declarando que era de São Paulo, terra admirável, onde há café e grandes indústrias, que nos vem o grito do futurismo nacional”.

Com base nesses registros dos pesquisadores, não há como não crer na presença do poeta na Redação do Diário de Minas, é que é uma honra para nós, da equipe de hoje, numa versão de jornal que talvez Drummond nunca tivesse imaginado.

Conversei uma vez com ele, por telefone. Foi a pedido do professor Darcy Ribeiro, quando era secretário Extraordinário de Desenvolvimento Social, no governo de Newton Cardoso.

Darcy precisava falar com Drummond sobre a possibilidade de o poeta ajudar a trazer Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz, a Belo Horizonte. A secretária de Darcy me deu o telefone e eu fiquei pensando, “vai ser difícil falar com o poeta”, famoso por não dar entrevista.

O telefone tocou uma três vezes e, do outro lado da linha ouvi a voz de quem? Dele: “Alô”. Foi mais fácil do que pensava.

Outra passagem que envolveu o poeta foi quando a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR) queria destruir o nosso cartão postal, bem no frontispício do final da Avenida Afonso Pena.

Fiz uma reportagem sobre o assunto e Drummond, que à época tinha uma coluna no jornal Estado de Minas, leu a minha reportagem e em seguida escreveu o poema “Triste Horizonte”, o que levou a empresa a mudar de ideia. Buscou na Europa um modo de operar diferente, em bancadas.

Isto feito, episódios contados, nesta oportunidade vamos celebrar os 120 anos de Drummond, com um poema da lavra dele:

JOSÉ

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?

 

Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

 

E agora, José?

Sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio — e agora?

 

Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?

 

Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre,

você é duro, José!

Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?

*Editor Geral.

Imagem da Galeria O poeta Carlos Drummond de Andrade pegou bons tempos no comando do Diário de Minas
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